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    Mauricio Pestana: Bullying à brasileira

    Tragédia que sucedeu na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, jogou luz a um problema secular no ensino público e particular brasileiro, o de como lidar com situações de racismo cotidianamente institucionalizadas e na maioria das vezes banalizadas, que vão se consolidando e disseminando ódio, exclusão, preconceito e, invariavelmente, mortes

    Maurício Pestana

    Existem aquelas invenções que são reivindicadas às vezes por pessoas, instituições e até países, que acabam sempre criando dúvidas e controvérsia de quem saiu na frente, quem inventou ou quem registrou.

    Um exemplo disso é o avião, meio de transporte no qual todos os brasileiros reverenciam a paternidade dada a Santos Dumont, mas o irmão do norte, ou melhor, dos Estados Unidos atribui a invenção a Olivelle e Wilburt, mais conhecidos como irmãos Wright.

    Esta semana ficou marcada por uma palavra bastante conhecida entre nós, de origem inglesa: bullying.

    Os estudos a respeito deste fenômeno datam de meados dos anos de 1970. Desde então a ação de agressores no ambiente escolar levam essa denominação. A palavra de origem inglesa é específica para práticas sistemáticas de intimidação, que acontece por vezes de forma física, psicológica e hoje não se estende mais apenas ao ambiente escolar.

    O termo pode ser inglês, mas muito antes da sua popularização em países como Reino Unido, Estados Unidos e, principalmente, na Noruega, nos anos de 1980, aqui no Brasil ativistas da causa negra já sabiam dos efeitos nefastos destes atos na formação das crianças negras, haja visto que, antes mesmo de o nome se popularizar, a primeira reivindicação do movimento negro já nos idos de 1970 era de ter uma lei que obrigasse o ensino da história da África e de seus descendentes em toda nas escolas, como forma de combater o racismo, comum nas imagens e conteúdos dos livros escolares, em nossos equipamentos educacionais. Nascia assim muitos anos depois a lei 10.639.

    Era nítido, décadas atrás, antes mesmo da palavra bullying, a luta contra o racismo no ambiente escolar, que é disparadamente o lugar mais hostil, perverso e onde crianças negras têm o primeiro contato com práticas racistas, seja pelo espelho que esses lugares refletem da sociedade desigual e racista ou por serem espaços de produção de conhecimento, sempre relegado a uma minoria branca em nosso país.

    A tragédia que sucedeu na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, jogou luz a um problema secular no ensino público e particular brasileiro, o de como lidar com situações de racismo cotidianamente institucionalizadas e na maioria das vezes banalizadas, que vão se consolidando e disseminando ódio, exclusão, preconceito e, invariavelmente, mortes.

    Faço parte de uma geração que deixou como legado uma lei que tem como base exatamente reduzir o racismo na sala de aula.

    Qualquer pessoa negra neste país sabe exatamente que o primeiro lugar onde somos afetados pelo racismo é o ambiente escolar, principalmente nos primeiros anos do ensino, aonde essas ações vão, desde o apelido normalmente colocado aos meninos e meninas negras, até a exclusão de determinadas brincadeiras e atividades dos “privilegiados” social ou racialmente da nossa sociedade.

    A morte da professora Elizabete Tenreiro é a face trágica de um período divisionista, doente pós-pandêmico que vivenciamos, onde o atraso educacional e a força da influência digital têm mais poder que o livro, potencializando o obscuro lado do ódio, da impunidade e superioridade racial, elementos essenciais para a prática do racismo.

    A educação vem de casa. Essa foi uma frase que ouvi muito na minha casa na infância. Hoje estudando outros lares eu mudaria essa frase para “a educação vem de casa, mas o racismo também vem”. E se a escola é uma extensão da educação vinda de casa, cabe um esforço redobrado do Estado, da sociedade. E dos indivíduos, a luta constante contra o racismo.

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