Liminar mantém réus da boate Kiss em liberdade; entenda o julgamento em 4 pontos
Espuma que espalhou fogo foi alvo de debate durante julgamento sobre a segunda maior tragédia do tipo no país desde incêndio em Niterói, em 1961
Responsável por presidir o júri sobre o incêndio da Boate Kiss, o juiz Orlando Faccini Neto chegou a decretar a prisão dos quatro réus, mas um habeas corpus concedido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu a medida. Os desembargadores do TJ-RS vão analisar o caso.
O habeas corpus foi dado inicialmente a Elissandro Spohr, conhecido como Kiko, que era sócio da boate que pegou fogo em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Depois, foi concedido aos demais réus do julgamento — Mauro Londero Hoffmann, outro sócio do estabelecimento e único que não estava no local na noite do incêndio, Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e Luciano Bonilha Leão, roadie do grupo musical. As defesas dos réus negam responsabilidade pelos mortos e feridos.
Cabe recurso a instâncias superiores. Há ainda discussão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cumprimento imediato de condenações definidas pelo Tribunal do Júri.
“A condenação por dolo eventual é inédita no Brasil para esse tipo de crime e, a partir de agora, temos um marco para que todos saibam que as boates para nossos jovens e os lugares para reunião de público têm de ser seguros para que as pessoas se divirtam e voltem para suas casas com vida”, destacou o promotor David Medina da Silva, um dos que atuaram no júri.
O homicídio culposo é aquele praticado sem intenção. Já o doloso, diz o Código Penal, é aquele em que se reconhece que o autor quis ou assumiu o risco de causar a morte.
O desastre na casa noturna, que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas, começou no palco, onde se apresentava a banda Gurizada Fandangueira, após um show pirotécnico.
Confira os principais pontos do julgamento:
1) Maior pena foi para o sócio da boate Kiss que estava no local do acidente
A condenação e a estipulação das penas também levou em consideração as circunstâncias em que as mortes aconteceram em meio ao incêndio na casa noturna.
As penas ficaram assim:
- Elissandro Callegaro Spohr (sócio da boate): 22 anos e 6 meses de reclusão
- Mauro Londero Hoffmann (também sócio): 19 anos e 6 meses de reclusão
- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira): 18 anos de reclusão
- Luciano Bonilha Leão (auxiliar da banda): 18 anos de reclusão
2) Julgamento foi sobre a segunda maior tragédia do tipo no país
O incêndio da Boate Kiss é a segunda maior tragédia do tipo na história do Brasil, depois do fogo em 17 de dezembro de 1961 no Circo Americano, em Niterói, região metropolitana do Rio. Nesse acidente, morreram 503 pessoas, na maioria crianças.
3) “Condenação não é vingança, é exemplo para que o Brasil veja crime com dolo”
Uma das falas que mais repercutiram sobre o caso foi proferida pelo pai de uma das vítimas e integrante da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Paulo Carvalho.
À CNN, Carvalho disse que a intenção não era buscar “vingança”, mas uma condenação que sirva como “exemplo” para crimes onde exista dolo eventual – quando se sabe que pode causar a morte e o risco é assumido mesmo assim.
“O que a gente considera justo é o dolo eventual. Essa condenação não é vingança, é um exemplo para que o Brasil veja crime com dolo. Eles [réus] assumiram riscos inúmeras vezes e esses riscos são assumidos por inúmeras pessoas que não tem a virtude de ver os outros como vidas, como pessoas”, disse Carvalho.
4) Espuma que espalhou fogo foi alvo de debate entre defesa e acusação
O fogo que atingiu a boate Kiss se alastrou pela espuma que revestia o palco e o teto da casa noturna para isolamento acústico. O fogo na espuma — incompatível com as normas de segurança — gerou uma fumaça tóxica, responsável pela morte de grande parte das vítimas, segundo peritos.
Após relatos de sobreviventes da tragédia, o júri ouviu o engenheiro Miguel Ângelo Pedroso, que foi contratado para reformas na casa noturna. Ele afirmou ter desaconselhado o uso de espumas no local, mas declarou que um dos sócios da Kiss insistiu na ideia.
Os advogados de defesa afirmaram, ao longo do julgamento, que seus clientes não agiram com intenção, que o incêndio foi um acidente, e que os próprios réus poderiam ter sido vítimas fatais.