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    Em clima de urgência ambiental, artistas brasileiros fazem alertas em obras

    Artistas como Thiago Mundano, Eduardo Kobra, Gabriela Carneiro e Eduardo Srur chamam a atenção para os problemas ambientais do país

    Thiago Mundano fez no centro de São Paulo uma releitura da tela “O Lavrador de Café”, de Candido Portinari
    Thiago Mundano fez no centro de São Paulo uma releitura da tela “O Lavrador de Café”, de Candido Portinari Divulgação

    Edison Veigacolaboração para a CNN

    De paredão no centro de São Paulo à turnê europeia, vozes brasileiras se somam na defesa da natureza. Assim como o multiartista polaco-brasileiro Frans Krajcberg (1921-2017) fez ao longo de sua vida — denunciando queimadas e desmatamento, criticando o extrativismo mineral e emprestando sua arte para a defesa das tartarugas —, uma geração de inventivos artistas brasileiros contemporâneos escancara a problemática ambiental para o público em geral.

    Thiago Mundano, que se autodenomina “artivista”, é um desses expoentes. Em outubro, ele chamou a atenção por fazer, no centro de São Paulo, uma gigante releitura da tela “O Lavrador de Café”, de Candido Portinari (1903-1962). Utilizando cinzas de queimadas florestais como matéria-prima para sua tinta, ele refez o famoso quadro substituindo o agricultor por um brigadista florestal voluntário, desses tantos que atuam para atenuar os impactos dos incêndios que destroem os biomas brasileiros.

    “É uma arte necessária aos desafios globais que a gente tem, a emergência climática e a todo esse discurso que chega aí na COP, principalmente porque ele fica apenas em um discurso e o problema é gigantesco”, afirmava a respeito da repercussão do trabalho, às vésperas da 26ª edição da Conferência Mundial do Clima, a COP26, em Glasgow, na Escócia.

    Mundano afirma que o Brasil vive um “desmonte ambiental” e que o setor “nunca foi foco de proteção” de governo algum. “Regredimos décadas de progresso na legislação ambiental. Estamos falando de vidas, de falta de água, de pobreza sem fim. Não dá para ficar em silêncio”, comenta.

    Para realizar seu mais recente trabalho, o “artivista” realizou uma longa expedição de 10 mil quilômetros por Amazônia, Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica. E coletou cinzas resultantes de incêndios florestais. “Vi o tamanho do agronegócio, o tamanho da destruição”, afirma. “E me senti pequeno perante o tamanho dessa destruição.”

    Para obter o material, não raras vezes entrou em propriedades privadas. Tudo para conseguir o que ele batizou de “floresta em pó”.

    Não é sua primeira incursão pela temática ambiental. No ano passado, o artista usou a lama tóxica do acidente ocorrido na barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, para fazer um painel com a releitura de “Operários”, quadro da modernista Tarsila do Amaral (1886-1973).

    Eduardo Kobra e o Greenpincel

    Historicamente ligado a temas ambientais, o mundialmente conhecido muralista brasileiro Eduardo Kobra também pretende abordar Brumadinho. Ele conta que já tinha a tragédia do município mineiro em seu radar criativo e confirmou a decisão depois de uma recente enquete feita em suas redes sociais resultar em diversos pedidos a respeito do tema.

    O artista tem uma série de produções focadas no meio ambiente, batizada de Greenpincel, na qual denunciou problemas que vão da poluição dos rios ao aquecimento global, passando por incêndios florestais, pesca predatória e violência contra animais.

    No início do ano, auge da pandemia de Covid-19 no Brasil, decidiu pintar em um cilindro de oxigênio inativado. A peça, símbolo dos tratamentos hospitalares contra a doença, foi transformada em uma redoma, contendo no interior a imagem de uma pequena árvore.

    “Respirar”, nome da obra, falava tanto sobre o drama dos doentes quanto sobre a floresta amazônica — a obra foi vendida, e o valor arrecadado serviu para a compra de duas usinas de produção de oxigênio para atender a hospitais da região de Manaus.

