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    Colega conta como foram as últimas horas do médico que morreu em abrigo no RS; leia relato

    "Estava feliz, não estava sentindo nada", diz dermatologista sobre o estado de Leandro Medice na noite anterior

    Fábio Munhozda CNN , Em São Paulo

    O dermatologista Carlos José Cardoso publicou em suas redes sociais um vídeo comentando o ocorrido com o médico Leandro Medice Passos Costa, 41 anos, que morreu na última segunda-feira (13) em um abrigo na cidade de São Leopoldo (RS), na região metropolitana de Porto Alegre. Cardoso estava acompanhando Leandro na viagem para o Sul do país.

    Segundo Cardoso, horas antes de ser encontrado morto, Leandro demonstrava estar bem. A dupla deixou o Espírito Santo na madrugada de domingo (12) para atuar, de forma voluntária, no atendimento às vítimas da chuva no Rio Grande do Sul. No dia seguinte, Leandro foi encontrado morto. 

    Ao longo de todo o domingo, afirmou Cardoso, ambos atenderam normalmente. No fim do dia, voltaram para o abrigo onde dormiriam e conversaram até perto da meia-noite.

    “Combinamos de eu ficar no plantão à noite, porque ele estava um pouco mais cansado, mas estava bem. Estava feliz, não estava sentindo nada. A gente conversou bastante antes de ele dormir. Eu até brinquei com ele que eu iria dormir no outro quarto, porque ele ronca”, disse o dermatologista. Leia o relato completo abaixo.

    Conforme o relato publicado no vídeo, Cardoso fez uma ronda pelo local por volta das 4h e percebeu que Leandro estava respirando. “Eu fui do lado dele e ele estava roncando um pouquinho”, contou.

    Pouco depois, entre 5h e 6h, o dermatologista voltou para chamar o colega. “Ele estava em uma posição parecendo um pouco desconfortável. O ambiente não estava tão claro ainda. O dia não tinha nascido e eu não quis acordá-lo naquele momento.”

    Cardoso afirmou que, após cerca de meia hora, foi novamente ao local onde Leandro dormia. “Como ele não respondia meu chamado, eu fui apalpá-lo e ele estava frio já. E aí eu constatei que ele tinha morrido. Foi um susto muito grande, porque, embora nós sejamos médicos, não estava psicologicamente preparado.”

    Causa da morte

    A clínica onde Leandro trabalhava fez uma postagem em uma rede social na qual afirma que o médico sofreu um mal súbito. De acordo com Cardoso, porém, ainda não se sabe o que causou essa situação.

    “A gente não sabe o que é [que provocou a morte]. A imprensa estava falando que era enfarto. A gente não sabe o que é. Ele não tinha sinais de quem enfartou. Até porque ele era cardiologista e, se ele tivesse sentido alguma dor, alguma coisa, ele teria me chamado. Eu estava acordado, ele sabia que eu estava ao lado”, destacou.

    “Ele teve uma morte abrupta, uma morte imediata que a gente não sabe o que é. Pode ser várias possibilidades: um derrame, uma embolia, uma série de problemas que até agora a gente não sabe o que é”, complementou Cardoso.

    “Morreu como herói”

    Apesar da tristeza pela morte, o dermatologista afirmou que, por outro lado, a situação traz alívio. “Foi a morte como herói, cumprindo a palavra de Deus. Isso faz muita diferença e conforto para nossas vidas”, comentou.

    “Traz, ao mesmo tempo, felicidade de que ele morreu fazendo o que ele queria fazer: ajudando ao próximo, que foi a mensagem de Cristo, que é levar pão a quem tem fome, levar conforto a quem está tá desconfortável. E isso ele estava fazendo”, acrescentou.

    Velório e enterro

    O velório de Leandro está previsto para começar ainda nesta terça-feira (14), às 21h, no cemitério Jardim da Paz, em Serra, no Espírito Santo. O enterro está programado para amanhã, às 10h.

