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    Por que suspeitos presos pela polícia podem ser colocados em liberdade

    Especialistas explicam que a pena de prisão não é prevista por lei em todos os tipos de crime

    Bruno LaforéDuda Cambraiada CNN , São Paulo

    A escalada da criminalidade nas maiores cidades do país está no centro da discussão pública após episódios de violência ganharem repercussão em São Paulo e no Rio de Janeiro.

    Em parte dos casos, os suspeitos passaram a responder em liberdade pelos crimes cometidos.

    O presidente da União Comercial de São Paulo, Joseph Riachi, conversou recentemente com a CNN sobre a criminalidade no centro da cidade: “Quando prende, no outro dia solta”, lamenta o empresário.

    A CNN ouviu juristas que explicam por que os suspeitos acabam soltos, mesmo depois de serem detidos por agentes de segurança.

    O  advogado e professor da Universidade Metropolitana de Santos Armando de Mattos Junior explica que, quando não há prisão em flagrante, um suspeito só pode ser preso preventivamente quando há ameaça à ordem pública ou econômica.

    “Antes do julgamento final, os criminosos são tecnicamente inocentes”, lembra o advogado criminalista e professor da USP Pierpaolo Bottini, com base na legislação vigente.

    Crimes de repercussão

    No centro da capital paulista, um ataque ao Bar Brahma, na famosa esquina entre as avenidas Ipiranga e São João, resultou no indiciamento de dois homens, que responderão em liberdade pelo crime de dano.

    Outro suspeito envolvido no ataque, já identificado pela polícia, tinha antecedentes criminais por furto de um aparelho celular na região, mas foi colocado em liberdade após passar por audiência de custódia.

    Durante a passagem da cantora Taylor Swift pelo Rio de Janeiro, um fã foi morto a facadas durante um assalto, na Praia de Copacabana, na zona sul da cidade.

    Um dos presos pelo latrocínio foi identificado como Jonathan Batista Barbosa, de 37 anos. Ele havia sido liberado em audiência de custódia, no dia anterior à morte do jovem, por cometer um “crime sem violência”.

    Nesta terça-feira (12), a polícia civil do Rio de Janeiro prendeu o homem que furtou o celular de uma vítima e fez uma live nas redes sociais dela. Kleiton Alves da Silva foi indiciado pelo crime de furto e responderá em liberdade.

    Segundo fontes da polícia, a legislação não permite a prisão dele, por não ser um caso em que houve flagrante. Além disso, o autor é réu primário no furto e, por ser um crime sem violência, não caberia a prisão preventiva.

    O que dizem os especialistas

    Segundo a Constituição Federal, existem algumas exceções para a prisão antes da sentença: casos de flagrantes de delito ou por ordem de uma autoridade judiciária.

    “Você pode prender antes do julgamento se existe a possibilidade da pessoa fugir ou se há risco à ordem pública, com ameaças de testemunhas, por exemplo”, explica o advogado criminalista Pierpaolo Bottini.

    O também advogado e professor Armando de Mattos Junior reforça que a prisão preventiva só é prevista em casos de ameaça à ordem pública e/ou econômica.

    Audiências de custódia

    Desde 2015, o Judiciário brasileiro adotou as chamadas audiências de custódia, que existem para que uma pessoa detida seja apresentada à Justiça com mais rapidez.

    Na sessão, o juiz analisa se a prisão foi feita dentro da legalidade pelos agentes públicos e decide sobre a possibilidade de manutenção da reclusão.

    Nesta etapa, suspeitos de crimes podem passar a responder pelo ato em liberdade, assim como ter a prisão convertida para temporária ou preventiva.

    “Se você tem uma pessoa que comete roubo e é reincidente, você tem elementos para manter essa pessoa presa. Não é usual a pessoa ser detida pela segunda vez por roubo e não ficar presa preventivamente. Se for furto, quando não tem violência, aí é mais fácil deixar solto”, explica Pierpaolo.

    Crimes sem violência

    No caso ocorrido no Rio de Janeiro, em que o assaltante furtou o celular da vítima e depois fez uma live nas redes sociais dela, Pierpaolo acredita que existiam elementos para pedir a prisão preventiva do suspeito.

    “Ele se gaba do furto ao fazer a live, se mostra como risco à ordem pública. Ele basicamente está dizendo que vai continuar fazendo outros crimes”, comenta Bottini.

    “Esse sujeito foi petulante, talvez o Poder Judiciário pudesse olhar com outros olhos, mas não o fez”, comenta Mattos Junior sobre este mesmo caso, em que o assaltante invadiu a rede social da vítima após se apossar do celular dela.

    “O furto é um crime contra o patrimônio, mas não existe violência contra o ser humano. O roubo é quando há violência. Nos crimes de furto sem violência, durante a audiência de custódia, o juiz tem colocado em liberdade a pessoa que não é muito reincidente”, emenda o advogado.

    “O delegado poderia requerer a prisão preventiva, mas o juiz não daria. Então ele nem perde tempo”, completa Mattos Junior.

    “A Justiça está sendo complacente com o crime de furto. Ele realmente é mais brando, o próprio Código Penal dá uma pena menor, de um a quatro anos de prisão”, comenta o professor da Universidade Metropolitana de Santos.

    Armando explica que o juiz acaba não optando pela prisão preventiva quando há crimes de furtos porque, mesmo que o indivíduo seja condenado, muitas vezes acaba respondendo em regime aberto pelo tempo de pena.

    “Se ele mandar a pessoa para o sistema prisional, mesmo que preventivamente, ela vai conhecer indivíduos piores ou pode até tirar a vaga de quem realmente precisa ficar detido”, argumenta.

    Armando de Mattos defende uma alteração na lei para aumentar a pena de furto e resolver o problema de reincidência. Para ele, a superlotação de presídios é outro motivo para o que chama de “complacência” do judiciário com os crimes de furto.

    Sistema prisional brasileiro

    A mudança na legislação, defendida por Armando, esbarra no problema da superlotação dos presídios. O advogado explica que o estado precisa pensar na criação de novas penitenciárias. “Quando o governo não pensa na escola, ele constrói presídios para uma geração depois”, exemplifica.

    O Brasil encerrou o primeiro semestre de 2023 com 644.794 detentos em celas físicas. Este número supera em quase 34% a capacidade dos presídios brasileiros, de 481.835 vagas. Os dados foram divulgados em setembro pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN).

    O advogado criminalista Pierpaolo Bottini reforça que os problemas não serão resolvidos apenas com a detenção do criminoso. “Essas pessoas vão ficar presas e vão sair muito piores do que quando elas entraram”.

    “Quando você prende a pessoa, você tem um alívio momentâneo. Mas você está dando combustível para o crime organizado. No Brasil, a prisão é onde recrutam as pessoas”, afirma Pierpaolo.

    Para o professor da USP, o ideal seria pensar em penas alternativas e tornozeleiras. ”Manter fora da rua sem levar para a prisão”.

    Atualmente, ainda segundo a SENAPPEN, o Brasil dispõe de quase 122 mil tornozeleiras eletrônicas, enquanto 92.894 presos utilizavam o equipamento até a contagem realizada em junho deste ano.

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