    É uma toada que ele pretende continuar. “Tenho em mente outro projeto, que estou criando, sobre queimadas florestais. Vou utilizar os recursos angariados com a própria obra para ajudar instituições que trabalham com proteção aos animais”, conta Kobra.

    “Cuidar do planeta é cuidar dos nossos filhos, do bem-estar de todos. Sempre tive essa inspiração e quero seguir pintando como forma de conscientizar”, diz o artista. “Se uma pessoa puder perceber as mensagens que foram colocadas nas obras e, com isso, mudar seus hábitos, meu objetivo está sendo alcançado.”

    Exibições na Europa

    Se os números mostram desmatamento e incêndios florestais recordes no Brasil, os participantes da COP26 no Reino Unido, vão poder ver as belezas — cada vez mais raras — da floresta amazônica. Isto porque foi inaugurada em outubro em Londres uma mostra de Sebastião Salgado, resultado de cerca de 50 viagens que ele fez ao bioma, entre 2003 e 2019.

    Quem vê as 200 imagens sai convencido: o Brasil guarda, na verdade, um verdadeiro paraíso terrestre. A opção do fotógrafo foi mostrar o que ainda há. Em suas imagens não estão cenas de destruição nem desmatamento. Ele retratou a natureza intocada pelo homem.

    A obra de Salgado traz um lembrete: ainda há tempo de salvar a Amazônia. Depois de Londres, a ideia é que a mostra seja trazida ao Brasil no segundo semestre do ano que vem — sim, justamente às vésperas da eleição presidencial, quando o tema do meio ambiente deve ser um dos pontos bastante discutidos.

    Neste semestre, a atriz e dramaturga brasileira Gabriela Carneiro da Cunha levou para a Europa a performance “Altamira 2042”. Em seis países, ela apresentou sua leitura artística sobre o ocorrido no Xingu, no Pará, com a construção da usina de Belo Monte.

    De acordo com ela, o espetáculo é resultado do “testemunho de rios brasileiros que vivem uma experiência de catástrofe”.

    “Obviamente as pessoas já estão acordadas para a catástrofe ambiental em curso, estão com os olhos voltados para o Brasil”, diz Gabriela.

    “O Brasil e não só o país que abriga a maior floresta tropical do mundo mas também uma das maiores democracias do mundo. Ambas, a antiga floresta e a jovem democracia, estão ameaçadas neste momento a atingir o ponto de não retorno”, afirma. “Como artista, estou engajada na manutenção da vida.”

     

    Intervenções em rios poluídos 

    Conhecido por grandes intervenções urbanas, sobretudo em São Paulo, o artista Eduardo Srur diz que o engajamento ambiental dele ocorreu “de forma orgânica” ao longo da carreira, espelhando, na realidade, a maneira como o tema se tornou urgente.

    “Meu ateliê fica na frente do rio Pinheiros, um dos mais poluídos. Eu tenho uma relação muito forte com a água e a natureza e passei a ficar muito impactado com isso”, relata.

    Em 2006, ele decidiu espalhar caiaques pelo fétido curso d´água paulistano. “Depois vieram outras intervenções que lidam com essa questão do distúrbio que a sociedade tem em relação à paisagem e aos recursos naturais.”

    Srur também instalou garrafas PETs gigantes no rio Tietê, o maior do território paulista, fez um labirinto com paredes de lixo no parque Villa-Lobos, na zona oeste de São Paulo, criou um aquário só com detritos submarinos em Guarujá, no litoral do estado, entre outras experiências, sempre chocantes e impactantes.

    “O artista tem de ser uma voz na sociedade, usar o próprio trabalho para propor mudanças e fazer provocações”, argumenta. “Quero tirar o público e a sociedade da anestesia, fazer com que todos pensem sobre tais problemas.”

    O artista acredita que o fato de ele ser brasileiro permite um “potencial” que parte da “incompetência da gestão pública em preservar os recursos naturais”. Mas, ressalta, sua arte não é regionalista. “Qualquer artista do mundo poderia tratar dessas questões, que são globais. O que ocorre é que o Brasil tem sido um péssimo exemplo a ser seguido no meio ambiente.”

    Para 2022, ele planeja três grandes intervenções ligadas à preservação dos animais.