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    Um ano após operação com 28 mortos, quatro policiais foram denunciados no Rio

    Ministério Público identificou suspeitas de três execuções e aponta que dois inocentes foram atingidos pelos confrontos

    Pauline Almeidada CNN , no Rio de Janeiro

    A operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, que deixou 28 mortos na comunidade do Jacarezinho, completa um ano nesta sexta-feira (6). No período da tarde, moradores vão fazer uma marcha para lembrar a data.

    Dos 13 inquéritos abertos pelo Ministério Público para investigar a ação, dez foram arquivados e três renderam denúncias, duas delas contra quatro policiais civis. Já dois traficantes são acusados da morte do policial civil André Frias, com um tiro na cabeça.

    A última das denúncias foi feita à Justiça nesta quinta-feira (4), contra dois policiais civis que teriam encurralado e matado a tiros Richard Gabriel da Silva Ferreira e Isaac Pinheiro de Oliveira. Os agentes também devem responder por fraude processual e por forjarem a cena do crime.

    Segundo a Promotoria, que pede o afastamento de ambos das funções públicas, na delegacia, eles comunicaram falsamente o recolhimento de duas pistolas, dois carregadores e uma granada com as vítimas.

    “Os elementos indicam que ali não havia confronto, aquelas pessoas não estavam armadas e houve sim uma execução, na nossa opinião, pelo que nós apuramos”, declarou à CNN o promotor André Luis Cardoso.

    Em outubro do ano passado, a Justiça já havia aceitado a denúncia contra dois policiais, um deles acusado da morte de Omar Pereira da Silva, que já estaria ferido e dominado quando foi assassinado. O segundo agente de segurança é acusado de fraude processual.

    Segundo o promotor André Luis Cardoso, as três vítimas teriam envolvimento com o tráfico de drogas, assim como boa parte dos demais mortos. Entre os dez inquéritos arquivados, dois dizem respeito a cenas envolvendo 13 homens, onde o MP identificou indícios de confronto e de legítima defesa dos policiais.

    Além disso, Cardoso aponta a morte de dois inocentes. “É importante dizer isso, até para as famílias ficarem sabendo, da vítima Matheus [Gomes dos Santos] e no caso da vítima Carlos Ivan, elas foram vítimas de um efeito colateral porque não estavam no confronto, eram moradores da comunidade, não participavam do tráfico de drogas e foram pegos no fogo cruzado”, declarou.

    O Ministério Público afirma que seguiu os entendimentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal ao determinar perícias independentes, feitas em São Paulo.

    “O que consta nos laudos corrobora o depoimento dos policiais. Não houve nenhum tiro à queima roupa. Não se constatou resíduo de pólvora nessas vestes, também não havia mistura de DNA. E também não havia esgarçamento das roupas. O único fato que chamou a atenção foi o caso do Omar, a roupa do Omar estava rasgada”, colocou.

    O promotor colocou que não foram identificadas evidências que indicassem outros casos de possíveis execuções, mas lembrou que a investigação enfrentou dificuldades, como a falta de testemunhas e a impossibilidade da perícia adequada nas cenas. Caso novas provas apareçam, as apurações podem ser reabertas dentro de um período de até 20 anos.

    Operação é vista como fracasso por MP e Defensoria

    Coordenador da força-tarefa montada pelo Ministério Público para investigar as mortes na operação, Cardoso afirma que não pode avaliar a atuação das forças de segurança pública no Rio de Janeiro. “Eu não sou promotor de política pública, a minha atribuição aqui é criminal”, disse. No entanto, avalia que uma operação que termina com 28 pessoas mortas não pode ser considerada um sucesso.

    A Defensoria Pública, que acompanhou toda a investigação e deu apoio aos moradores, acredita que a força-tarefa trouxe avanços.