    Leia a íntegra do relato do colega:

    “Olá pessoal. Eu sou o Carlos José Cardoso, médico que estava acompanhando o Dr. Leandro, que faleceu durante nosso trabalho de ajuda humanitária no Rio Grande do Sul.

    Eu vou dar um relato porque em cada situação, cada um fala uma coisa. E realmente eu que estava lá mais próximo, né? Vou dar um relato para que não fique cada mídia falando coisas diferentes.

    Nós trabalhamos no sábado aqui, eu fazendo transplante capilar até 1 hora da manhã, e ele fazendo transplante capilar na outra clínica dele, também até 23h ou meia-noite.

    Fomos juntos para o aeroporto. Nós fomos em um avião privado, que saiu 4 horas da manhã. Mas ele tava muito bem, muito feliz por nós estarmos fazendo isso. Mais uma médica do Rio Grande do Sul que se juntou ao grupo. Chegamos lá e já fomos direto atender no domingo.

    Atendemos o dia todo. Nós estávamos em um abrigo com 1.600 pessoas, 500 crianças e mais uns 200 cachorros. Tinha até cachorro no abrigo. Era muita gente: ala de idoso, ala de criança, ala de jovem. E só havia dois médicos recém-formados. Como a gente é mais velho, temos mais experiência, fez bastante diferença, porque a gente conseguiu dar resolutividade, tanto ele como cardiologista e clínico, e atendemos bastante durante a noite.

    Nós fomos em outro abrigo atender mais pessoas, porque, no final de semana, os médicos voluntários também ficaram com as suas famílias. Foi Dia das Mães no domingo. E [depois dos atendimentos] voltamos [ao abrigo] e a gente até ficou conversando até em torno de meia-noite. Combinamos de eu ficar no plantão à noite, porque ele estava um pouco mais cansado, mas estava bem, estava feliz, não estava sentindo nada. A gente conversou bastante antes de ele dormir. Eu até brinquei com ele que eu iria dormir no outro quarto, porque ele ronca.

    E aí, às 4h da manhã, eu acordei para dar uma vistoria e percebi que ele estava respirando. Eu fui do lado dele e ele estava roncando um pouquinho. E às 5 ou 6 horas eu levantei para poder acordá-lo, para a gente começar a se preparar para o atendimento. Cheguei no quarto, chamei ele –eu não chamei muito alto, não. Ele estava em uma posição parecendo um pouco desconfortável. O ambiente não estava tão claro ainda. O dia não tinha nascido e eu não quis acordá-lo naquele momento.

    Voltei 30 minutos depois. E aí, como ele não respondia meu chamado, eu fui apalpá-lo e ele estava frio já. E aí eu constatei que ele tinha morrido. Foi um susto muito grande, porque, embora nós sejamos médicos, não estava psicologicamente preparado. Aí eu constatei a morte dele.

    A gente não sabe o que é [que provocou a morte]. A imprensa estava falando que era infarto. A gente não sabe o que é. Ele não tinha sinais de quem enfartou. Até porque ele era cardiologista e, se ele tivesse sentido alguma dor, alguma coisa, ele teria me chamado. Eu estava acordado, ele sabia que eu estava ao lado.

    Ele teve uma morte abrupta, uma morte imediata que a gente não sabe o que é. Pode ser várias possibilidades: um derrame, uma embolia, uma série de problemas que até agora a gente não sabe o que é.

    O corpo dele está no IML. Deve vir hoje ainda, durante o dia ou no final da tarde. Ontem a gente ficou o dia todo tentando trazer o corpo dele, porque ele não está fácil. Não tem aeronave, não tem lugar para pousar. São raros os lugares que tem e não pode vir em qualquer avião. Ele tem que vir em um avião que possa trazer a urna dele.

    Então é isso. Traz, ao mesmo tempo, felicidade de que ele morreu fazendo o que ele queria fazer: ajudando ao próximo, que foi a mensagem de Cristo, que é levar pão a quem tem fome, levar conforto a quem está tá desconfortável. E isso ele estava fazendo. Foi a morte como herói, cumprindo a palavra de Deus. Isso faz muita diferença e conforto para nossas vidas.”

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