Mayra Pinheiro: Quem é a secretária da Saúde conhecida como ‘Capitã Cloroquina’
Médica ganhou projeção por sua defesa do ‘tratamento precoce’, com uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19


Os nomes ouvidos nas primeiras semanas da CPI da Pandemia foram rostos mais presentes no noticiário político brasileiro, como o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Ernesto Araújo e o ex-secretário Fabio Wajngarten.
Nesta terça-feira (25), a comissão vai ouvir uma personagem que, se não está tão sob os holofotes, não deixa de ter influência sobre os rumos do governo Bolsonaro quando o assunto é a pandemia da Covid-19. Trata-se de Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação no Ministério da Saúde, que ganhou o apelido de “Capitã Cloroquina”.
No dia 21 de março, Pinheiro, que é médica pediatra, dividiu com seus contatos no Facebook um pouco do que se passava com ela durante os dias em que seu corpo sentia os efeitos da Covid-19. Além de pensamento positivo e atendimento médico por via remota, seus parceiros de convalescença foram ivermectina, hidroxicloroquina, bromexina, azitromicina, zinco, vitamina D e proxalutamida, todos ali, “na cabeceira da cama”, como ela mesma postou.
O porquê de tantos remédios, ela também explicou no texto: “Porque quando a sensação de morte surge de forma inesperada, você usa todos os recursos que podem trazer benefício. E foi viver que escolhi”. Foi com esse discurso em defesa de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 que Mayra Pinheiro recebeu o apelido que a acompanha.
Com essa retórica, Mayra ganhou projeção no Ministério da Saúde sob Eduardo Pazuello, embora tenha chegado à pasta ainda nos primeiros dias da gestão de Luiz Henrique Mandetta. E foi também a defesa diligente do chamado “tratamento precoce” que levou a CPI a apresentar quatro requerimentos para que a secretária prestasse depoimento.
Sindicalista contra o Mais Médicos
Antes de se tornar a “Capitã Cloroquina”, Mayra era mais conhecida por ter sido presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará e por sua crítica ao programa Mais Médicos, que, entre outras iniciativas, incentivava a vinda ao Brasil de médicos formados em outros países, principalmente Cuba, para trabalhar na rede pública, e que acabou ficando sob seu comando quando ela chegou ao Ministério da Saúde.
Dias antes da posse em 2019, em entrevista ao jornal “El País Brasil”, a secretária defendeu a sua posição crítica à política adotada com médicos cubanos. “A gente não pôde comprovar a certificação de que essas pessoas haviam cursado medicina nem que tinham o domínio da língua”, justificou. Ela também criticou a política de expansão de cursos para a formação de médicos. “[O Mais Médicos] Também trouxe a abertura indiscriminada de escolas de medicina no Brasil, que não precisamos e que são de péssima qualidade.”
Em 2018, filiada ao PSDB e formada pelo movimento de renovação política RenovaBR, concorreu a uma das duas vagas do Ceará em disputa para o Senado Federal. Recebeu 11,37% dos votos válidos, um total de 882.019, e ficou em quarto lugar. Cid Gomes (PDT) e Eduardo Girão (então no Pros, hoje no Podemos) foram eleitos.
Em 2020, no Partido Novo, chegou a ser cotada para concorrer à Prefeitura de Fortaleza, mas o partido acabou desistindo da candidatura. Segundo o registro de filiados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Mayra se desfiliou do Novo em 9 de março de 2021.
Nas redes sociais, a secretária do Ministério da Saúde é pródiga em críticas ao governo do Ceará, comandado pelo petista Camilo Santana, à imprensa profissional e a medidas de restrição à circulação de pessoas. Também são muitas as postagens de cunho religioso e, claro, as defesas do tratamento precoce.
Suas postagens também deixam claro que Mayra representa uma parte da classe médica brasileira. Repercutem positivamente entre vários de seus pares posts em defesa da autonomia do médico para receitar os chamados tratamentos “off label”, isto é, com finalidades não prescritas nas bulas.
