Maurício Pestana: nossa guerra de cada dia
Dados governamentais do ano passado mostram que o número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentou 106% em apenas um ano
Em tempos de guerras, conflitos armados, parece que falar em inclusão, respeito à diversidade, ESG são assuntos supérfluos, questões, que não se conectam aos fatos mais urgentes do nosso dia a dia, será?
Um dos componentes do conflito que se desenvolve hoje na faixa de Gaza é o fator religioso, as diferenças entre judeus e o mundo árabe de maioria mulçumana principalmente, uma ala mais radical do islamismo tem mostrado que fé, estado, poder, exclusão, disputa por território quase sempre termina em guerra sem deixar de lado, é claro naquele caso, o impasse para a criação de um Estado palestino. Isso tudo esta mais presente entre nós do que imaginamos.
O conflito entre judeus e palestinos, além das questões citadas acima, tem outros componentes, que conhecemos de perto aqui no Brasil, como: exclusão, falta de perspectiva de parcela da nossa juventude abandonada.
Obviamente, não temos aqui a luta por um Estado, como os palestinos, porém alguns territórios em nosso país, principalmente as periferias das grandes cidades, se assemelham um pouco de alguns cenários como a faixa de Gaza em termos de poder, toque de recolher, segregação e violência. Aqui a falta de presença do estado em alguns territórios cria espaços férteis para que outras formas de poder floresçam e dominem essas áreas.
A juventude negra é a que mais sofre com a violência e falta de perspectivas nesses locais, seja, pelo desemprego, pela falta de equipamentos públicos de lazer, educação e outros fatores de desenvolvimento.
Os números falam por si só; negros eram 72,9% dos desocupados do país, de um total de 13,9 milhões de pessoas. Embora os dados sejam de 2020, os números eram alarmantes quando 14,1 milhões de pessoas estavam desempregadas, a maioria vivendo nessas comunidades.
Voltando a Gaza, a desesperança levou, na metade da primeira década deste século, por via de eleições, o Hamas ao poder, e as coisas só pioram por lá. Entre os fatores para a piora, também contribuíram embargo econômico liderado por Israel e Estados Unidos, fazendo com que hoje o desemprego atinja metade daquela população, que vive abaixo da linha da pobreza, onde três quartos são de jovens, que nessa faixa de idade, o desemprego atinge a 40%.
Mesmo estando distantes do Oriente Médio geográfica, política e religiosamente, aqui também se desenvolve um tipo de intolerância religiosa. Dados governamentais do ano passado mostram que o número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentou 106% em apenas um ano; passou de 583, em 2021, para 1,2 mil, em 2022, uma média de três casos por dia. O estado recordista foi São Paulo, seguido por Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
É cedo demais para comparar uma situação explosiva daquela magnitude, seja no campo da intolerância religiosa ou por um futuro incerto por conta de principalmente da não concretização de um estado palestino inclusive já deliberado pela ONU há muitas décadas. Mas as cenas das motocicletas e metralhadoras que correram mundo afora pouco diferem do que vemos cotidianamente em muitas comunidades do Rio de Janeiro, por exemplo.
A falta de perspectiva para a juventude brasileira e um crescente avanço do crime organizado empregando parcela desses jovens, hoje, nas comunidades abandonadas pelo poder público é um estopim que não podemos prever onde pode parar num futuro não muito distante.
Somente com políticas de inclusão social, racial, econômica, gerando e distribuindo renda com mais diversidade, participação e democratização poderemos desenhar um futuro diferente e melhor para o nosso país. Sem isso os exemplos estão aí, e os componentes explosivos também!
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