Volta do Manto Tupinambá: Veja onde estão outras relíquias brasileiras espalhadas pelo mundo
Peças de vários povos indígenas estão expostas em museus fora do Brasil e fazem parte de coleções privadas
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Manto Tupinambá estava no Museu Nacional da Dinamarca e será devolvido ao Brasil • Museu Nacional da Dinamarca
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Ídolo (estatueta em ardósia) da região dos rios Nhamundá e Trombetas, na divisa do Pará com o Amazonas, enviado ao Museu Etnográfico de Gotemborg, na Suécia, no início do século XX pelo antropólogo Curt Nimuendaju • DeAgostini/Getty Images
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Urna funerária antropomórfica da ilha do Marajó, no delta do rio Amazonas • Werner Forman/Universal Images Group/Getty Images
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Máscara com penas do povo Tapirpé, do Mato Grosso, exposta no Hessian State Museum, em Wiesbaden, na Alemanha • Andreas Arnold/picture alliance via Getty Images
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Ornamento para os lábios com conchas, couro e pêlos do povo Bororó, do Mato Grosso do Sul, que está no Museu Pré-Histórico Etnográfico Pigorni, em Roma • DeAgostini/Getty Images
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Escudo feito de casco de tatu do povo Bororó, do Mato Grosso do Sul, que está no Museu Pré-Histórico Etnográfico Pigorni, em Roma • DeAgostini/Getty Images
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Cinto ou colar feito de dentes de macaco do povo Bororó, do Mato Grosso do Sul, que está no Museu Pré-Histórico Etnográfico Pigorni, em Roma • DeAgostini/Getty Images
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Tanga de algodão decorada com contas e dentes humanos do povo Munduruku, da Amazônia, que está no Museu Pré-Histórico Etnográfico Pigorni, em Roma • DeAgostini/Getty Images
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Urna funerária antropomórfica da ilha do Marajó, no delta do rio Amazonas, feita de cerâmica; pertence a uma coleção privada • Werner Forman/Universal Images Group via Getty Images
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Três figuras femininas feitas de argila pelo povo Carajá, da Amazônia, que estão no British Museum, em Londres • CM Dixon/Heritage Images/Getty Images
Em junho, o Museu Nacional da Dinamarca informou que irá devolver para o Brasil um manto Tupinambá levado para o país no período colonial, durante a ocupação holandesa no século 17.
A peça, com plumagem avermelhada, está no acervo do museu dinamarquês há mais de 300 anos.
O manto era utilizado em rituais religiosos importantes e outras cerimônias indígenas. Ele representa uma parte da cultura material e das tradições artesanais do povo Tupinambá.
O processo de repatriação do manto jogou luz na discussão sobre as inúmeras relíquias etnológicas — muitas vezes indígenas — que foram levadas para o exterior e seguem fora do Brasil, expostas em museus ou integrando coleções de arte privadas. Veja algumas acima.
Especialistas na área ouvidas pela CNN defendem que a repatriação não acontece sem que um conjunto de outras ações a acompanhem. A proposta é manter vivo o legado imaterial dos povos que produziram os artefatos, usando as peças como ponto de partida para o desenvolvimento de políticas públicas.
“Não adianta trazer para o Brasil e isso ficar num lugar que a gente não tem acesso, que não tem políticas, onde não vai ser discutido nada. Não é somente trazer de volta, e sim questionar como essas instituições podem organizar uma forma de reparação histórica para essas comunidades, para as populações indígenas do Brasil”, afirma Sandra Benites, curadora indígena Guarani Nhandeva e diretora da Fundação Nacional de Artes (Funarte).
“É necessário que se discuta sobre isso, que se crie um debate maior. Não é um debate de apenas uma comunidade, porque isso envolve a identidade, a cultura e a história brasileira.”
Benites defende que os indígenas deveriam ter acesso garantido às peças devolvidas ao Brasil, uma vez que elas foram produzidas por eles.