Em 12 de fevereiro, publicou um vídeo em sua página no Facebook em que parabeniza a Chapa 1 por ter sido eleita para chefiar o Sindicato dos Médicos do Ceará. “Vamos continuar apoiando os colegas médicos que querem fazer a diferença, que defendem a independência, a liberdade, que defendem o direito do médico de buscar novas ideias, melhores soluções para sua vida e para bem assistir a população”, disse Mayra no vídeo.
Ação no Amazonas
Em janeiro, uma equipe do Ministério da Saúde liderada por Mayra esteve em Manaus a pedido do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a fim de “alinhar novas ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19 no Amazonas”, como a pasta registrou em seu site. Ao governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), a secretária prometeu equipamentos e treinamento, além de endossar o tratamento precoce, junto do esforço “para que não falte a nenhum cidadão do estado do Amazonas o socorro que é garantido constitucionalmente pelo SUS”.
Mas faltou. Dias depois, o Brasil conheceu a tragédia de um estado que não conseguia suprir a demanda por oxigênio em seus hospitais, o que levou a uma caçada por cilindros do gás necessário para muitos dos doentes da Covid-19. Outros estados mandaram cilindros cheios, a Venezuela fez uma doação, caminhões carregados com cilindros tiveram de ser escoltados. Ainda assim, muita gente morreu sem conseguir respirar.
A crise no Amazonas é um dos motivos que levaram à instauração da CPI da Pandemia, que ouviu Pazuello na quarta-feira (19) e deverá ouvir Mayra na terça-feira seguinte (25). Pazuello não é mais ministro, mas Mayra Pinheiro continua no cargo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue a conduta de Pazuello na crise. Já Mayra é uma de seis pessoas que respondem a uma ação por improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas.
De olho nas ações e eventuais omissões do governo federal, e também no uso de recursos da União por estados e municípios no combate à pandemia que já matou mais de 430 mil pessoas no Brasil, a CPI deverá inquirir Mayra a respeito de sua visita ao Amazonas em janeiro.
Em ofício encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde de Manaus no dia 7 de janeiro, Mayra Pinheiro pediu autorização para visitar Unidades Básicas de Saúde da capital amazonense para incentivar o uso de medicações como a cloroquina e a ivermectina no tratamento da Covid-19.
Para Mayra, seria “inadmissível” que o tratamento precoce não fosse amplamente adotado.
Os senadores independentes e de oposição que formam maioria na CPI da Pandemia questionam se a difusão pelo Amazonas do chamado “kit covid”, associado ao envio de equipes para treinar profissionais de saúde locais no tratamento preventivo com esses medicamentos, acabou por piorar a crise sanitária no estado.
Seguindo os passos de Pazuello, Mayra Pinheiro também recorreu ao STF para ter o direito de não responder às perguntas dos senadores durante os trabalhos da CPI. O pedido da secretária, no entanto, foi rejeitado pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Em seu depoimento à CPI, Pazuello comentou sobre o aplicativo TrateCOV, lançado pelo Ministério da Saúde e que foi usado para prescrever os medicamentos do tratamento precoce. Segundo Pazuello, a ideia do TrateCOV veio de Mayra Pinheiro, mas, de acordo com o ex-ministro, “nunca entrou em operação”. Para Pazuello, o aplicativo foi um “protótipo” que não foi distribuído aos médicos, mas copiado por “um cidadão”, o que teria levado à abertura de um boletim de ocorrência.
Apesar do que disse Pazuello, o lançamento do aplicativo foi anunciado no site do Ministério da Saúde, em texto que já foi apagado, e até uma reportagem da TV Brasil foi feita sobre o TrateCOV.
Até segunda-feira (17), o Amazonas era o estado com pior taxa de mortalidade pela Covid-19 no Brasil, 310,2 a cada 100 mil habitantes, de acordo com dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).
