Dívida de estudantes inadimplentes com o Fies soma R$ 6,7 bilhões
Metade dos contratos está nesta situação, que atinge cerca de um milhão de beneficiários
Depois de o governo federal anunciar a intenção de anistiar em até 92% os devedores do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), um levantamento da CNN a partir de dados do Ministério da Educação (MEC) mostra que a medida beneficiaria pouco mais de um milhão de pessoas. Esse é o total de inadimplentes, isto é, clientes que possuem contratos com atraso de pelo menos três meses. O saldo em atraso soma cerca de R$ 6,7 bilhões.
A taxa nacional de inadimplência de contratos está em 50%. No entanto, o nível só é inferior à média em apenas em nove unidades da federação. O Amapá, no Norte do país, apresenta a maior proporção de inadimplentes: 75%. A menor é encontrada em Santa Catarina, onde 22% dos contratos se encontram nesta situação.
Em números absolutos, São Paulo, estado mais populoso do país, concentra a maior parcela de devedores: 269,2 mil. Em seguida, aparecem Minas Gerais (90 mil), Bahia (72 mil) e Rio de Janeiro (67,2 mil). Na outra ponta, estão estados pouco populosos do Norte do país: Roraima (3,3 mil), Acre (7,3 mil) e Amapá (9,7 mil).
O Fies é uma modalidade na qual os estudantes cursam o ensino superior com uma parte do valor das mensalidades financiado, até o limite de 92%. O valor não pago será quitado após a formação. No Brasil, cerca de 85% das vagas brasileiras no ensino superior são oferecidas por instituições privadas.
Representantes das universidades e de suas mantenedoras têm posições diferentes com relação a uma eventual anistia. A proposta, contudo, não afetaria o recebimento dos valores por parte das instituições de ensino, uma vez que os débitos seriam quitados pelo estado.
Diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas não vê problemas em uma eventual anistia. “É o tipo de prática que acontece com frequência em uma série de setores da economia, não há motivos para que não funcione também na educação”, pondera.
Entidades pedem reformas no programa
Para o Semesp, entidade que representa as mantenedoras de ensino superior no Brasil, o ideal é que houvesse uma reforma no programa, que o adaptasse desde já, com os contratos em vigor, ao modelo australiano. Nele, os alunos quitariam as parcelas de maneira proporcional aos rendimentos que apresentem. Se ficarem desempregados ou sem renda, não precisam pagar naquele período, sem que tenham seus nomes negativados.
A ideia é defendida também pela Abmes, mas a partir de uma reforma que a faça valer apenas para novos contratos. Para Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, fazer com que os detentores de contratos em vigor paguem suas parcelas é uma questão de justiça com os beneficiários que honram as parcelas e com futuros candidatos.
“A quitação das parcelas é importante porque ajuda a recompor os recursos do fundo e, assim, beneficiar outros estudantes que vão tentar o financiamento nos semestres seguintes”, avalia Capelato.
As duas entidades concordam, no entanto, que o debate sobre a anistia abre as portas para outra discussão que consideram fundamental: a revisão do formato do programa. Entre as mudanças mais desejadas pelos empresários da educação, está o aumento do número de vagas oferecidas. O número caiu de 875 mil em 2013 para apenas 93 mil em 2021.
“Além dessa redução abrupta, atualmente, não tem sido fácil preencher o número de postos abertos, por conta dos critérios de seleção. Basicamente, os alunos que têm as melhores notas não estão na faixa de renda que os possibilite se beneficiar do programa, uma vez que a renda familiar mensal bruta, por pessoa, precisa ser até três salários-mínimos. E é preciso somar pelo menos 450 pontos o Enem, sem zerar a redação”, afirma Sólon Caldas.
Capelato concorda e defende ainda que o programa volte a financiar 100% das mensalidades, uma medida que ajudaria a evitar a evasão. Sobretudo, com relação aos cursos que costumam ter as mensalidades mais caras, como medicina a odontologia.
“Um curso de medicina chega a custar R$ 10 mil por mês. Um estudante com renda de até três salários-mínimos, na melhor das hipóteses, teria que pagar R$ 800, e ele não tem esse recurso. É necessário entender que isso não é uma gestão bancária, financeira, apenas. É uma política pública, que precisa ser efetiva”, conclui.
As entidades que representam o setor esperam debater questões como essas quando o governo apresentar o texto da proposta de anistia, que será proposta por meio de uma Medida Provisória (MP) e precisará tramitar pelo Congresso Nacional.