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    Operação contra garimpo ilegal expõe conflito indígena e debate por regulação

    Equipe da CNN acompanhou operação comandada por vice-presidente Hamilton Mourão

    Mathias Brotero e Leandro Dizioli, da CNN

    As operações de combate ao garimpo ilegal na Amazônia esbarram no debate que pede a regulamentação da atividade em reservas ambientais e em indígenas que defendem a continuidade do trabalho minerador. A CNN acompanhou uma ação da operação Verde Brasil 2 na última quarta-feira (5), e partiu em avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para as terras indígenas Munduruku, na região paraense do Alto Tapajós.

    A ação está sob o guarda-chuva do vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Amazônia.

    Sobrevoada por helicóptero, a área próxima do local da operação é principalmente de mata fechada. Mais de perto, pode-se ver os garimpos —a maioria deles, com pistas de pouso usadas exclusivamente pelos donos das extrações.

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    A exploração de garimpos é permitida no Brasil, contanto que sejam apresentados estudos de impactos ambientais às secretarias do Meio Ambiente locais e que haja permissão da Agência Nacional de Mineração, que estabelece regras e limites para a atividade. 

    No entanto, a exploração do garimpo em terra indígena é proibido pela Constituição. De acordo com o artigo 231, “a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional […] ressalvando interesse público da União.”

    A realidade, porém, é outra. Segundo um levantamento feito pelo Greenpeace, com base em alertas do sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre janeiro e abril de 2020, 72% de todo o garimpo da Amazônia aconteceu em áreas protegidas,que inclui terras indígenas e áreas de conservação. 

    Só em terras indígenas, o desmatamento para garimpo aumentou mais de 13% em relação ao mesmo período no ano passado. Foram quase 435 hectares desmatados nos primeiros quatro meses do ano, o que equivale a 403 campos de futebol.

    Dessa área, metade foi na terra indígena dos Munduruku, onde foi realizada a operação desta quarta. Estima-se que 8.350 pessoas vivam no local. 

    Chegando ao lugar da ação, a reportagem avistou algumas pessoas correndo. Agentes que participaram da ação explicam que muitos garimpeiros fogem para esconder o material extraído.

    O Ministério do Meio Ambiente estima que esse garimpo produzisse cerca de 700 quilos de ouro por mês, o que resultaria em uma produção de R$ 360 mil por hora, considerando o valor médio do metal precioso. 

    Pelo balanço oficial da operação, foram destruídas 10 pás-cavadeiras, um trator,15 motores, 13 barracas, uma motosserra e oito reservatórios de combustível.

    A Operação Verde Brasil 2 tem como objetivo principal combater as atividades ilegais nas áreas de preservação da floresta e, com isso, tentar mudar a imagem internacional do país, abalada pelo aumento das queimadas e do desmatamento. 

    Porém, ao mesmo tempo, o governo federal defende a permissão e regulamentação das atividades mineradoras na Amazônia, posição externada pelo ministro Ricardo Salles à CNN anteriormente. 

    Próximo do local, fica a cidade de Jacareacanga. O secretário local do Meio Ambiente, Éverton Salles da Silva, conta que 90% dos nativos da cidade sobrevivem da atividade exploratória —incluindo indígenas, que representam 37% da população. 

    No aeroporto local, um grupo de indígenas fechou a pista de pouso em protesto às operações que desativaram os garimpos.

    “Não foi essa conversa que conversamos quando eu estive em Brasília. Disseram que não iria ter esse queima-queima”, disse Valdomiro Manhuary, líder Munduruku. “O governo, a própria lei impede o índio de trabalhar. Nós queremos desenvolvimento.” 

    Grupo de indígenas Munduruku fecham pista de pouso em Jacareacanga, no Pará
    Grupo de indígenas Munduruku fecham pista de pouso em Jacareacanga, no Pará, para protestar contra operações de desmonte do garimpo ilegal
    Foto: CNN (5.ago.2020)

    Essa opinião não é unânime entre os Munduruku. Uma liderança do grupo, que falou à CNN sob condição de anonimato, fala que esse é o momento mais difícil de suas vidas. 

