Preso em SP, apontado como o maior traficante de pessoas do mundo fala à CNN
Bengalês Saifullah Al Mamun foi preso com mais 10 pessoas, no bairro do Brás, centro de São Paulo, em uma operação da Polícia Federal
Apontado por autoridades norte-americanas e brasileiras como o maior contrabandista de pessoas do mundo, o bengalês Saifullah Al Mamun, 34 anos, aceitou dar uma entrevista exclusiva à CNN. Em outubro de 2019, ele foi preso com mais 10 pessoas, no bairro do Brás, centro de São Paulo, em uma operação da Polícia Federal.
Hoje, cumpre prisão preventiva na Penitenciária Cabo PM Marcelo Pires da Silva, em Itaí (SP), enquanto aguarda o julgamento de seu processo e uma possível extradição para os Estados Unidos. Ele alega ser inocente.
Al Mammun vive no Brasil há 10 anos e, falando um português quase fluente, afirma não ter nenhuma relação com os crimes que são investigados pelo Ministério Público Federal de São Paulo. Garante ser apenas um dono de agência de turismo.
“Eu ajudava meus conterrâneos, só isso. Mas eu não era traficante, uma pessoa da máfia, uma pessoa de maldade. Meu processo não tem uma declaração, não tem uma vítima, não tem violência. Se tem uma coisa que eu errei… eu vendia passagem”, diz o preso.
Porém, para a Polícia Federal, não há dúvidas de que ele liderou uma organização criminosa voltada ao comércio de imigrantes ilegais, na região central de São Paulo.
As investigações apontam que Saifullah usava uma empresa de turismo para camuflar o esquema criminoso, trazendo imigrantes, a maioria de Bangladesh. Essas pessoas desembarcavam no Brasil até que a rota de viagem para os Estados Unidos de forma ilegal fosse planejada com apoio de coiotes atravessadores.
“Nós detectamos, primeiramente, um volume muito atípico de estrangeiros oriundos do sul da Ásia entrando em São Paulo pelo aeroporto de Guarulhos. A partir dessa constatação, nós procedemos ao intercâmbio de informações com a polícia norte-americana, justamente, porque já havia suspeita que esses imigrantes estariam utilizando o Brasil como rota para a migração ilegal para os Estados Unidos. A partir dessas informações, as autoridades norte-americanas constataram em entrevistas com imigrantes Ilegais nos Estados Unidos que realmente muitos deles haviam contratado uma organização criminosa, sediada em São Paulo, para promover sua imigração ilegal para o Estados Unidos”, explica o delegado da Polícia Federal, Milton Fornazari.
De acordo com o serviço de imigração americano, era Al Mamun quem organizava a travessia que contava também com o apoio do advogado brasileiro, Henrique Gonçalves Liotti, e de coiotes que atuam nas fronteiras dos países da América Latina e do México.
Fornazari conta que, em alguns casos, eles falsificavam documentos de imigração, como cartas de tripulantes marítimos, para que essas pessoas pudessem entrar no Brasil sem levantar suspeitas.
“Em outros casos, eles solicitavam refúgio aqui no Brasil, em São Paulo, no aeroporto, alegando falsamente uma perseguição política que nem existia. Eles contavam com advogados que os auxiliavam nessa recepção dos migrantes Ilegais aqui em aeroporto. A partir daí, eles ficavam como imigrantes em residências, no bairro do Brás, onde a organização criminosa se estabeleceu. Ficavam alguns dias até que toda a questão da logística fosse organizada pela organização criminosa”, diz.
Em uma segunda etapa, essas pessoas eram enviadas de São Paulo ao Acre, atravessavam a fronteira com o Peru e iniciavam uma rota em condições degradantes até a fronteira do México com os Estados Unidos.
O pior trecho dessa viagem clandestina seria na fronteira entre a Colômbia e Panamá, a selva fechada de Dárien. Uma região cheia de cobras, escorpiões e outros animais peçonhentos, além da presença de narcotraficantes.
“Muito dos imigrantes morriam ali ou eram abandonados pelos coiotes contratados ou associados a organização criminosa investigada. Há relatos dramáticos de imigrantes que viram crianças mortas, muitos corpos pelo caminho. E depois que as pessoas sobreviviam a essa rota, muitos deles eram assaltados. Quando eles chegam ao México, havia uma epidemia de sequestros desses imigrantes, aí as famílias precisam pagar mais valores para esses sequestradores. Então, eles sofreram todo o tipo de violência”, diz o delegado.
Em uma das interceptações do inquérito policial a que a CNN teve acesso, Saifullah fala com o advogado brasileiro, que também foi preso, mas aguarda o julgamento em liberdade. Segundo os investigadores, no diálogo, eles estariam falando dos lucros que teriam com a imigração ilegal.
