Mãe e filho são denunciados por submeterem idosa a trabalho escravo no Rio
Trabalho na casa da família começou quando a vítima tinha 12 anos, em 1940; ela era submetida a jornadas exaustivas e sem remuneração
Por mais de 70 anos, a idosa Maria de Moura era submetida a jornadas exaustivas de trabalho e sem remuneração na casa de uma família, no Rio de Janeiro. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), ela fazia serviço doméstico e vivia em condições degradantes, sem liberdade para se locomover e de tomar decisões da própria vida.
A condição análoga à escravidão era mantida por Yonne Mattos Maia e André Luiz Mattos Maia Neumann. Mãe e filho foram denunciados à Justiça Federal na última sexta-feira (16), pelo MPF, que também pediu uma indenização no valor de R$ 150 mil, por danos morais à vítima.
Uma vida de exploração
Ainda segundo o Ministério Público, a exploração começou na década de 1940, quando Maria de Moura, aos 12 anos, foi chamada para “morar e brincar” com as crianças da Fazenda Estiva, onde seus pais trabalhavam. Na época, a propriedade pertencia a Yvonne Mattos Maia e Geraldo Maia, pais de Yonne Mattos.
Natural do município de Vassouras, no centro-sul fluminense, a vítima nunca pôde estudar e serviu ao menos três gerações da família Mattos como trabalhadora doméstica. Até o resgate, em maio de 2022, ela dormia em um precário sofá ao lado do quarto da “patroa”, para que exercesse a função de sua cuidadora em todos os momentos.
De acordo com o procurados Eduardo Benones, responsável pela denúncia, durante o período de exploração, Maria de Moura foi impedida de construir vínculos pessoais e de desenvolver interesses próprios. Segundo o MP, André Mattos detinha o telefone da trabalhadora doméstica e chegava a apagar o número dos contatos de familiares, que raras vezes a telefonavam. Quando essas ligações ocorriam, André mantinha a chamada no modo “viva-voz” para ouvir o que estava sendo falado pelos familiares de Maria.
Preocupados, os parentes da vítima acionaram a Política Militar em dezembro de 2021. A entrada da casa era mantida com corrente e cadeado e Maria não tinha a chave, portanto, não podia sair do imóvel, o que caracteriza cárcere privado.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) obteve, então, autorização judicial para entrar na residência. Durante a fiscalização, André de Mattos foi flagrado coagindo Maria de Moura a mentir para as autoridades, ordenando que ela negasse que prestasse qualquer tipo de trabalho à família.
No entanto, vizinhos relataram que conheciam a vítima como empregada da casa e que a viram durante décadas realizar serviços domésticos na residência e fazer compras na feira, também aos fins de semana. Testemunhas confirmaram ainda que Maria constantemente sofria agressões verbais oriundas do pai de André.
Nas investigações, foi constatado que a família retinha o documento de identidade e o cartão de banco da idosa, sacando seu benefício previdenciário. Parte do dinheiro era guardado por André, que mesmo não realizando o pagamento da remuneração de Maria pelos serviços domésticos, determinava que ela pagasse itens de uso pessoal e medicamentos.
Além de pedir a condenação por submeter a idosa a condições análogas à escravidão, André Luiz também foi acusado do crime de coação por meio de atos de violência, após ameaçar Maria de Moura durante a fiscalização do Ministério Público do Trabalho; e de apropriação de rendimentos de pessoa idosa, por ter retido o cartão magnético de saque do benefício previdenciário de Maria de Moura.