    “Existem centenas de focos de garimpo nas terras indígenas, centenas de escavadeiras destruindo os mananciais dos rios, dos igarapés, jogando grande quantidade de mercúrio no rio. Para nós, isso é uma grande ameaça, física, cultural e social”, contou. “O povo que mora na mata, que mora dentro da natureza, que depende de todos os bens que a natureza lhe fornece, realmente vai se sentir muito prejudicada, porque a atividade garimpeira é muito desastrosa”.

    Projeto de lei

    Uma proposta para regulamentar a atividade foi apresentada pelo governo em fevereiro deste ano. Seis meses depois, ainda aguarda a criação de uma comissão temporária pela mesa da Câmara dos Deputados. 

    Para Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da comissão do Meio Ambiente da casa, o projeto não tem prioridade porque não ajuda em nada na conservação ambiental. “O presidente Rodrigo Maia já disse que a proposta não vai ser pautada. Regulamentar a mineração em terra indígena é colocar muitos povos da Amazônia em uma situação delicada, em uma situação de enfrentamento.” 

    A líder indígena Sônia Guajajara também diz ver com preocupação o projeto. “É um projeto de lei que permite a exploração dos territórios por grandes empresas de mineração”, afirmou. 

    Suspensão da operação

    Na quinta-feira (6), os helicópteros que continuariam a operação Verde Brasil 2 não puderam decolar, por ordem do Ministério da Defesa. 

    De acordo com uma nota divulgada pela pasta, a ação continuava em andamento, mas as atividades na terra indígena Munduruku foram interrompidas para “reavaliação”. 

    No mesmo dia, um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) transportou representantes indígenas Munduruku à Brasília. Eles foram recebidos pelo ministro Ricardo Salles, um encontro que durou cerca de duas horas.

    Jairo Curapi, presidente da associação indígena, conta qual foi sua reivindicação. “Pedimos para o ministro respeitar o nosso direito e deixar nós trabalhar (sic) em paz”, disse. “O garimpo não ‘era’ nosso, o garimpo é nosso. Nós, indígenas, que estamos trabalhando.”

    Segundo ele, as máquinas destruídas eram deles. “Compramos e ainda nem pagamos. Agora, foi tudo danificado e nós ficamos no prejuízo”, disse.

    Paulo Tarso, procurador do MPF (Ministério Público Federal) no Pará, tem outro ponto de vista. “Sabemos que o papel reservado aos indígenas pró-garimpo nessa engrenagem é de pessoas interpostas. Eles facilitam o acesso ao território, auxiliam no processo de aliciamento de lideranças, intermedeiam pagamento de comissões”, disse. “É verdade, alguns prestam serviços, outros recebem comissão. Mas poucos chegam ao topo dessa cadeia empresarial e criminosa”.

    Nesta sexta (7), o Ministério da Defesa autorizou a retomada da operação

    Bezerro de Ouro 

    Ouro apreendido na operação Bezerro de Ouro, da Polícia Federal
    Ouro apreendido na operação Bezerro de Ouro, da Polícia Federal
    Foto: Reprodução/Polícia Federal (6.ago.2020)

    No mesmo dia, a Operação Bezerro de Ouro da Polícia Federal desarticulou um grupo criminoso que atuava na extração ilícita de ouro no interior da terra indígena Munduruku.

    As investigações apontam que uma família garimpava o metal irregularmente na região, em parceria com alguns indígenas pró-garimpo. A Justiça federal determinou o sequestro de bens dos envolvidos, no valor de quase R$ 8 milhões. Foram apreendidos documentos, R$ 50 mil em ouro, quatro veículos de luxo avaliados em cerca de R$ 1 milhão e três computadores. Uma pessoa foi presa em flagrante. 

    “Em se tratando de grupos criminosos organizados, é preciso que se ataque o topo da cadeia, porque é de lá que partem as ordens e também que parte o capital que propicia a efetiva prática dos crimes”, diz Gecivaldo Vasconcelos Ferreira, chefe da Polícia Federal em Santarém, no Pará. “Focando nos alvos de maior importância, conseguiremos amenizar de forma drástica a garimpagem na terra indígena.”

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