Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Afastamento de Ibaneis travou “efeito dominó” e adesão de governadores recém-eleitos à tentativa de golpe, diz Moraes

    Em entrevista à CNN, ministro do STF avaliou 8 de janeiro um ano após atos criminosos

    Thais ArbexRenata AgostiniJussara Soaresda CNN , Brasília

    Já era madrugada do dia 9 de janeiro de 2023 em Paris, capital da França, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), despachou duas decisões que tinham como objetivo tentar frear o movimento golpista iniciado horas antes em Brasília, com a depredação e destruição da sede dos três Poderes.

    Em 27 páginas, divididas em dois documentos, Moraes determinava o desmonte imediato de acampamentos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em frente a quartéis-generais do Exército em todo país; a prisão em flagrante de seus participantes; e o bloqueio de acesso à capital do Brasil de quaisquer ônibus e caminhões com manifestantes.

    “Naquele momento, era importante evitar o efeito dominó. Havia a possibilidade de demais policiais militares também aderirem ao golpe. Isso não ocorreu. Mas, naquele momento, sem maiores informações, nós não poderíamos permitir essa possibilidade”, disse Moraes à CNN.

    O ministro, então, já sabendo que teria o apoio da maioria dos colegas do Supremo, determinou o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), do cargo por 90 dias e as prisões do então secretário de Segurança Pública do DF e ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do então comandante-geral da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira.

    “Nesse contexto, o afastamento e a prisão do comandante da Polícia Militar do DF foram medidas muito corretas. Ao mesmo tempo, [determinei] o afastamento do governador Ibaneis para evitar que outros governos estaduais aderissem a essa tentativa de golpe”, afirmou Moraes.

    Dias antes, em 1º de janeiro de 2023, ao menos 13 dos 27 governadores que foram empossados tinham declarado apoio a Bolsonaro nas eleições de 2022. O clima, portanto, era de desconfiança entre autoridades dos três Poderes em Brasília.

    O país, confirmando o cenário de polarização, havia saído há dois meses da eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização, em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou ao Palácio do Planalto com apenas 2 milhões de votos a mais do que o então presidente.

    “Essas medidas, juntamente com a determinação de prisão em flagrante de todos aqueles que se encontravam em frente aos quartéis pedindo a volta dos militares, intervenção militar e a volta do AI-5, acabaram estancando qualquer possibilidade de ampliação da tentativa de golpe. Era a demonstração de que o Supremo não iria admitir nenhuma tentativa de golpe.”

    Em tempo recorde, em sessão virtual extraordinária que se encerrou no dia 11 de janeiro, a maioria do plenário do STF referendou as decisões de Moraes —tomadas a partir de pedidos formulados pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Polícia Federal.

    Inação da Polícia Militar do DF

    Foram os filhos de Moraes que lhe mostraram, nas redes sociais, as primeiras imagens do que estava acontecendo em Brasília. Os golpistas já estavam invadindo o Congresso Nacional. Ato contínuo, o magistrado ligou para o ministro da Justiça, Flávio Dino.

    “Eu disse a ele: ‘Flávio, vocês deixaram entrar na Esplanada dos Ministérios? A Polícia deixou entrar?’”, relatou Moraes.

    Invasão do 8 de janeiro em Brasília completa um ano / 8/1/2023 – Reuters/Adriano Machado

    “Naquele momento, também era uma surpresa para o ministro da Justiça. Começamos a trocar informações e ficou claro que a Polícia Militar do Distrito Federal e o próprio governo do Distrito Federal tinham descumprido o que havia sido acertado em ata, fruto de reuniões que os todos órgãos de segurança fizeram na quinta, sexta e sábado [que antecederam o 8 de janeiro]”, lembra o ministro do Supremo.

    A ata a que Moraes se refere é o “Protocolo de ações integradas”, elaborado após uma reunião no dia 6, entre integrantes das forças de segurança do governo federal, do DF, do Congresso Nacional e do Supremo, para planejar a atuação na manifestação convocada para aquele domingo.

    O documento determinava, explicitamente, que era responsabilidade da Polícia Militar do Distrito Federal impedir que os manifestantes utilizassem “objetos, materiais ou substâncias capazes de produzir lesão ou causar dano” e “não permitir o acesso de pessoas e veículos à Praça dos Três Poderes”.

    Moraes diz que, justamente pelo fato de o protocolo prever a proibição do acesso dos manifestantes à Esplanada dos Ministérios, o Supremo Tribunal Federal não teve sua segurança reforçada, com gradis de ferro, como havia acontecido por ocasião dos atos de 07 de Setembro em 2022 e em 2021.

    Segundo o ministro, àquela altura, já era possível identificar a inação da Polícia Militar. Moraes conta que, enquanto os invasores ainda estavam começando a se dirigir para os prédios do Palácio do Planalto e do Supremo, o governo federal acionou novamente o comando policial do Distrito Federal.