    “Nós desejávamos que houvesse mais passos à frente, mas nós tivemos, por exemplo, a atuação fundamental na abertura e desenvolvimento dos procedimentos autônomos e tivemos também conclusões importantes em relação às vítimas, que confirmaram que não eram traficantes, contradizendo e refutando a versão inicial da polícia de que todos eram traficantes criminosos, até para estabelecer a honra e romper com a criminalização da vítima quando ela é negra, pobre e das favelas e subúrbios”, declarou o defensor Fábio Amado.

    Os 28 mortos no Jacarezinho chamaram a atenção para a letalidade policial no Rio de Janeiro, tema de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Em fevereiro deste ano, a Corte determinou que o governo apresentasse um plano para reduzir as mortes em operações, entregue em julho.

    “Uma operação que resulta em quase 30 mortes é fracassada. Todos nós queremos uma polícia bem remunerada, bem treinada, equipada e que respeite a Constituição e todas as normas e decretos que o Brasil assinou”, defendeu Amado.

    Um relatório do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) aponta que o ocorrido no Jacarezinho não é um fato isolado. Segundo os pesquisadores, entre 2007 e 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio, sendo que 593 terminaram em chacinas (ações com mais de três mortos), com um total de 2.374 mortos, 41% do total de óbitos em ações policiais no período.

    O Jacarezinho é o bairro com maior número de mortos, sendo que, segundo o estudo, a cada dez operações realizadas no local, ocorrem sete mortes.

    A CNN buscou a Polícia Civil para pedir um posicionamento sobre a operação e os resultados das investigações, mas ainda aguarda retorno.

    A atuação da polícia hoje no Jacarezinho

    Em janeiro deste ano, a comunidade do Jacarezinho foi a primeira a receber o novo programa do governo do Rio de Janeiro, batizado de Cidade Integrada. Após uma ocupação pelas forças de segurança, a promessa era de que as ações se estendessem para áreas como educação, saúde e cultura.

    Nesta semana, o Cidade Integrada completou 100 dias no Jacarezinho, com críticas de moradores e entidades de direitos humanos. Criado na comunidade, o advogado Joel Luiz Costa coordena o Instituto de Defesa da População Negra, que junto com outras instituições produz um estudo sobre o impacto do programa.

    “Não veio nada do prometido: obras, saneamento, obra de drenagem do rio Jacaré, mas policiamento ostensivo foi o que mais aconteceu”, declarou. Segundo Costa, casos de invasões de casas por agentes de segurança ainda têm sido relatados.

    Até o momento, a pesquisa em andamento pelas instituições entrevistou 134 pessoas, sendo que 61 delas afirmaram que já tiveram sua casa ou de um parente invadida sem mandado judicial, 39 afirmaram ter visto ou conhecimento de uma invasão da casa de um vizinho e 28 relataram que tiveram objetos furtados ou danificados pelos policiais.

    “É preciso entender que favela não é causa, mas consequência da desigualdade social. Não vai ser o confronto bélico, o caveirão, o caveirão aéreo que vai conseguir combater o comércio varejista de drogas, precisa de uma política muito mais plural. Uma política que coloca em risco a vida de moradores de agentes do estado, ela é exitosa?”, questiona Joel Luiz Costa.

    Em relação às denúncias dos moradores, o governo do Estado informou que instalou um posto avançado da Corregedoria Geral da Polícia Militar na escola de samba do bairro. A unidade recebeu mais de 30 relatos e abriu procedimentos apuratórios.

    O governo do Rio de Janeiro questiona as falas e defende os benefícios do programa, que envolve 40 secretarias e órgãos, segundo a administração, com cursos regulares e profissionalizantes, reformas em equipamentos públicos, limpeza de rios, projetos na área de habitação, linhas de crédito, esporte, lazer, ações sociais e outros serviços.

    O Estado também divulgou que um dos eixos do Cidade Integrada é o diálogo, com rodas de conversas semanais com lideranças comunitárias, abertas a todos os moradores e entidades da sociedade civil.

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