Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Burocracia atrapalha acesso de municípios do RS a recursos do governo federal, dizem entidades 

    Prefeitos de cidades afetadas pelas fortes chuvas e enchentes apontam questões técnicas e falta de pessoal como obstáculos para conseguir verba

    Enchente no município de Canoas, que contabiliza o maior número de mortes na crise que o Rio Grande do Sul enfrenta neste mês
    Enchente no município de Canoas, que contabiliza o maior número de mortes na crise que o Rio Grande do Sul enfrenta neste mês 16.05.2024 - Mister Shadow/ASI/Estadão Conteúdo

    Renata Souzada CNN

    São Paulo

    Os municípios afetados pelas fortes chuvas e enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul ao longo de todo o mês de maio estão enfrentando dificuldades para solicitar recursos ao governo federal, segundo entidades ouvidas pela CNN.

    A “burocracia”, como definem os interlocutores, vai desde as questões que envolvem capacidade técnica até número de pessoal nas prefeituras.

    Segundo levantamento da CNN, até o início da semana, 31% das 441 cidades que decretaram estado de calamidade tinham pedido socorro ao governo federal – ou seja, 137 municípios.

    “Alguns estão muito afetados. Não tiveram nem como fazer esses documentos ou ainda estão avaliando o que precisam. E outros, talvez pela escassez de equipe”, diz o prefeito de Campo Bom, Luciano Orsi (PDT), que preside a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs).

    O prefeito acrescenta que, embora enxergue “uma disposição grande” do governo federal e saiba da necessidade dos trâmites para a liberação de recursos, o cenário é atípico.

    “Você tem que, às vezes, fazer cinco ou seis solicitações, cada uma com documentação diferente, para vários ministérios. Como é uma catástrofe, é uma questão diferente, não é o dia a dia dos município. Isso acaba complicando um pouquinho na gestão e, às vezes, há uma demora”, explica.

    O vice-presidente da Associação Gaúcha de Municípios (AGM), Jonas Calvi (PSDB), que é prefeito de Encantado, concorda.

    Precisa existir uma fiscalização, precisa existir um controle, a gente não abre mão disso. Mas nessas situações de catástrofe, como está acontecendo, ela tem que ser mais flexível

    Jonas Calvi, vice-presidente da AGM

    Segundo ele, os formulários disponibilizados pelo governo para a solicitação de recursos são “extensos” e “complexos”.

    Em Encantado, uma pessoa morreu e duas seguem desaparecidas, segundo balanço mais recente do governo gaúcho sobre as cheias no estado. Além disso, 794 pessoas estão desabrigadas e há uma estimativa da prefeitura de que entre 3.500 e 4 mil estejam desalojadas.

    Vale lembrar que o conceito de desabrigado se refere aquele que perdeu a casa e está em um abrigo público. O desalojado teve de deixar sua casa — não necessariamente a perdeu — e não está em abrigos, mas sim na casa de um parente, amigo ou conhecido, por exemplo. 

    Já o município de Campo Bom não contabiliza mortes, nem desaparecidos, mas é um dos que integra a lista de afetados da Defesa Civil estadual.

    Solicitações

    Desde o início da semana, quando a prefeitura de Encantado conseguiu estabilizar o acesso a energia elétrica e internet, a dificuldade maior está relacionada ao número de servidores aptos ao trabalho, explica o prefeito.

    “Somos municípios pequenos”, diz ele, em referência a cidades da região. “Nosso quadro de funcionários não é especializado e dedicado somente para fazer isso. E, além disso, muitos funcionários nossos também foram atingidos.”

    O vice-presidente da Associação Gaúcha de Municípios ressalta, porém, que, apesar de o recurso ainda não chegar na velocidade nem no montante necessário, o “atendimento primário, esse atendimento humanitário, acontece”.

    Segundo informações da Defesa Civil de Encantado, no mês de maio foram abertas cinco solicitações de recursos ao governo federal, relacionadas aos eventos climáticos. Destas, duas aguardam depósito, após abertura da conta, e as outras três esperam, respectivamente, emissão de empenho, publicação no Diário Oficial e análise.

    Além disso, o município já recebeu R$ 200 mil em recursos do governo federal para ações humanitárias.

    Confederação pede liberação direta de recursos

    Em entrevista à CNN, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, aponta que as medidas anunciadas pelo governo para atendimento dos municípios dependam de requisição.

    “Será que o governo não sabe o telefone, a conta da prefeitura? Será que o município não está na condição como ente federado ou vão querer pôr em dúvida que o dinheiro não vai ser fiscalizado?”, questiona.

    Fundada em 1980, a CNM é uma das principais representantes municipalistas do país. Na quinta-feira (16), a entidade divulgou um levantamento que aponta que os prejuízos no Rio Grande do Sul em decorrência das enchentes já totalizam R$ 9,5 bilhões.

    À reportagem, o presidente da confederação também citou falta de liberação de recursos diretos aos municípios nos anúncios do governo.

    “Tudo é muito bem-vindo, tudo é importante que seja colocado, tudo foi encaminhado, ou está sendo, mas ali não tem um centavo previsto para as prefeituras, para o poder local”, afirma, fazendo referência ao pacote de R$ 50 bilhões anunciado no dia 9.

    Ziulkoski, que é gaúcho, foi prefeito de Mariana Pimentel (RS) em dois mandatos (1993-1996 e 2001-2004), além de integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele está em seu terceiro período como presidente da CNM – cargo que conquistou pela primeira vez em 1997 – e foi reeleito neste ano para mais três anos de gestão.

    Em diálogo constante com a gestão federal sobre questões que envolvem os municípios brasileiros, Ziulkoski se reuniu no início desta semana com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e outros membros do governo em uma conversa de mais de 2 horas, segundo relatou à CNN.

    Além de discutir a questão da desoneração dos municípios, as autoridades também falaram sobre a situação do Rio Grande do Sul.

    Outro lado: governo federal cita medidas

    A CNN questionou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) sobre os anúncios feitos pelo governo em apoio às prefeituras e sobre a burocracia apontada pelas entidades na solicitação de recursos.

    Em resposta, a Secom elencou uma série de medidas anunciadas que atendem os municípios.

    Uma delas, a portaria nº 1.466, de 7 de maio, autoriza a liberação de recurso a partir da aprovação, em até 24 horas, de um plano de trabalho. Nesta modalidade, as cidades são atendidas a partir do número de habitantes. A divisão segue o seguinte critério:

    • até 50 mil pessoas: R$ 200 mil;
    • entre 50 mil e 100 mil habitantes: R$ 300 mil;
    • mais de 100 mil habitantes: R$ 500 mil.

    O governo também informou que até a última quarta-feira (15) o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) aprovou 235 planos de trabalho para resposta, restabelecimento e reconstrução das localidades afetadas — somando um repasse de R$ 186,6 milhões para as ações de Defesa Civil.

    Outra medida autorizada é o repasse de valores para a aquisição de colchões, cobertores, roupa de cama, água, sabão, detergente, utensílios para cozinhar e até estrutura para montar abrigos. Nesta categoria, até a última terça-feira (14), 48 municípios haviam solicitado recursos.

    FOTOS – Drones mostram enchentes em Porto Alegre