    Moraes diz que, além de permitir o ingresso na Esplanada dos Ministérios, o comando da PM demorou a enviar suas tropas especializadas. “Enviaram cadetes que tinham acabado de ingressar na corporação.”

    “Fui secretário de Segurança Pública de São Paulo e que diria para você que não precisaria de cem homens do Batalhão de Choque para dispersar aquilo.”

    Conversa com Lula

    Numa das dezenas de ligações trocadas entre Moraes e Dino, o ministro da Justiça disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava em Araraquara, interior de São Paulo, queria falar com o magistrado —que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

    Moraes lembra que, de pronto, garantiu a Lula que, do ponto de vista jurídico, “era impossível não responsabilizar os invasores”. “Já naquele momento, eu disse ao presidente que todos seriam responsabilizados, aqueles que atuaram dolosamente, seja por ação ou omissão, civis ou militares.”

    A conversa entre Lula e Moraes seguiu, então, sobre qual seria a medida mais adequada a ser empregada para controlar o movimento golpista.

    Havia uma discussão dentro do governo sobre a possibilidade de se empregar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), em que militares passam a ter, provisoriamente, poder de polícia para atuar até que a normalidade seja restabelecida.

    “Eu, particularmente, entendia que não era adequado uma GLO porque aqueles eram manifestantes que estavam há muito tempo acampados nos quartéis, manifestantes que queriam golpe, que queriam atentar contra a democracia e o funcionamento dos Poderes e queriam uma intervenção militar. Não teria como levar a eles, justamente, os militares armados”, afirma Moraes.

    O ministro diz, no entanto, que a decisão foi do Poder Executivo —“do presidente da República, após consultar seus ministros”—, mas que “eu relembrei ao presidente Lula que, na época do presidente Michel Temer, houve intervenção específica no Rio de Janeiro, apenas na área da segurança, e talvez essa fosse uma possibilidade”.

    A sugestão que Moraes fez ao presidente Lula naquele dia acabou, segundo o ministro, se confirmando nas investigações que estão em curso.

    “As investigações mostraram —e várias testemunhas e réus disseram isso— que nos [acampamentos nos] quartéis, inclusive no quartel de Brasília, aconteceram palestras [para os acampados], em que se dizia que eles deveriam invadir os prédios [dos três Poderes] e ficar, principalmente no Congresso Nacional, até que fosse convocada uma GLO e o Exército chegasse. A partir daí, o movimento seria o de fazer com que as Forças Armadas aderissem àquele golpe.”

    Moraes faz questão de dizer, no entanto, que, “justiça seja feita, em nenhum momento, as Forças Armadas, enquanto instituição, flertaram com essa possibilidade”.

    O que houve, na avaliação do ministro, foi o que ele chama de “um envenenamento de setores das Forças Armadas, principalmente por parte de militares da reserva”.

    Punição a civis e militares

    Relator das investigações sobre a investida golpista no Supremo, Moraes diz à CNN que o julgamento do chamado núcleo de executores dos ataques às sedes dos Poderes deve ser finalizado pela Corte até abril.

    Durante este mês de janeiro, durante o recesso do Judiciário, 30 réus desse grupo estão sendo julgados pelo plenário virtual do STF e já estão agendados os julgamentos de mais 12 réus para fevereiro.

    Até agora, 30 pessoas já foram condenadas, com penas que variam de 2 a 17 anos de prisão, por cinco crimes: associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

    Sobre as críticas ao tamanho das penas, Moraes diz: “O problema não é o tamanho das penas, o problema é a quantidade de crimes que eles cometeram”.

    Outros 170 réus desse núcleo ainda aguardam a definição da data do julgamento. As denúncias foram oferecidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

    Embora não estabeleça um prazo para a conclusão das investigações dos outros núcleos —dos financiadores, divulgadores e autoridades civis e militares—, Moraes diz ser importante que o trabalho seja finalizado “o mais rápido possível”.

    Questionado, especificamente, se as investigações já chegaram a Bolsonaro e se o ex-presidente será preso, Moraes afirma: “Como presidente do inquérito e relator, não posso fazer conjecturas. A partir do momento que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apresentarem pedidos, provas e acusações, é que vou analisar”.

    Ele diz, no entanto: “Todos aqueles que participaram, seja por ação ou omissão, civil ou militares, da reserva ou da ativa, serão responsabilizados, porque não é possível se permitir que alguém pretenda, depois de 35 anos da volta da democracia no Brasil, da redemocratização, a volta do Estado de arbítrio, defender o AI-5, defender a volta da tortura, da perseguição de inimigos políticos, fim da liberdade de imprensa, fim da independência do Poder Judiciário”.

    Tópicos