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    CNN No Plural+: Não somos velhos, somos jovens há mais tempo

    Como o envelhecimento é tratado dentro e fora da comunidade LGBTQIA+

    Rafael Câmarada CNN , São Paulo

    Onde você vai estar daqui a 15 anos?

    Essa eu ainda consigo responder.

    Mas e daqui a 30?  Eu hoje tenho 40.

    Nunca parei para pensar.  Até receber um folheto, no meio da Parada do Orgulho LGBTQIA+ em São Paulo, de uma ONG chamada Eternamente Sou – focada em ajudar e dar assistência a pessoas idosas da comunidade LGBTQIA+.

    E quem me entregou fez exatamente essa pergunta: onde você quer estar daqui a alguns anos?

    No meio daquele tumulto da parada, com música, gente bonita, e só alegria a resposta era clara para mim: nas festas, onde mais?

    Pensei, mas não falei. Que bom.

    Eu estou sempre cercado de tanta gente animada, jovem, sarada…

    Onde estão nossos irmãos mais velhos?

    Porque a gente envelhece, mas será que ficamos invisíveis até mesmo perante a nossa comunidade quando isso acontece?

    Nós somos engajados, militantes e dispostos a levantar a bandeira toda vez que nossos direitos são ameaçados.

    Mas será que olhamos para todos nós? Mais uma vez isso não é uma crítica – e sim uma dúvida.

    Quais são as reais questões, que cada letra da comunidade carrega quando chega na terceira idade?

    Muitas dessas pessoas que hoje tem 60, 70 anos deixam seus núcleos familiares no interior ou em outros lugares e vão viver dentro de suas redes de amigos, vamos dizer assim, daquelas pessoas que as aceitam como elas são. Muitas delas, quando chegam à velhice, os seus pares também estão velhos ou velhas. E essas pessoas começam a perder os seus pares, os seus contemporâneos e começam ter necessidade de redes de apoio que as fortaleçam. Aí mora a solidão

    Luís Baron, presidente da ONG Eternamente Sou

    E essa solidão só aumenta, já que, vale lembrar, muitos desses que hoje estão mais velhos tiveram que cortar os laços ainda jovens com familiares por conta do preconceito.

    E justamente por isso é tão importante, especialmente para nós da comunidade LGBTQIA+, ter uma rede sólida para que possamos nos fortalecer.  É aí que entra o trabalho da Eternamente Sou.

    “É uma organização não governamental que iniciou seus trabalhos em 2017 por meio de um coletivo de profissionais mobilizados pela necessidade da implantação de serviços e projetos voltados ao atendimento psicossocial a pessoas idosas LGBTQIA+. Considerando o preconceito, intolerância e a invisibilidade sofrida por esse público”, acrescenta Luís Baron, presidente da Eternamente Sou e que atualmente tem 62 anos.

    É tão amplo imaginar o que pode ser feito para que nós possamos ter uma velhice menos dolorosa.

    Antes de mais nada, precisamos ter acesso a um sistema de saúde pensado para nós, pois ninguém tem dúvida de que pessoas trans, por exemplo, que já sofrem tanto para serem assistidas, vão precisar de ainda mais cuidados na terceira idade.

    Isso é o básico.

    Mas, mentalmente, estamos preparados para envelhecer?

    Nós que, em sua maioria, demoramos tanto para amadurecer.

    Eu lembro que a primeira vez que eu amei alguém, meu primeiro namorado, eu tinha uns 30 anos. E quando terminou eu parecia ter 15 de tanto que doeu.

    Não doeu porque o amava loucamente, mas porque a decepção amorosa, que costuma acontecer aos 15, como ia acontecer comigo se eu olhei para mim de verdade aos 27?

    Aí parece que a sua vida inteira é jogada para frente. Adolescência aos 30, vida adulta aos 50 e terceira idade sei lá quando.

    Como meu amigo Jhamilton Eduardo diz: síndrome de Peter Pan.

    E quem já na terceira idade decide se assumir?

