O Grande Debate: ‘O que significa a troca de elogios entre Lula e Doria?’
O Grande Debate: O advogado Thiago Anastácio e a economista Renata Barreto avaliam Lula x Doria e Bolsonaro x Mandetta
O Grande Debate desta sexta-feira (3) discute qual o significado político da interação entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Twitter. Essa foi a pergunta para o advogado Thiago Anastácio e a economista Renata Barreto. Além desse tema, os dois ainda debateram se o presidente Jair Bolsonarou errou ao expor uma apoiadora e falaram sobre a ameaça da demissão que ele fez ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Primeiro a falar, Thiago Anastácio diz ter visto o ato como um sinal de armistício. “Essas manifestações de ambos estabelecem um novo jogo dentro do Brasil, que não é só político, mas de comunicação – e que tem sido feito ao redor do mundo. Todos os partidos – sejam os conservadores ou trabalhistas ingleses, democratas e republicanos americanos e os de esquerda e direita na Itália – fizeram um armistício. E o que significa isso? Baixaram armas. Não para sempre, mas, de forma muito simples: não é hora de briga, não é hora das ideologias. É momento de ação coordenada estabelecida pelos critérios técnicos”, avaliou.
O advogado ainda defendeu que é impossível que Doria tenha qualquer alinhamento ideológico e político com Lula. “Evidentemente, as figuras bolsonaristas começaram a falar ‘veja só, o Doria é um comunista’. Gente, é impossível que João Doria um dia seja aliado ou apoie o senhor Luiz Inácio Lula da Silva ou o PT. Ele representa tudo aquilo que o PT, que nasceu em São Paulo, mais lutou contra durante sua vida”, disse. “Nós precisamos entender, de uma vez por todas, que não estamos em um momento de discussões políticas internas. É um momento de combate à crise. É mais ou menos como se trabalhistas e conservadores ingleses começassem a discutir política diante dos bombardeios de Hitler”, acrescentou.
Ele ainda levantou a questão sobre os atritos entre governadores e o presidente. “Eu tenho graves questões nesse jogo político. Particularmente, me pareceu apenas uma coisa civilizada. As palavras são claras. Não é que seja um aceno político, como os bolsonaristas querem, e por uma razão simples: Lula falou dos governadores em geral, de [Ronaldo] Caiado, de [Wilson] Witzel, dos petistas e psdbistas. E nós sabemos que, neste momento, o presidente da República, que tinha grande maioria dos governadores a seu favor, hoje tem grande maioria – vinte – contrários a todos os seus posicionamentos diante dessa crise”, pontuou. E finalizou: “me parece, sim, um fato relevante, mas do ponto de vista do armistício e não que João Doria, o grande empresário paulista e símbolo do conservadorismo, vá um dia se aliar a Lula. Isso beira ao ridículo”.
Em seu argumento inicial, Renata Barreto chamou atenção para o que classificou como oportunismo de Doria. “O Doria talvez nunca seja comunista, mas é oportunista – e faz isso com maestria desde que entrou na Prefeitura de São Paulo. Então talvez seja interessante a gente notar que talvez não seja um aceno do ponto de vista para se aliar politicamente a Lula, mas que faz isso – e basta lembrar que ele foi eleito basicamente com discurso anti-Lula – e diz que são pequenas discordâncias para endossar, de uma certa maneira, o tuíte do ex-presidente Lula, que é condenado e só está solto por conta de uma decisão do STF, que mudou seu entendimento sobre prisão em segunda instância”, disse.
A economista ainda considerou um absurdo que Doria tenha endossado falas do ex-presidente Lula. “O pior de tudo, na minha opinião, é quando o ex-presidente Lula fala sobre endossar uma invasão de propriedade privada e confisco. Tudo bem, estamos em uma situação grave de pandemia, mas propriedade privada é sagrada e confisco é absolutamente surreal – que não pode acontecer e muito menos ser endossado. Então, quando você fala que o governador de São Paulo, João Doria, faz esse pequeno aceno, por mais que não seja, neste momento, uma aliança política, ele está tentando se colocar acima dessas questões políticas – o que é impossível – e se torna oportunista. Mas eu acho que isso vai ser um tiro no pé, que está cometendo suicídio político, basicamente, porque as pessoas que votaram nele contra o PT, na [candidatura à] prefeitura e contra o Márcio França, no governo de São Paulo, não vão esquecer esse aceno ao petista Lula”, continuou.
