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    Quilombos, espaços de resistência: Você sabe o que é o quilombismo?

    “Os quilombos são uma das primeiras experiências de liberdade das Américas”, Abdias do Nascimento

    Letícia Vidica

    Eu sempre gostei das aulas de História nos tempos de colégio. Inclusive, antes de considerar o jornalismo, cheguei a pensar em fazer História. Mas eu queria saber mais sobre a História do Brasil. Isso porque uma das aulas que mais me incomodavam eram as que falavam sobre escravidão. A tese apresentada pelos professores sobre o período escravocrata era simplista demais: “os negros vieram da África, viraram escravos aqui, sofreram, foram maltratados, princesa Isabel foi lá e assinou a Lei Áurea, aboliu a escravidão e FIM”. Fim?! Nunca engoli a teoria simplista (e racista) de que os negros aceitaram tudo de cabeça baixa. Não teve resistência? É verdade esse bilhete?!

    No ano passado, durante uma visita ao Quilombo do Cafundó, localizado no interior paulista, tive uma conversa transformadora com Solange Barbosa, criadora da Rota da Liberdade que leva turistas para conhecer as comunidades quilombolas. Anos depois das minhas indagações nas aulas de História, tive a resposta que sempre quis ter (e já sabia): os negros escravizados resistiram e muito. E os quilombos foram os grandes locais de resistência do povo negro, que se uniram para resistir a escravidão, transformar as relações escravistas e sair da condição de coadjuvante e ser protagonista neste processo histórico.

    “Quilombo” significa acampamento de resistência. É uma palavra de origem do idioma kimbundo, uma língua africana do povo Bantu, falada pelos povos que viviam na região onde hoje é Angola. Aqui no Brasil, quilombos e mocambos foram agrupamentos de negros que resistiram à escravidão por meio da fuga e criaram um ambiente comunitário de sobrevivência próprio. O Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi, é o mais conhecido deles e durou mais de 100 anos.

    Sim, o povo negro escravizado no Brasil teve, sim, que resistir e muito para poder existir e sobreviver. O ex-senador e ativista da luta negra brasileira, Abdias do Nascimento, bem definiu: Os quilombos são uma das primeiras experiências de liberdade das Américas”Nascimento também foi o responsável por dar luz ao nome desse movimento: quilombismo. Para ele, o quilombismo é um legado e uma proposta de mobilização política da população afrodescendente nas Américas com base na sua própria experiência histórica e cultural. Uma alternativa político-social de combate ao racismo e de construção de uma nova sociedade inspirada na experiência histórica dos quilombos brasileiros, dizia ele.

    Resistência é o ingrediente principal que corre nas veias do povo negro brasileiro. Se estamos aqui hoje, é porque muitos dos nossos antepassados travaram muitas lutas e revoltas para chegarmos até aqui. Resistência que tiveram de ter os malês, o povo da balaiada e da conjuração baiana – só algumas das revoltas que escravizados travaram nos séculos de escravismo.

    Apesar da explicação simplista da sala de aula, a memória viva dessa história segue. Mas, somente agora (muitos anos depois) conhecemos pela primeira vez quantos são e onde estão os quilombolas que vivem no Brasil – 35 anos depois da Constituição Federal reconhecer o direito à propriedade coletiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos: 1,3 milhão de quilombolas vivem em mais de 1696 municípios brasileiros. Após anos de certa “invisibilidade”, as pessoas que vivem nessas comunidades aparecem nas estatísticas e nos ajudam a ratificar a história de resistência do povo negro.

    “Cada cabeça é um quilombo”, dizia Abdias do Nascimento. Por isso, aquilombar-se é assumir uma posição de resistência. E, para resistir ao racismo e sairmos do alvo das balas que nos matam todos os dias, é preciso resistir e aquilombar-se.

    Veja mais: Quilombo é resistência e organização; e por isso incomoda

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