“Quando a gente tem vontade ou desejo de buscar, nós encontramos inúmeras dificuldades de acesso sobre elas. Às vezes, por cansaço, a gente desiste. Tem que se criar políticas para que os indígenas tenham acesso a esses artefatos”, defende.
Como esses objetos foram parar fora do Brasil?
A artista e pesquisadora independente Anita Ekman, com quem Benites colaborou no projeto Ore ypy rã-Tempo de Origem — que mapeou artefatos indígenas espalhados pelos Estados Unidos e Europa —, explica que a retirada dessas obras de arte do Brasil está estritamente ligada com a origem das expedições naturalistas científicas, no século 19.
“Essas coleções estão absolutamente ligadas com a origem da ciência e vão dar base para criar um imaginário ao redor do mundo sobre o que é a floresta e o que são os seus povos, o que são os povos indígenas”, diz a artista.
A ideia na época era coletar dados e materiais científicos para tentar compreender o mundo estudando materiais biológicos, minerais, etnológicos, arqueológicos, etc. Ekman defende ainda que a retirada das peças estava estritamente ligada a um racismo científico.
“No século XIX, estavam acontecendo discussões em relação ao que é a natureza, as raças, como se pode justificar a superioridade e a escravidão”, explicou.
Cuidar das peças como uma mãe
Para mudar esse olhar, Ekman e Benites defendem uma mudança do termo repatriação, para “rematriação”.
Além de valorizar o fato de que, muitas vezes, essas obras foram produzidas por mulheres indígenas, a alteração viria para aprofundar o significado e não passar a régua reduzindo a questão a uma mera troca de peças etnológicas entre pátrias.
“A gente está falando em pensar a ‘rematriação’ como uma mãe cuidando seu filho. É algo que tem a ver com cuidar para o mundo, não só cuidar para si mesmo”, explica Ekman.
A artista pede que a gente reverta a lógica colonial que levou os artefatos para fora do país, já que os objetos que hoje estão em museus de Harvard a Lisboa foram retirados dos povos sem consultá-los.
“É necessário nesse momento a gente criar um diálogo entre as diversas instituições que estão com a guarda desses objetos. Não é [um diálogo] focado no objeto, é como a gente tem que fazer circular, movimentar a história desses objetos.”
A gente precisa compreender que não é só repatriar as coisas, o que seria importante, mas é dar condições para museus locais, como o Museu do Marajó e as comunidades ceramistas do Marajó trabalharem com esse material, fazer a salvaguarda do patrimônio imaterial e a proteção do seu território, dos próprios sítios arqueológicos desse lugar que continuam sendo destruídos e saqueados.
Anita Ekman
Negociações sobre o manto

As negociações para a devolução do manto ao Brasil envolveram o trabalho da embaixada brasileira em Copenhague, do Museu Nacional do Rio de Janeiro e do Museu Nacional da Dinamarca.
“O patrimônio cultural desempenha um papel decisivo nas narrativas das nações sobre si mesmas e na autocompreensão das pessoas. É assim no mundo todo e por isso é importante para nos ajudar na reconstrução do Museu Nacional brasileiro após o incêndio devastador de alguns anos atrás”, afirmou Rane Willerslev, diretor do Museu Nacional da Dinamarca.
“A doação deste importantíssimo objeto cultural brasileiro, que significa tanto para tantas pessoas, é até agora a contribuição mais significativa para a nova exposição do primeiro museu do Brasil. Vamos homenageá-lo, valorizá-lo e torná-lo acessível aos povos indígenas”, disse Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional.
Em uma nota conjunta, os Ministérios das Relações Exteriores, da Cultura, da Educação e dos Povos Indígenas agradeceram a devolução do item.
“O Governo brasileiro felicita e agradece o Governo dinamarquês e o Museu Nacional da Dinamarca pela aprovação da doação, que tem grande valor físico, cultural e espiritual para os povos originários brasileiros e, especialmente, para os Tupinambá e contribuirá para o resgate da história e da cultura dos povos indígenas nacionais.”
Com informações de Gabriel Ferneda