CNN No Plural+: Direitos LGBTQIA+ na principal mesa de negócios do mundo
“As pessoas LGBTQ foram desproporcionalmente impactadas pela pandemia e outras mudanças sistêmicas globais recentes”, diz Sarah Kate Ellis, CEO da ONG americana GLAAD
tO que nos inspira? Ou melhor: quem nos inspira?
Antes de seguir tentando responder a essas perguntas, quero dividir com vocês o que ficou na minha cabeça a semana toda.
Na coluna da semana passada, falamos sobre LGBTfobia e, na entrevista com o publicitário Galileu, na CNN Rádio, ele falou a seguinte frase: “Eu duvido que se tivesse um gerente LGBT na rede de farmácias, o meu caso seria resolvido mais rápido e com mais respeito”.
Só relembrando: o Galileu teve o nome trocado por “Gaylileu” no cadastro de uma rede de farmácias e por meses não conseguiu alterar de volta. Precisou entrar com uma ação judicial para forçar a alteração –e um acordo para reparação por danos morais.
Voltando: será mesmo esse caso seria tratado de maneira diferente se a empresa tivesse líderes da comunidade LGBTQIA+?
Eu tenho certeza que sim.
Eu e a Sarah Kate Ellis, que é presidente e CEO da GLAAD, uma das maiores ONGs de direitos humanos do mundo e uma das principais vozes no que diz respeito aos direitos e mídia LGBTQIA+.
Sarah é lésbica e uma das maiores líderes quando falamos de representatividade LGBTQIA+ hoje no mundo. Sarah já discursou na Casa Branca, na renomada Universidade de Princeton e há alguns anos é sempre um nome esperado no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.
O Fórum Econômico Mundial é uma organização que tenta achar caminhos e soluções, a nível global, para os grandes desafios da sociedade. Todos os anos, eles juntam as principais autoridades políticas, empresários e líderes da sociedade civil para sentarem juntos nos Alpes Suíços, na cidade de Davos, e discutirem os rumos do planeta em termos de política e economia.
Na reunião deste ano, que termina na quinta-feira (26), foram cerca de 2.500 lideranças dos mais diversos países e setores.
Entre uma reunião e outra, Sarah Kate conseguiu um tempo para conversar com a gente aqui do CNN No Plural+.
“É fundamental que as vozes LGBT+ e de outras comunidades marginalizadas tenham assentos à mesa enquanto os líderes planejam nossa recuperação global. As pessoas LGBTQ+ foram desproporcionalmente impactadas pela pandemia e outras mudanças sistêmicas globais recentes, mas também podemos ser desproporcionalmente úteis na recuperação porque mais e mais pessoas são LGBTQ+”, conta Sarah Kate.
Ter uma ONG como a Glaad nos representando em um local como o Fórum Econômico Mundial de Davos é reforçar a necessidade de sermos vistos e ouvidos – e o crescente reconhecimento que temos tido perante essas lideranças. E como esses líderes negros, gays e trans inspiram.
A visibilidade LGBTQ+ cresce em Davos a cada ano, mas somos lembrados de que os problemas relacionados à baixa representatividade LGBTQ+ decorrem da baixa visibilidade de nossa comunidade nos negócios globais, com apenas quatro pessoas LGBT+ na lista dos CEOs da Fortune 500. Quando as empresas levam suas delegações a Davos, elas devem priorizar vozes sub-representadas, como executivos que são transgêneros ou pessoas LGBT+ negras, para que suas perspectivas únicas possam contribuir para as conversas que acontecem aqui.
Sarah Kate Ellis, presidente e CEO da GLAAD
Eu vejo todos os dias como a minha parceira no CNN No Plural, Letícia Vidica, uma mulher negra e líder, que alimenta os sonhos de outras pessoas negras, que pensam: “Eu também posso chegar lá. E eu me sinto representado”.
Engrossar a lista de líderes LGBTQIA+ é uma urgência, e cobrar das empresas ações efetivas quando olhamos para a diversidade no ambiente de trabalho também – para que pessoas LGBTQIA+, que existem e que compõem as forças de trabalho das empresas, possam chegar em cargos executivos com qualidade de vida e, principalmente, com respeito e dignidade.
A gente sabe que não basta literalmente levantar a bandeira do arco-íris: as companhias precisam ser inclusivas.
Durante a conversa, Sarah Kate Ellis disse que isso está sendo exigido dos CEOs em Davos:
É uma grande oportunidade que a Reunião Anual em Davos esteja ocorrendo logo antes do mês do Orgulho, porque podemos dizer diretamente aos líderes corporativos e governamentais que os verdadeiros aliados corporativos não postam um arco-íris durante o mês do Orgulho em junho e depois desviam o olhar para o resto do ano. Milhares de empresas globais priorizaram com sucesso a inclusão no local de trabalho e criaram locais de trabalho onde os funcionários LGBTQ podem prosperar e receber benefícios iguais
Sarah Kate Ellis, CEO e presidente da GLAAD
Além de lutar para que nós, da comunidade LGBT+ alcancemos, cada vez mais, postos de liderança, a GLAAD quer que as companhias estejam realmente do nosso lado.
Hoje, quase 70 países ainda criminalizam gays, lésbicas e transexuais incluindo centros de negócios como o Catar (o país sede da Copa do Mundo de 2022), Cingapura e a Arábia Saudita.
O que a Glaad questiona e com razão é: por que comercializar com essas nações que nos marginalizam?
No fim da conversa/entrevista com a Sarah, eu quis entender ainda mais se as discussões levantadas em Davos têm ecos aqui no Brasil.
Foi aí que eu conheci o Reinaldo Bulgarelli, educador e secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.
Há nove anos, a ONG reúne grandes empresas na promoção dos diretos humanos ligados à comunidade, além de ações internas de diversidade e consultorias para mudar esse jogo.
“Esse grupo é pequeno ainda no Brasil de empresas efetivamente atuando com os temas de diversidade e inclusão. É uma bolha ainda. E o papel do fórum e o papel das consultorias é ajudar que essa bolha, que esse grupo seja mais ousado com o tema, que ele ajude a trabalhar as questões todas de diversidade na cadeia de valor na sociedade”, explica Reinaldo.
Deixar o ambiente de trabalho plural é criar um local onde as pessoas se sintam a vontade de ser quem realmente se é.
Se você sente que a instituição está falando ‘olha, a gente respeita todas as pessoas’, te nomeia ali no meio, com esses temas todos ditos de adversidade humana, ditos de diversidade, que na verdade são as pessoas na sua pluralidade, isso ajuda a gente a ir se entendendo melhor, a ir se percebendo, porque é uma construção. Essa coisa de você sair do armário todo dia, em vários lugares, em várias situações, isso ajuda também você a contribuir.
Reinaldo Bulgarelli, Secretário Executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+
“Realmente parece que vocês [nós, LGBTQIA+] estão saindo do armário todos os dias”, já dizia o psicólogo do meu marido.
Por isso a importância de ter um ambiente de trabalho que essa porta já esteja aberta, a sala arrumada e a mesa com lugares reservados pra gente.
- Produção: Letícia Brito e Carol Raciunas