AGU defende no STF inquérito contra chargista que ligou Bolsonaro ao nazismo
Segundo a AGU, a livre manifestação do pensamento é um direito fundamental reconhecido na Constituição, mas não é absoluto
A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (3) em que defende ser contra a ação em que o partido Rede Sustentabilidade questiona instauração de inquérito para investigar o cartunista Renato Aroeira, autor de charge que associa o presidente Jair Bolsonaro ao regime nazista. A ministra Cármen Lúcia é a relatora da ação.
Após a publicação da charge, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, disse em sua conta no Twitter que havia solicitado à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República a abertura de inquérito para investigar a publicação, com fundamento no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional. O dispositivo prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quem caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF.
Segundo a AGU, a livre manifestação do pensamento, em todas as suas formas, é um direito fundamental reconhecido e positivado no texto constitucional. Entretanto, não se pode pretender a absolutização dos direitos fundamentais.
“No caso concreto, por exemplo, temos a própria dignidade da pessoa humana, assim como a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas como balizas para o regular exercício da liberdade de expressão e manifestação do pensamento. A Constituição veda o anonimato, ao mesmo tempo em que assegura ao ofendido o direito à resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”, afirmou.
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A AGU afirmou ainda que eventual abuso da liberdade de expressão e pensamento pode conduzir à responsabilização nas esferas civil e penal. “O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que impliquem ilicitude penal.”
No caso analisado, segundo a AGU, sob o ponto de vista do ministro da Justiça e Segurança Pública, o teor da charge e sua divulgação justificam a instauração de inquérito policial a fim de que possa se esclarecer as circunstâncias que permearam a publicação.
“Sempre lembrando que o inquérito policial caracteriza-se como um procedimento instrumental, de investigação preliminar, presidido pela autoridade policial e que tem por objetivo a colheita de elementos informativos acerca da materialidade e autoria do delito, de modo a embasar a convicção do Ministério Público acerca da deflagração ou não da ação penal”, defendeu.
O advogado-geral da União, José Levi, afirmou que “o inquérito policial caracteriza-se como um procedimento instrumental, de investigação preliminar, presidido pela autoridade policial e que tem por objetivo a colheita de elementos informativos acerca da materialidade e autoria do delito, de modo a embasar a convicção do Ministério Público acerca da deflagração ou não da ação penal”.
“Logo, a ação deve ser considerada incabível, do ponto de vista formal, sob o argumento de que o instrumento processual adequado para impugnar a instauração de inquérito policial é o habeas corpus”, disse.
A charge foi inspirada em manifestação de Bolsonaro, que, no dia 11 de junho, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, disse a seus seguidores que procurassem entrar em hospitais públicos e de campanha para filmar a ocupação de leitos e verificar a aplicação dos recursos direcionados ao combate do coronavírus. Segundo a Rede, em resposta a essa sugestão, foram noticiadas invasões a diversos hospitais do país.
Na ação, a Rede argumenta que, independentemente das razões que levaram o cartunista a relacionar o atual governo ao regime nazista, “suas ideias e associações estão acobertadas pelo manto da livre expressão”. Para o partido, em razão do evidente caráter humorístico da charge, é inconcebível que ela represente lesão ou perigo de lesão a qualquer dos bens jurídicos resguardados pela Lei de Segurança Nacional.