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    Os traumas do abuso infantil na vida adulta: é possível superar?

    Especialista explica impactos psicológicos e tratamentos eficazes para superar sequelas; campanha Maio Laranja dedica mês ao combate contra violência sexual de crianças e adolescentes

    Durante todo o mês de maio, a campanha "Maio Laranja" promove a conscientização sobre a importância da prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes,
    Durante todo o mês de maio, a campanha "Maio Laranja" promove a conscientização sobre a importância da prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, Dusan Stokovic/ Getty Images

    Elijonas Maiada CNN

    Brasília

    Ana Helena*, de 10 anos, dificilmente vai esquecer os momentos que passou quando voltava para casa em uma van escolar após sair do colégio. Por morar longe, a mãe contratou um motorista para levar a filha em segurança, mas a menina acabou, pelo contrário, relatando sucessivos abusos sexuais nas viagens de volta ao lar.

    A criança foi ouvida por uma psicóloga infantil e investigadora da Polícia Civil do Distrito Federal. O relato, em uma sala lúdica, com paredes coloridas, bonecas e ursos de pelúcia para deixar a vítima mais confortável, foi de momentos de terror.

    “O tio a todo momento olhava para trás [motorista no banco da frente] e perguntava se eu tinha namoradinho, se já tinha beijado. Aí teve um momento que ele parou a van numa rua e se sentou do meu lado, começou a me abraçar…. dizia que estava com frio e começou a passar a mão lá embaixo…”, foi o que criança descreveu ao aos policiais.

    A mãe, em conversa com a CNN, disse que percebeu algo errado com a filha quando ela passou a reclamar de ir para a escola e de não querer mais andar na van escolar. E, segundo ela, demonstrar irritabilidade facilmente.

    O homem foi preso após investigação da polícia que, além do relato da vítima, ouviu outros depoimentos. Mas os traumas à criança, mesmo após três anos do caso, são difíceis de esquecer. E para a família também. Mas são passíveis de serem amenizados?

    Segundo Carlos Guilherme Figueiredo, vice-presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), crianças mais novas podem não compreender totalmente o que está acontecendo e só perceber que algo estava errado futuramente, na vida adulta.

    “Crianças mais velhas podem ter uma noção maior de que estão sendo abusadas, mas podem não entender completamente as implicações. Depende da idade e do tipo de abuso”, explica.

    O profissional destaca os principais tipos de abuso infantil: físico, sexual, emocional e negligência. “Cada tipo de abuso pode ter diferentes impactos na vida da criança e, posteriormente, na vida adulta”, diz o especialista.

    Traumas na vida adulta

    E a dúvida que muita gente tem é sobre os traumas que ficam nos adultos vítimas de abusos quando crianças.

    Os especialistas constatam que pessoas que foram abusadas podem, sim, desenvolver diversas limitações na vida adulta, incluindo dificuldades emocionais. “Problemas de autoestima, dificuldades de relacionamento, além de diferentes transtornos psiquiátricos, como transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão”, disse Figueiredo.

    Os relatos do especialista também dão conta que vítimas de abuso sexual na infância , mesmo após anos, podem enfrentar dificuldades na área da sexualidade e interações íntimas quando adultas, possibilitando, ainda, falta de desejo sexual, aversão ao sexo, dificuldades para estabelecer intimidade e problemas relacionados a autoconfiança.

    “Pesquisas indicam que o abuso infantil pode ter impactos duradouros na vida sexual na fase adulta. Indivíduos que sofreram abusos na infância podem experimentar reações como ansiedade intensa durante a atividade sexual, sensação de reviver o trauma ou desconexão emocional. Além disso, é comum que essas vítimas apresentem aversão e evitem relações sexuais, dificuldades de excitação ou orgasmo, e até mesmo dor durante as relações. Em alguns casos, podem desenvolver um padrão de comportamentos sexuais prejudiciais. É importante que esses indivíduos busquem acompanhamento profissional especializado para lidar com os traumas do abuso e estabelecer uma vida sexual saudável”, orienta o profissional.

    E afinal, é possível superar um trauma tão abrupto como esse? Para o especialista, sim. Dede que com tratamento.

    “Felizmente, existem tratamentos comprovadamente eficazes para auxiliar as vítimas a lidarem com os traumas e reconstruírem sua sexualidade de forma saudável. Técnicas como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se destacado como uma das abordagens mais efetivas. Essa técnica ajuda as vítimas a identificarem e modificarem pensamentos e comportamentos prejudiciais relacionados ao trauma, reduzindo sintomas como ansiedade e depressão”, destaca o psiquiatra.

    Figueiredo também explica que outra intervenção com resultados positivos é a terapia de processamento de trauma, como a técnica de Dessensibilização e Reprocessamento por Meio de Movimentos Oculares (EMDR, na sigla em inglês).

    Esse tipo de tratamento, afirma o psiquiatra, auxilia no reprocessamento de memórias traumáticas diminuindo sua carga emocional e permitindo uma integração mais saudável. Em alguns casos, os tratamentos medicamentosos também se fazem necessários e, de acordo com os estudos, demonstram efetividade, especialmente no tratamento de quadros depressivos e ansiosos.

    Maio Laranja

    Durante todo o mês de maio, a campanha “Maio Laranja” promove a conscientização sobre a importância da prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, visando alertar a sociedade e garantir a proteção dos direitos desses grupos vulneráveis.

    Para evitar traumas, as polícias trabalham com prevenção para que os abusadores não cometam os crimes. Mas também realizam prisões como métodos mais eficazes. Nos quatro primeiros meses deste ano, a Polícia Federal (PF) realizou 61 operações em todos os estados do Brasil contra abuso sexual de crianças e adolescentes. A média é de uma operação a cada dois dias.

    As prisões, entre preventivas, temporárias e flagrantes, totalizaram 99 pessoas envolvidas em casos de abuso sexual infanto-juvenil, o que dá média de quase uma pessoa presa por dia apenas pela PF.

    No âmbito estadual, também há número expressivo de prisões. No dia 17 deste mês, o Ministério da Justiça em parceria com polícias civis dos estados realizou a Operação Caminhos Seguros em todo o Brasil, que resultou na prisão de 314 adultos e no resgate de 163 crianças e adolescentes.

    Mais de 12 mil agentes de segurança realizaram ações em mais de 450 municípios. Eles fiscalizaram 5,3 mil locais e abordaram cerca de 53 mil suspeitos. A operação atendeu 6,2 mil vítimas e, também, fiscalizou aproximadamente 16 mil veículos. Ainda, foram apreendidas 103 armas de fogo, 7,2 toneladas de drogas e 15,9 mil materiais com alusão a pornografia infantojuvenil.

    Como denunciar

    Estatísticas do governo federal mostram que a violência sexual contra crianças e adolescentes permanece alta no Brasil. O serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100) registrou entre 1º de janeiro e 13 de maio deste ano 7.887 denúncias de estupro de vulnerável. A média de denúncias em 134 dias é de cerca de 60 casos por dia ou de dois registros por hora.

    O serviço de denúncia funciona 24 horas por dia nos sete dias da semana e registra denúncias de violações, dissemina informações e orienta a sociedade sobre a política de direitos humanos. O canal pode ser acionado por meio de ligação gratuita – discando 100 em qualquer aparelho telefônico.

    Pela internet, as denúncias podem ser feitas no site da Ouvidoria, pelo WhatsApp (61) 99611-0100 ou Telegram. O serviço também dispõe de atendimento na Língua Brasileira de Sinais (Libras).

    *O nome da vítima foi alterado e criado um fictício para resguardar sua privacidade