Para ela, a crise de saúde atual não é justificativa para o caso. “Acho que a questão política, obviamente, deve ser minimizada no meio da pandemia, mas não podemos esquecer que o Lula continua sendo um dos responsáveis pelo esquema de corrupção megalomaníaco, que descobrimos pela Operação Lava Jato, que é bandido condenado e chefe de quadrilha, como já foi dito pela Justiça”, avaliou. “E o Doria fazer esse tipo de aceno e ainda com essa questão de confisco e invasão é absolutamente surreal”, afirmou.
Com o rumo da conversa apontado para as condenações da Lava Jato, Renata citou que as provas contra Lula são irrefutáveis e confirmadas pelos tribunais de instâncias superiores. “Então, para mim, isso nem é uma questão de discussão”, disse ela. Thiago, contudo, discordou sobre a condenação do ex-presidente Lula. “A Justiça disse isso, que o ex-presidente Lula foi condenado, mas e se disser que ele foi julgado por um juiz que tinha interesses políticos com isso? Como é que fica?”, questionou.
Argumentos finais
Em seus argumentos finais, os dois debatedores abordaram as temáticas sobre a suposta aproximação entre Doria e Lula e o embate entre Bolsonaro e Mandetta.
Renata Barreto citou que emergência por pandemia não é motivo para se aliar a qualquer um. “Primeiro que eu acho que a gente não pode confundir baixar as armas com apenas a questão política. Em momentos de pandemia, a gente não pode se aliar a pessoas por quem temos completa ojeriza. Uma coisa é a gente se aliar do ponto de vista da saúde e da economia, mas não podemos esquecer qual é a intenção dessas pessoas”, defendeu.
“Está todo mundo superpreocupado com a pandemia, mas fazendo oportunismo político e atacando o governo em uma coisa que eles sabem que os trâmites são complexos. Então, esse oportunismo é preciso ser enxergado porque, da mesma maneira que as Farc na Colômbia baixaram as armas e pediram o cessa-fogo, eles não são humanistas e nem pessoas preocupadas com a saúde da população. Isso, para mim, transcende o bom senso”, continuou.
Ela concluiu sua fala abordando a questão sobre Bolsonaro e Mandetta, e citou a problemática da comunicação do governo. “Agora, em relação ao presidente Bolsonaro, eu até faço um apelo para que ele escute as alas mais moderadas do governo porque existe realmente problemas na comunicação. Se existem problemas com o ministro Mandetta e uma falta de alinhamento em relação aos pensamentos, que a comunicação esteja mais alinhada. Isso vai fazer uma diferença enorme, não só em como as pessoas enxergam o governo, mas também como as ações vão ser feitas daqui para frente”, finalizou.
Thiago Anastácio, por sua vez, iniciou o fala final questionando a conduta do presidente e uso da claque de apoiadores diante da crise. “O que me importa bastante e é relevantíssimo que eu fale é que o presidente da República está agindo de uma forma absolutamente contrária aos interesses dessa pessoas, que são manipuladas a partir de robôs de internet e claques. O que é a claque? São as pessoas que você leva e tem certeza de que vão bater palmas. A claque é o aplauso combinado por pessoas dessa linha”, apontou.
O advogado falou sobre o problema da falta de entendimento dentro do próprio governo. “Renata falou que o presidente precisa falar com as alas mais moderadas sobre a comunicação. Não há jeito de comunicação nesse governo, porque não se quer a comunicação. Essas pessoas vivem do confronto, sempre viveram. Elas sempre saudaram a violência, a intolerância, o fechamento da imprensa, a ditadura militar e depois, dentro de suas prórpias loucuras, ditadores do outro lado, de esquerda. O que é absolutamente abominável. Nós precisamos hoje confiar em quem? A liderança é o drama brasileiro desse momento”, completou.
Em relação a Doria e Lula, ele rebateu a alegação de oportunismo com um questionamento: “Eu tenho problemas em falar de oportunismo por uma razão: será que essas pessoas também não podem, na mais remota das possibilidades, estar preocupadas? Por que aos adversários do presidente falamos em oportunistas e a esse presidente, com essas atitudes, falamos em problema de comunicação e não uma pessoa que está despreocupada com ela?”.