    Eu sempre tinha a Aninha dentro de mim, né? É porque como eu não conseguia me vestir de mulher, então desde criança eu pegava as calcinhas da minha irmã e ficava me olhando no espelho. Às vezes escondia embaixo do meu travesseiro, e minha mãe falava perguntava: ‘O que as calcinhas da sua irmã estão fazendo debaixo do seu travesseiro?’. Eu não sei né, mas fui vivendo assim’

    Ana Carolina Apocalypse, influenciadora LGBTQIA+

    Quem conta essa história de coragem é Ana Carolina Apocalypse, que hoje tem 64 anos. Ela ficou famosa nas redes sociais depois de publicar o antes e o depois da transição de gênero – iniciada aos 59 anos. Ela hoje é influenciadora, é procurada por diversas marcas e foi a primeira mulher transexual idosa a desfilar no SPFW.

    Foi muito bom eu ter feito a transição na terceira idade, porque se eu tivesse feito antes, talvez eu não soubesse lidar. Como eu tinha uma boa experiência de vida, já tinha sido casada, tenho uma filha… Então é diferente do adolescente, que tem muitas expectativas de estar com seus 20 anos e se sentir um homem trans, uma mulher trans, né?

    Ana Carolina Apocalypse

    https://www.instagram.com/p/CfALKClvwWT/

    Com certeza as expectativas não são as mesmas, mas acho que o medo do novo e a apreensão de como a mudança será vista pelos outros deve ser quase a mesma.

    Visto pela família ou possíveis namorados.

    Quem também mergulhou no universo da terceira idade LGBTQIA+ foi o ator Alexandre Santucci, drag queen há mais de 11 anos. Ele dá vida à drag Vera Ronzella. Uma senhora que, como toda dama, não revela a idade.  O monólogo construído pelo ator conta as vivências e histórias de uma drag que passou dos 70 anos.

    Infelizmente o público G do LGBT é o que mais segrega, é o que mais discrimina. E eu acho que é importante a gente trazer esse trabalho de conscientização que… Os 40 50 60+ ainda é um público ativo, ainda é um público forte, tanto para relacionamentos, para sexo, quanto para trabalho eu gosto da Vera para poder conscientizar essa comunidade que os 40 (anos) para mim são os novos vinte. Tipo, eu tô vendo gente se realizar, eu estou me realizando profissionalmente aos 35

    Alexandre Santucci, ator e intérprete da drag queen Vera Ronzella

    Eu tive o prazer de ter essa conversa no camarim do teatro, minutos antes da Vera estrear nos palcos. E muito do que eu ouvi do ator Alexandre eu também compartilho. Principalmente do machismo, que existe dentro da comunidade LGBTQIA+.

    Equipe do CNN no Plural+ entrevista Vera Ronzella, na estreia do espetáculo “Vera” / Valeria Goncalves @valeriagomcalvesfotografia

    “A gente é homem, e a nossa sociedade é muito machista. A gente só reproduz o que o homem hétero faz. A gente ama aquilo que a gente mais detesta, né? A gente gosta de homem, mas são os nossos exemplos, são os nossos pais, nossos avós, ou as figuras públicas que a gente vê na mídia. Mas a gente não deixa de ser homem, e o homem, de toda a sociedade, é o que mais segrega. Vamos colocar ainda o homem branco cisgênero. É o que mais segrega”, completa Alexandre.

    Se a gente tem força para repetir o que a gente viu a vida inteira, a gente também tem força para romper padrões.

    Independentemente da idade, para nós da comunidade, a sociedade já nos segrega. E a gente no auge da nossa juventude luta pela inclusão todos os dias.

    Mas isso tem prazo de validade?  Passou dos 30, está fora. Velho demais para ser um de nós.

    Mas quem somos o “nós”?

    A gente tem duas certezas: que a gente vai envelhecer e vai morrer. Então vamos envelhecer da melhor maneira, vamos envelhecer mais jovens. Como diz uma drag amiga minha, ele chama Lulu Kallas, ele já é uma pessoa acima dos 40, a drag dele é classuda e ele fala assim ‘eu não sou velho, eu sou jovem há mais tempo’, e eu acho isso incrível. Eu acho essa frase maravilhosa e eu gosto de absorver isso para a Vera

    Alexandre Santucci, ator e intérprete da drag queen Vera Ronzella

    Desculpa Alexandre ou Vera, peço licença para Lulu, mas também vou usar essa frase.

    E gostei tanto que vai para o título dessa matéria.

    E que a gente se mantenha, em espírito, jovem por muito tempo, e que nosso corpo, já não tão mais jovem, seja respeitado como deve ser. 

    • Produção: Letícia Brito e Carol Raciunas
    Vera Ronzella na estreia do espetáculo “Vera” / Valeria Goncalves @valeriagomcalvesfotografia

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