Cientistas investigam por que botos estão atacando filhotes na Amazônia
Pesquisadores estudam eventual mudança no comportamento dos botos da Amazônia; alguns deles têm atacado filhotes até a morte, o que não era percebido antes
Cientistas brasileiros esperam dar continuidade neste ano aos estudos que tentam esclarecer os motivos de um comportamento que não havia sido registrado anteriormente nos botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) do Amazonas.
Os pesquisadores aguardam a reativação do financiamento e o fim da pandemia para retomar os estudos e entender por que os machos mais velhos estão atacando os filhotes — e matando-os. O comportamento não tinha sido observado antes de 2013, quando o primeiro caso foi observado.
A pesquisa que descreve o estranho comportamento foi publicada na revista Behaviour. Segundo o estudo, depois de 2013, foram observados outros ataques em 2014, 2016, 2017 e 2018.
O comportamento agressivo apresentado por alguns botos não faz parte desta e de outras espécies de golfinhos de água doce, disse a cientista brasileira Vera Maria da Silva, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), da Fundação Grupo Boticário.
Segundo Vera Maria, que monitora botos há 26 anos e lidera o estudo sobre a mudança de comportamento da espécie, a sua equipe de pesquisa ficou ‘surpresa’ com os resultados das observações desde 2013.
Como os ataques acontecem
Na pesquisa, os cientistas escreveram que nem todos os filhotes atacados são mortos.
A líder do grupo de pesquisadores disse que, mesmo observando diariamente esses animais, as chances de notar um ataque desse porte são pequenas, já que a maior parte ocorre embaixo da água.
No entanto, ela destaca que um evento de agressão foi registrado por equipe da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) com o boto-cinza, da Baía de Guanabara. Não foi possível confirmar se o filhote morreu ou não.
Os pesquisadores ainda tentam descobrir por que tão poucos registros foram feitos, e por que só recentemente esse comportamento foi observado.
Segundo Vera Maria, pode ser que esse tipo de comportamento já fosse frequente, mas fugiu aos olhos dos observadores.
A hipótese encontra uma contestação, que está relacionada à profunda observação que os pesquisadores desenvolveram ao longo de anos dos botos da região.
“Há fêmeas que acompanhamos há cinco gerações: bisavó, avó, mãe, filha, neta. São vários animais bem conhecidos”, disse Vera à Agência Brasil. Todo ano são feitas expedições para capturar e marcar os animais, antes de devolvê-los aos rios”, disse a pesquisadora.
O porquê dos ataques
A equipe de biólogos acredita que a agressão a filhotes pode representar uma exibição sócio-sexual, o que significa que os botos utilizam os ataques para mostrar força diante de fêmeas.
A pesquisadora acredita que há possibilidade de haver um período com maior frequência desse comportamento — que é o correspondente ao nascimento dos filhotes, entre setembro e outubro de cada ano, o que daria forças para a teoria de que os ataques têm um componente sexual.
Outra possibilidade, segundo o estudo, é que as exibições violentas sejam resultado de uma patologia social, “que é encontrada em outros mamíferos que matam filhotes”, escreveram.
Os pesquisadores avaliam que o comportamento agressivo de alguns botos não pode encontrar paralelo no comportamento dos leões, que matam filhotes para passar seu DNA adiante, porque o boto não tem o comportamento de se manter com a mesma fêmea por um tempo prolongado.
“Essa agressão pode ser muito mais uma coisa disfuncional”, diz a pesquisadora.
*Com informações da Agência Brasil