Com máscaras, vamos aprender a ler emoções pela expressão dos olhos, diz médico
Na quinta edição do programa 'O Mundo Pós-Pandemia', o neurocirurgião Fernando Gomes analisa a importância de se manter emocionalmente equilibrado
Na quinta edição do programa “O Mundo Pós-Pandemia”, o neurocirurgião e professor da Faculdade de Medicina da USP Fernando Gomes analisou sentimentos como saudades, solidão e a importância do equilíbrio emocional em meio à pandemia do novo coronavírus.
Em conversa com as jornalistas da CNN Daniela Lima, Mari Palma e Thais Herédia e a comentarista Gabriela Prioli, Fernando Gomes detalhou como as mudanças ocorridas devido à chegada da Covid-19 podem interferir nas emoções humanas e na forma como nos relacionamos com os outros. A partir disso, ele falou sobre como podemos compreender e lidar com as emoções neste processo.
Saudades
Em tempos de pandemia, as pessoas estão sentindo mais saudades? Gomes explica que quando vivemos um momento de recolhimento e solidão, isso faz com que as memórias sejam acionadas — principalmente aquelas que possuem uma relevância emocional para o indivíduo.
“Saudade é uma memória, e uma memória boa. Ninguém sente saudade de uma época ruim. Só tem saudades quem tem pessoas de relevância por perto e momentos bons para serem lembrados. Quem não tem isso, não vai ter saudade”, afirma.
“Com isso, vem o compromisso de editar, com cuidado, o nosso dia a dia, as nossas relações, porque as saudades podem sim, serem editadas, prospectivamente”. Uma das formas da saudade ser editada, como exemplificou Gomes, é quando as pessoas publicam uma foto de um momento que possui significado para elas em uma rede social, e aquele aplicativo traz recordações, periodicamente, daquele momento.
Apesar disso, o neurocirurgião afirma que este sentimento também pode ser interpretado de forma negativa. “A saudade pode ser amplificada, às vezes aquele momento nem foi tão bom assim, ou aquele relacionamento nem foi tão legal. Mas, como o nosso cérebro trabalha de forma binária e por contraste, [ele pode pensar]: ‘nossa, se agora tá muito ruim, qual era a época que eu estava muito bem?’. Então, você foge desesperadamente, como uma forma de buscar, de novo, a sua zona de conforto”, alerta.
Com máscara, expressão dos olhos sobressai
Durante a pandemia, o uso da máscara de proteção tem sido cada vez mais recorrente, e até mesmo obrigatório em determinadas regiões, devido à crise sanitária. Além disso, há uma possibilidade desse hábito permanecer na rotina pós-pandemia, como já acontece em alguns países asiáticos.
Questionado se a máscara estaria, neste momento, transformando a estética do ser humano, Gomes analisa: “Nos comunicamos através de três meios: por meio da fala, da linguagem corporal e da expressão facial. Quando você coloca uma máscara, você tira a informação dos dois terços inferiores do rosto, mas você continua com o olhar”.
“Você já deve ter percebido isso, mas tem pessoas que sorriem com o olhar, você não precisa ver a boca fazendo a curvatura superior. O nosso cérebro é muito rápido, e rapidamente vamos aprender a ler emoções através da expressão facial pela parte [exposta do rosto] que sobrou”, explica.
O desafio da atenção
Com a implementação das medidas de isolamento social, as pessoas tiveram que buscar alternativas para se comunicar e trabalhar em equipe. Uma das mudanças que ocorreram diz respeito à forma como nos reunimos, que passou do encontro presencial para o encontro virtual. Com essas mudanças, novas distrações vieram?
“Na reunião presencial, as pessoas se distraem com o dispositivo eletrônico. Então, temos a reunião no [dispositivo] eletrônico e as pessoas se distraem com o ambiente, mostrando que não é somente a oferta de informação que faz com que a gente fixe a nossa atenção propriamente dita. A vantagem das reuniões digitais é que elas têm um prazo e um tempo muito mais organizado do que as presenciais”, analisa o neurocirurgião.
“A desvantagem é essa questão da leitura corporal, que a gente faz quando entramos no ambiente, quando você pode sentir a temperatura agradável ou sentir o perfume de uma pessoa”, diz Gomes.
“Quando a gente usa a tecnologia, temos a informação visual e auditiva, mas não entra a informação olfativa, e isso é algo extremamente importante para a formação de memórias e até mesmo para a manutenção da nossa atenção. Então, de fato, vai ser um desafio. Percebemos que não é só o dispositivo que distrai a atenção”, conclui.
Sonhos pandêmicos
Durante a pandemia, muitas pessoas têm compartilhado seus sonhos por meio da hashtag #PandemicDreams (sonhos pandêmicos), com um misto de sentimentos envolvendo medos, perturbações e preocupações com a questão da morte. De acordo com o neurocirurgião, o sono exerce uma função fundamental, que ajuda as células do corpo e o processo metabólico a se restabelecerem. Em relação aos sonhos, o médico explica que isso pode ser o resultado de diversos fatores, que unem a emoção, as memórias e os anseios do indivíduo.
“A gente passa dois terços da nossa vida em vigília, com a nossa consciência interagindo. Um terço da nossa vida nós passamos dormindo. Uma pessoa que vive 90 anos, ficou acordada 60 anos, os outros 30, ela passou dormindo”, conta Gomes.
“O sono não é um momento em que o cérebro desliga, muito pelo contrário: é o momento em que o corpo físico restabelece as células e todo o processo metabólico do dia. Durante as diferentes fases do sono, existe um momento em que os sonhos aparecem e mostram um processo de edição da memória, no qual você tem uma ‘confusão’ entre equivalência emocional, emoção vivida e preocupação com o futuro. O produto final disso é a lembrança que temos do sonho”, explica.
Memórias
Devido ao isolamento social, muitas datas tiveram que ser comemoradas de uma maneira que nunca foi feita antes. Como seriam estas memórias daqui pra frente? Para Fernando Gomes, estas serão as memórias mais fortes que teremos no futuro.
“A gente vai entender que foi um momento diferente, foi um momento em que todas as questões relacionadas à tecnologia ou comunicação à distância precisaram ser utilizadas para que isso não passasse totalmente em branco”, explica.
“A gente começa a perceber que o verdadeiro aniversário, ou então o verdadeiro marco de virada de ano, ou datas como a Páscoa, são importantes. O ser humano acaba usando esses marcos como referências pessoais e isso dá uma sensação de segurança”.
“Eu acredito que esse ano, apesar de não ser a melhor memória agradável, a gente vai lembrar, sim, de uma forma diferente”, conclui.