O poder e a beleza do cabelo para os negros
Entenda o que representa o Dia Mundial do Cabelo Afro e porquê é símbolo de resistência, empoderamento e identidade
Há cinco anos celebra-se, em 15 de setembro, o Dia Mundial do Cabelo Afro, iniciativa da ativista e produtora Michelle de Leon, que acreditou ser necessário que este dia fosse marcado de uma maneira diferente.
Já que no ano anterior, uma lei foi aprovada no estado do Alabama, nos Estados Unidos, que permitia que empresas deixassem de contratar pessoas que usassem dreadlocks.
A partir dali Michelle propôs “Um dia global de mudança, educação e celebração do cabelo afro”, assim como cita no site oficial Wolrd Afro Day. A iniciativa foi endossada pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos.
Para a professora e doutora em história, Alessandra Tavares, “O Dia Mundial do Cabelo Afro surge em resposta ao racismo estético que associa às diferentes texturas de cabelos crespos, volumosos ou com tranças, signos desqualificantes.”
A data foi criada para valorizar a estética e a diversidade dos cabelos naturais das pessoas negras, como símbolos de sua ancestralidade e resistência.
Alessandra Tavares, professora e doutora em história
Alessandra explica que, de modo geral, é um posicionamento político que incentiva as pessoas negras a usarem seus cabelos naturais. E lembra que além do nosso país ter sido colonizado por europeus, foi também escravista.
Aqui no Brasil, o uso de diversos tipos de tranças são atos de resistência e celebração cultural africana, são técnicas ancestrais que carregam simbologias e movimento antirracista. “Em época escravista, além de representar seus povos de origem, as tranças podiam esconder sementes, comida ou pedras preciosas que garantiam a sobrevivência de indivíduos ou grupos”, diz Alessandra.
Lutando contra padrões e por mais respeito pelo cabelo afro, homens e mulheres buscaram conscientização e mudança de comportamento da sociedade.
Segundo o Google, as buscas por cabelo crespo cresceram 309% nos últimos anos, enquanto buscas por cabelo cacheado chegou a 232%, superando pesquisas sobre cabelo liso.
E com a recente chegada de produtos adequados para o cabelo crespo, o processo de transição capilar foi se tornando mais conhecido, já que as pessoas viram que existem marcas e variedades para os seus cabelos em específico.
Em entrevista à CNN, a criadora de conteúdo Amanda Mendes, relata que ficou quase uma década alisando os cabelos por ter muito cabelo e com muito volume desde muito nova, comentários que ouvia como “ela é muito linda, mas esse cabelo estraga ela” ou “não é um cabelo bonito” a fez pedir uma progressiva de aniversário para sua mãe. “Eu tenho lembrança de sempre usar o meu cabelo preso, com muito creme para baixar mesmo esse volume, a minha mãe fazia penteados que pudessem deixar ele mais contido né justamente porque a gente não sabia o que fazer com tanto cabelo, com tanto volume.”
Após 7 anos, Amanda começou a se sentir desconfortável, iniciou o processo de transição capilar e fez o ‘big chop’ (ou grande corte, em português) em casa e compartilhou no YouTube todo o processo.
Daí em diante nasceu a ‘Tô De Crespa’ que foi como a criadora de conteúdo começou a sua carreira nas redes sociais.
E postei assim, nossa de coração aberto e toda vez que eu assisto esse vídeo eu choro de novo, porque ele carrega muita história, muito significado para mim, sabe? É realmente lembrar de toda a minha trajetória e ver aonde eu cheguei ali, a coragem que eu tive mesmo de assumir o meu próprio cabelo, de cortar o meu próprio cabelo.
Amanda Mendes, criadora de conteúdo
Hoje, Amanda Mendes é uma referência sobre cuidados com o cabelo crespo e diversos penteados para os mais de 500 mil seguidores em seu Instagram. Amanda explica que o importante é se divertir com as inúmeras possibilidades.
Eu sinto que literalmente é uma coroa é um cabelo que carrega tanta história sabe que nossa é o único assim o sentimento de poder carregar e de poder me sentir tão forte tão empoderada através dele.
Amanda Mendes, criadora de conteúdo
O ator Babu Santana comenta que também teve uma relação complexa com o seu cabelo desde sua infância. Por ser desde sempre muito questionador, Babu queria entender o porquê deveria deixar o cabelo baixo, por exemplo.
E começou a ouvir explicações como: “Ah você não pode deixar seu cabelo grande porque tem um aspecto de sujo”, “Ah você pode ser confundido com marginal”. Falamos como “cabelo ruim” ou “cabelo duro” marcaram em sua vida. “Lembro que eu adorava o black e adorava o rastafari, o dreadlock. E sempre tinha medo de ser confundido com uma pessoa suja.”
Babu conta que passou toda a sua adolescência em uma guerra interna muito grande e que não tinham produtos para seu cabelo e quando tinha ele não era divulgado. “E hoje você tem uma mínima organização e acesso essas informações”.
Eu lembro de perguntar porque cabelo ruim? Porque é difícil de pentear? Ah porque é difícil não passa eu falei então meu cabelo que é ruim, não é esse pente que não é adaptado ao meu cabelo?
Babu Santana, ator
Foi só então aos 20 anos que Babu realmente entendeu a beleza que o seu cabelo tinha e que ele poderia fazer o que quiser com ele. “Nosso cabelo ele é mais do que estético. Ele é político, ele é ancestral, né? É a gente se entender e ver que nosso cabelo é belo” .
Em sua trajetória como ator, Babu destaca que sempre queria encontrar o cabelo de seu personagem. “Então eu tive a chance muito de estudar, assim eu tive mil trancistas, né?”. “Eu entendi que meu cabelo poderia falar também e poderia falar com meu corpo, né? Conversar com a minha interpretação”.
“Meu cabelo é uma das principais armas que eu tenho hoje em dia. O black é minha coroa e o pente é a libertação”. A frase do ator explica quando se fala em “Black is power”. Babu e Amanda representam homens e mulheres que entendem o significado de seus cabelos e hoje são felizes assim.