Pais solo contam desafios na criação dos filhos: “É se redescobrir”
Em 2015, 3,6% das famílias eram mantidas por pais solteiros, segundo o IBGE
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Embora seja estatisticamente pequeno, o número de pais solo tem crescido nos últimos anos no Brasil. O último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, em 2015, 3,6% das famílias eram mantidas por pais solteiros.
Embora não haja um motivo específico para isso, como separação ou mortes das esposas, uma frase costuma ser constante. Entre as histórias ouvidas pela CNN Brasil, foi unânime que “ser pai solo é se redescobrir”.
“Não me sentia capaz de ocupar aquela posição”
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Formado em marketing digital, com especialização em gestão de pessoas, Rafael Stein, de 44 anos, mora em Serra Negra (SP). Ele se tornou pai solo após a perda da esposa para o câncer de mama, há cinco anos. E, a partir daí, teve que redescobrir a vida em vários sentidos, mas, especialmente, para seguir adiante com os filhos Maria Clara e o Francisco.
“Quando ouvimos do médico ‘temos um tumor, temos um tumor, sim’, o simples fato de me imaginar sozinho, a primeira reação que eu tive era como eu ia criar meus filhos sozinhos. Eu não me sentia capaz de ocupar aquela posição. Isso é reflexo da forma como um homem é criado na sociedade, nós não somos ensinados a cuidar. Eu tive que aprender a cuidar”, recorda.
No dia seguinte à morte da esposa, Stein disse que não sabia nem onde estava a mamadeira das crianças. “Tive que assumir um protagonismo que eu não estava preparado, que nunca foi meu. Foi aí que eu decidi que queria assumir isso, pelo amor pela esposa e pelas crianças”, disse.
Stein se aprofundou no tema do luto e na descoberta de que os homens devem, sim, ser ensinados a cuidar. Isso se transformou em palestras e até uma participação no reality show “Queer Eye Brasil”, da “Netflix”, em 2022.
No programa, especialistas em bem-estar, estilo, beleza, design e cultura ajudam pessoas que precisam dar uma repaginada. Era o caso. A história comoveu os apresentadores e os telespectadores. Ele considerou a experiência pós-programa “uma onda de amor” que precisava.
Hoje, a relação com os filhos é melhor. Stein considera que as crianças ‘o obrigaram’ a ser melhor. “Ser pai é o meu melhor papel. É a melhor coisa que poderia ter me acontecido”, finaliza.
Medo de não dar conta
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O artista plástico Lucas Paulucci, de 33 anos, de Campinas (SP), é pai solo da Georgia, que tem dois anos e cinco meses. “Minha maior motivação para seguir em frente é ela, o bem-estar dela, proporcionar tudo que eu puder para que ela se desenvolva”, conta.
Ele se tornou pai solo após a separação com a mãe de Georgia. Paulucci contou que foi um processo difícil pela própria circunstância. “Bateu aquela insegurança, pela própria separação e como a Georgia ia reagir a tudo isso. Meus pais me ajudaram muito nesse processo. A maior dificuldade, para mim, foi saber como minha filha reagiria a tudo isso e se estava sendo tão difícil para ela quanto para mim”, lembra.
Alguns momentos foram tensos, ele reconhece: às vezes a Georgia não queria ir para a casa da mãe, mas Paulucci nunca deixou de levá-la. “Meu maior medo foi se eu conseguia dar conta, se seria suficiente tudo que eu faria. Quando a gente é pai, tira as forças até de onde não tem para conseguir isso. Acho que esse é o principal aprendizado”, acrescenta.
“Eu não tinha mais o que fazer, a não ser seguir adiante”
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Um dia, o publicitário curitibano Ton Kohler, hoje com 42 anos, recebeu um telefonema da academia onde a esposa treinava muay thai, pedindo que fosse com urgência para lá. Ela sofreu um infarto fulminante. A partir daí, a vida mudou totalmente. Ele se tornou um pai solo com Pedro, que na época tinha três anos, e Mariana, com um ano.
“A primeira reação foi que não tinha mais o que fazer com relação à morte da minha esposa. Eu tinha que seguir em frente de alguma forma”, afirma.
Focar nos filhos e pensar na resiliência foi o que o levou a seguir em frente. A prioridade era para dar conta do trabalho, da educação dos filhos e de cuidar da casa. “Foi quando comecei a notar algumas perguntas, do tipo ‘porque não deixa os filhos com os avós e pensa na sua carreira’, coisas do tipo. Eu não queria isso. Queria era cuidar deles”, diz.
Para Kohler, a maior dificuldade foi lidar com essas questões que incomodavam — especialmente uma: “Você não acha que deveria se casar para dar uma mãe para eles?”, diziam.
“É um processo até hoje de aprendizado, mas que compensa. Ver a felicidade deles é o que me faz ter a certeza de que estou no caminho certo”, disse.
Exemplo para os filhos
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O escritor Maurício Souto, de 59 anos, viu na separação a chance de se tornar um pai solo. Matheus, de 30 anos, Fernanda, de 27 anos e Pedro, de 5 anos, foram morar com ele após um tempo. Foi um misto de alegria e responsabilidade. “Sentia que precisava ser um exemplo para meus filhos. Queria que eles vissem em mim a figura de um pai amoroso e participativo, forte o suficiente para tocar a vida”, disse.
A separação não havia sido amigável, mas hoje a relação é cordial e de respeito. “Os primeiros meses foram os mais difíceis. A terapia me ajudou a entender que a decisão foi certa e precisava ser tomada, em benefício da minha saúde psíquica e também de todos os envolvidos”, recorda.
Recomeçar a vida que havia sido construída foi o desafio, ele diz que aprendeu que ficar parado não adiantaria.
“É uma força de expressão, mas verdadeira: ‘A vida é uma só’. Se não estivermos satisfeitos com o que estamos vivendo ou com os resultados que estamos tendo, precisamos tomar decisões, passar pela dor do desconforto, para que as mudanças aconteçam e os resultados melhorem na nossa vida. Se permanecermos no lugar onde estamos, nada vai mudar”, conclui.