SAIFULLAH AL MAMUN, acusado de tráfico de pessoas
– A gente tem conseguido um negócio bom, então, por que a gente não ganha? A gente não tá roubando ninguém, amigo.
HENRIQUE GONÇALVES LIOTTI, advogado preso
– A gente vai ganhar dinheiro, você vai ver. Essas três (pessoas) primeiras vão ser só o começo. Depois vai ser uma atrás da outra.
SAIFULLAH AL MAMUN, acusado de tráfico de pessoas
– Isso, já tem 10, pode fazer andamento, mais fácil processo, pode fazer isso, 10?
HENRIQUE GONÇALVES LIOTTI, advogado preso
– Posso fazer. Vamos fazer. Vamos acabar essas três agora e a gente faz as outras 10.
SAIFULLAH AL MAMUN, acusado de tráfico de pessoas
– Amanhã você sobe o pagamento de 400, e você já finaliza vistos, né, já?
HENRIQUE GONÇALVES LIOTTI, advogado preso
– Exatamente. Amanhã vou subir o de 400 e vou finalizar, colocar stickers nos passaportes e te chamo pra gente se encontrar.
Em outra conversa, o bengalês e o advogado discutem sobre o transporte de menores de idade:
HENRIQUE GONÇALVES LIOTTI, advogado preso
-Tenta evitar de pegar menor. Pra não trazer menor pra cá.
SAIFULLAH AL MAMUN, acusado de tráfico de pessoas
– Nem sabia, eu vi agora…
HENRIQUE GONÇALVES LIOTTI, advogado preso
– É tão automático que também passa por mim. Ontem tomei um susto, né? Nossa, mas ele é menor? Aí depois eu olhei o passaporte e falei (…) é menor de idade.
SAIFULLAH AL MAMUN, acusado de tráfico de pessoas
– Mas você podia falar pra mim, se eu sabia eu nem tirava ele daqui, eu podia mandar ele na Bolívia.
De acordo com a Polícia Federal, cerca 200 imigrantes foram vítimas da organização criminosa, que chegou a receber entre R$ 3 milhões a R$ 5 milhões.
A defesa de Saifullah contesta a versão da polícia. O advogado Ronaldo Vaz afirma que as autoridades não conseguiram comprovar a movimentação financeira e diz que seu cliente pode até ter esbarrado na legislação de imigração, mas que ele não responde por crime de tráfico de pessoas.
“O tráfico de seres humanos é um crime cruel, desumano que não respeita as vontades das pessoas que não respeita seu direito de ir e vir. Saifullah não promoveu esse tipo de coisa, Saifullah não tratou as pessoas dessa forma. O tipo penal qual Saifullah é processado no Brasil é a promoção ilegal de imigração. É uma coisa totalmente diferente do tráfico de seres humanos, diz.
Enquanto o caso não é julgado, Saifullah permanece no presídio que abriga boa parte de estrangeiros que cometeram crimes no Brasil. Paraplégico, desde 2001, quando tomou um tiro em um assalto, Al Mamun quer responder o processo em liberdade.
“Ele é um paraplégico com dificuldades inclusive para evacuar. Ele tem dificuldades para dormir, ele tem inúmeras dificuldades”, justifica Vaz.
Além do processo no Brasil, o preso tenta se defender também de um pedido de extradição feito pelas autoridades americanas.
“Pela minha saúde, eu acredito que não ter extradição. Porque pela minha saúde, eu casado com mulher brasileira, tendo filha brasileira e agora também coronavírus, eu acredito que a senhora minha relatora não vai aceitar isso. Eu acredito isso”, disse Saifullhah.
Defesa do advogado brasileiro
Os advogados Vanderlei Wikianovski e Ricardo Martins, responsáveis pela defesa de Henrique Gonçalves Liotti, resumem o caso como tentativas de criminalização da advocacia. Veja a nota:
“No caso em comento é importante salientar que a acusação que lhe é imputada se deu em razão do exercício legal de sua profissão, regulamentada pela lei 8.906/94. E sendo assim, em atuação profissional, sendo seus atos e manifestações são invioláveis (lei 8.906/94, art.1º, §3º), bem como o direito de não ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado (lei 8.906/94, art.7º, V).
O advogado, ainda que se sente ao lado do réu, jamais deve ser confundido com ele, vez que o advogado não só está para a defesa do acusado, e sim para a manutenção do Estado Democrático de Direito, à defesa da Constituição Federal e da administração da justiça.
No cenário brasileiro atual, tem se asseverado a tentativa de criminalização da advocacia, em especial a criminal, pois muitas são as notícias de violações de prerrogativas de advogados, prerrogativas estas que somente existem para defesa do cidadão e não para beneplácito do advogado, pois o defensor que teme ser processado, preso e apenado, de certo não poderá exercer com liberdade o direito de seu constituinte nos fazendo caminhar para um Estado de exceção com graves violações de direitos humanos”.