Polícia do RJ vê assassinato de Moïse Kabagambe como “tragédia social”
Investigação não encontrou indícios de que crime tenha tido mandante ou ligação com a milícia
A morte do congolês Moïse Kabagambe, no dia 24 de janeiro deste ano, é classificada internamente pela Polícia Civil do Rio de Janeiro como uma “tragédia social”.
Pessoas ligadas à investigação revelaram à CNN que não há até agora nenhum indício de que o crime tenha tido um mandante e de que a morte do congolês tenha envolvimento com a milícia.
Para os investigadores, o desfecho do caso se encaminha para uma “tragédia social”, em que pessoas humildes agridem com desproporcional violência alguém numa condição social semelhante, mas em situação de maior vulnerabilidade.
Muito embora não existam elementos que apontem para motivação racista ou xenofóbica, membros da polícia reconhecem à CNN o racismo estrutural presente no contexto, já que a condição social de Moïse –refugiado africano negro– foi determinante para que ele estivesse em situação de vulnerabilidade.
Segundo pessoas ligadas ao caso, isso ficaria claro no fato de o corpo de Moïse ter sido ignorado por pessoas que passaram no local e ninguém ter acionado a polícia durante as agressões, como se a cor e a nacionalidade dele fosse motivo para presunção de culpa de algum delito.
Sobre a milícia, um dos motivos pelos quais a hipótese foi levantada foi o fato de um policial militar ter aparecido em meio às investigações. Classificado pela concessionária Orla Rio, que administra a gestão dos quiosques, como “invasor irregular”, o PM foi intimado a depor no caso depois de ser apontado como “dono” do quiosque Biruta, vizinho do local onde Moïse foi morto. Mas, até agora, não há nada que o ligue diretamente ao crime.
Resultado da perícia
O laudo da perícia obtido pela CNN aponta que a causa da morte do congolês foi traumatismo no tórax com contusão pulmonar. Há sinais de hemorragia e aspiração de sangue e dez marcas dos golpes feitos com o taco de baseball, que foi apontado como sendo um instrumento usado em um dos quiosques para quebrar o gelo de bebidas.
Moïse Kabagambe foi espancado e morto no dia 24 de janeiro na orla da praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, depois de uma discussão com funcionários de um local onde ele costumava prestar serviços de atendente.
Os três agressores presos após serem flagrados nas imagens de câmera de segurança admitiram que participaram do espancamento. Eles afirmam que Moïse estava “agressivo” e tentou pegar bebidas do freezer sem autorização. A família do congolês afirma que ele foi aos quiosques cobrar uma dívida de trabalho no valor de R$ 200.
Racismo e xenofobia
Em um dos depoimentos, o agressor preso Brendon Alexander Luz da Silva afirma ser “candomblecista”, para negar que o crime tenha tido motivação xenofóbica ou racista.
No documento, obtido pela CNN, o policial que colhe a fala afirma que Brendon “nega que as agressões a Moise tenham cunho racistas ou xenofóbicos, como vem sendo propagado pela mídia e pela família da vítima”, uma vez que “esclarece ser candomblecista, religião originária da África, usualmente praticada por negros […] mesmo continente de origem da vítima deste procedimento e que, portanto, não tem o menor preconceito contra negros e/ou estrangeiros”.
Na avaliação de Felipe da Silva Freitas, professor do Programa de Pós Graduação em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e pesquisador do Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “o racismo e a xenofobia no caso da morte de Moïse estão expressos nas motivações do crime e na sua forma de execução”.
“Ter amigos negros, ser integrante de uma religião afro-brasileira, ter boas intenções ou mesmo ser parte de algum grupo social também discriminado não são excludentes para quem pratica o racismo e nem atenuante para as suas condutas”, afirmou à CNN.
“Não importa se os supostos agressores são integrantes de um grupo religioso que também é vítima de discriminação, como o candomblé, por exemplo, não importa se eles tinham ou tem relação afetiva com o próprio Moïse ou com outras pessoas negras e refugiadas ou se em outros contextos os agressores são ou não pessoas boas e caridosas. As questões subjacentes ao caso são: como agiram os agressores de Moïse? Qual a forma pela qual atuaram? Por que usaram de meios tão perversos para agredir o jovem congolês? Quais suas motivações? Estes são os elementos jurídicos relevantes e são eles que devem orientar nossa análise sobre o caso”, completou.