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    José Vicente: “Conseguimos tornar realidade o que era somente um sonho”

    Reitor da Zumbi dos Palmares conta como a educação mudou o rumo da sua trajetória e auxiliou na criação de uma universidade negra no Brasil

    Letícia Vidicada CNN , em São Paulo

    “Eu tive um sonho”. Essa é a famosa frase do principal líder na luta pelos direitos civis dos negros americanos na década de 60: Martin Luther King Jr. No século seguinte e num país diferente, outro homem negro também teve um sonho e, inspirado na trajetória de Martin, não só concretizou o seu sonho de criar uma universidade negra no Brasil, mas segue travando uma luta incessante pela inclusão do povo negro através da educação.

    “Martin Luther King foi de longe a pessoa mais importante dentre as vozes que me inspiraram. Foi dele que eu bebi toda essa luta”, diz José Vicente, professor, advogado e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.

    Vinte anos depois da sua criação – em 2003 – a Zumbi dos Palmares já formou cerca de 5.000 jovens – em sua maioria negros.

    “A Zumbi continua sendo a única instituição negra criada por negros, construído por negros da história do Brasil. Ela se transformou na materialização de um sonho coletivo. E também na realização de um recorte histórico político do nosso país”, explica o reitor.

    Um sonho coletivo que começou, literalmente, na mesa de um bar numa roda de conversa entre alunos da Faculdade de Sociologia Política da USP.

    “Nosso grupo, em algum momento, teve a loucura de pensar na construção de uma universidade negra como aquelas construídas nos Estados Unidos pelos negros americanos. Então, foi com esse sonho na cabeça que a gente fez essa imersão para dentro dessa questão. E, para o final, iniciar o projeto de construção da Zumbi dos Palmares”, explica José Vicente.

    Segundo o reitor, o fato de serem tão poucos alunos negros na Universidade os incomodava, já que sempre tivemos uma população negra em maioria no país.

    Logo após essa conversa no bar, José Vicente foi convidado por um membro do governo americano a conhecer as universidades negras americanas. Retornou decidido de que tinham que fazer algo semelhante no Brasil.

    “A gente tinha a convicção de que sem a educação nós não conseguiríamos consolidar esse processo de liberdade”, reforça o advogado, que saiu da zona rural do interior paulista, na cidade de Marília, onde chegou a trabalhar como boia-fria nas lavouras.

    “Minha história teve vários começos. O principal foi a minha rebelião àquela condição porque aquele sol escaldante e aquela força física bruta me fizeram compreender que não era aquilo que eu queria para o resto dos meus dias.  Ali, eu decidi me dedicar demais aos estudos e depois correr atrás dos meus sonhos, que era ser um doutor”, explica.

    Mesmo com pouco estudo e uma vida difícil na roça, a mãe de José Vicente foi quem sempre o incentivou a estudar.

    “Mesmo na lavoura, ela teve esse insight de pensar um futuro para os filhos a partir da educação, do trabalho, da honestidade e do trabalho profundo e intenso para alcançar os objetivos.”, explica o reitor, que é fruto de uma família de seis irmãos e que perdeu o pai ainda bebê, quando tinha apenas um ano.

    Somente com a sua vinda para São Paulo para estudar que José Vicente teve um contato mais próximo com o fervor da militância negra e se uniu ao movimento, atuando como um personagem muito importante da história do Brasil na luta antirracista através da educação.

    “Todo mundo sabe de cor e salteado que o que liberta as pessoas e consolida e mantém a liberdade e a igualdade é o conhecimento. Se o negro não podia ter acesso ao conhecimento até antes das cotas, significa que somente com as cotas que o processo de libertação verdadeira começou. Somente com as cotas, nós começamos efetivamente a implementação da abolição no nosso país.”

    Inspirado por grandes nomes da luta negra contra o racismo, como Mandela, Martin Luther King Jr e Luiz Gama, o reitor segue no desejo maior de inspirar e trabalhar em prol dos jovens.

    “A nossa juventude indevidamente não é respeitada, não é acolhida, não é oportunizada. Ela tem tido ceifada até a possibilidade de sonhar, de ter utopias e eu só consegui realizar minha obra porque eu estava numa ambientação que me permitiu ter sonhos, que me permitiu ter ambição.”

    E acreditando na força da educação como mola propulsora de mudanças, José Vicente manda um recado para as futuras gerações de que “é indispensável que se apropriem da educação como uma ferramenta da manutenção da sua libertação. E que cada jovem possa descobrir dentro de si a sua potência e ter a oportunidade de pelo menos caminhar na direção de torná-la realidade.”

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