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    Brasil é o 3º em mortes de ativistas ambientais e dos direitos humanos, diz ONG

    Mais de 2 terços dos assassinatos ocorreram na América Latina, classificada como região mais afetado desde que a entidade começou a publicar os dados, em 2012

    José Brito, da CNN, em São Paulo

    O relatório “Defender o amanhã: A crise climática e as ameaças contra os defensores do meio ambiente e da terra”, feito pela ONG Global Witness, revela um recorde no número de ativistas assassinados no ano de 2019 em todo o mundo. O levantamento anual da entidade internacional que combate abusos contra os direitos ambientais e humanos, foi liberado na noite desta terça-feira (28) e contabiliza 212 vítimas, sendo a maioria delas da Colômbia (64), Filipinas (43) e Brasil (24).

    Mais de dois terços dos assassinatos ocorreram na América Latina, classificada como o continente mais afetado desde que a entidade começou a publicar os dados, em 2012.

    De acordo com o documento, quase nove em cada 10 assassinatos no Brasil ocorreram na Amazônia e tem os indígenas como população mais exposta. “Os povos indígenas correm um risco desproporcional de represálias. No ano passado, 40% das vítimas pertenciam a comunidades indígenas e, entre 2015 e 2019, mais de um terço de todos os ataques fatais foram direcionados a povos indígenas –mesmo que as comunidades indígenas representem apenas 5% da população mundial. Eles são algumas das comunidades em maior risco em todo o mundo”, diz o texto, citando o assassinato de Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, morto a tiros por um grupo de madeireiros ilegais no dia 1º de novembro, no Maranhão.

    A organização, que possui escritórios em Londres, Washington e Bruxelas e uma rede de apoiadores ao redor do mundo, destaca uma preocupação com a situação do Brasil. “Enquanto essas questões estão ocorrendo em todo o mundo, em nenhum lugar elas são mais aparentes do que no Brasil. As políticas agressivas do presidente Bolsonaro de pressionar para expandir a mineração e o agronegócio em escala industrial na Amazônia têm graves consequências para os povos indígenas, bem como para o clima global. A taxa de desmatamento em territórios indígenas está subindo acentuadamente – com um aumento de 74% de 2018 a 2019. Surpreendentemente, o Brasil foi responsável por um terço da perda de florestas tropicais do mundo em 2019. Conforme Bolsonaro reduz a fiscalização ambiental, as redes criminosas que estão dirigindo o desmatamento da Amazônia recebeu efetivamente luz verde”, diz o documento.

    A Funai (Fundação Nacional do Índioi) desconhece o conteúdo do relatório citado e informa que não comenta dados extraoficiais.

    Para a coordenadora da Comissão de Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – Regional Norte 2 (CNBB/Amapá e Pará), irmã Henriqueta Cavalcante, a Amazônia está se tornando uma terra sem lei, porque quem comanda é quem tem o poder na mão e o Estado é omisso quanto a isso.

    “Há mais de 40 anos, eu luto pela defesa dos Direitos Humanos denunciando o abuso e exploração sexual infantil, a violência doméstica, a corrupção eleitoral, o tráfico de pessoas e demais tipos de violações. Defender a vida das pessoas que estão em vulnerabilidade social é um desafio enorme, porque você acaba desinstalando os poderosos do poder e isso atrai muitos inimigos. Eu já tive que me esconder várias vezes e me refugiar em outras cidades. Incontáveis ligações anônimas e recados com ameaças de morte”, conta a religiosa.

    Procurada, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do estado do Pará (Segup) diz que integra o Conselho Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, presidido pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh). O conselho delibera sobre as pessoas, que após análise, são incluídas no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, conforme a Lei Estadual 8.444. Atualmente, 58 pessoas ameaçadas de morte, em decorrência da sua atuação, incluindo povos indígenas, recebem proteção com rondas policiais permanentes ou periódicas, dependendo de cada caso. A indicação dessas pessoas ocorrem por meio judicial e articulação sindical, por exemplo. Fazem parte do programa membros da Ordem dos Advogados do Brasil, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Assembleia Legislativa, entre outras instituições.

    Defensor anda em cima de madeira extraída ilegalmente, nas Filipinas
    Defensor anda em cima de madeira extraída ilegalmente, nas Filipinas
    Foto: Global Witness

    Em entrevista à CNN, a campaigner da Global Witness, Rachel Cox, explica que o relatório também esclarece o papel urgente que os defensores da terra e do meio ambiente desempenham no combate à degradação do clima, opondo-se a indústrias com utilização intensiva de carbono e insustentáveis, que estão acelerando o aquecimento global e os danos ambientais.

    “Sob o aumento da repressão e da vigilância durante o lockdown da pandemia da Covid-19, a proteção desses ativistas torna-se ainda mais imprescindível para a reconstrução de um planeta mais seguro e mais verde. Se queremos realmente fazer planos para uma recuperação verde centrada na segurança, na saúde e no bem-estar das pessoas, precisamos abordar as principais causas dos ataques aos defensores e seguir seu exemplo na proteção do ambiente e no impedimento do colapso climático”, disse.

    Sentimento de impunidade e medo

    Claudelice em abertura de projeto da ONU Mulheres, em fevereiro, em Brasília
    Claudelice em abertura de projeto da ONU Mulheres, em fevereiro, em Brasília
    Foto: Arquivo pessoal

    No dia 24 de maio de 2011, Claudelice dos Santos foi acordada pela irmã com uma notícia devastadora: o seu irmão e sua cunhada tinham acabado de ser assassinados a tiros em uma emboscada feita por pistoleiros, na estrada da zona rural de Nova Ipixuna, sudeste do Pará.

    O casal de ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo denunciava a exploração ilegal de madeira e grilagem no Projeto Assentamento Agroextrativista (PAE) Praia Alta-Piranheira, fundado pela comunidade. Por isso, recebiam ameaças frequentes.

    “Nós tínhamos medo de isso acontecer. Mas não esperávamos que isso fosse acontecer com a gente. Na noite antes do crime, eu tinha me reunido na casa com os meus irmãos e o assunto era falar com o Zé Cláudio para pedir para ele dar um tempo nas denúncias, por conta das ameaças que ele estava recebendo. Estavam ficando mais fortes e próximas”, lamenta Claudelice.

    A morte dos extrativistas ganhou repercussão internacional e, quase uma década depois, ainda não teve um desfecho. Um dos apontados como executor do crime, Lindonjonson Silva Rocha foi condenado a 42 anos e 8 meses de prisão pelo Tribunal do Júri, da cidade de Marabá, em 2013. Ele está foragido do sistema penal, desde novembro de 2015, quando fugiu do Centro de Recuperação Agrícola Mariano Antunes. Lindonjonson está com mandado de prisão expedido no Banco Nacional de Prisões (BNMP). Alberto Lopes do Nascimento recebeu uma pena maior, após ser condenado a 45 anos de prisão, na mesma época, e está preso, na capital Belém. 

    O principal suspeito de ser o mandante do crime, José Rodrigues Moreira foi condenado a 60 anos de prisão pelo Tribunal do Júri de Belém, em 2016. Este foi o segundo julgamento de José Rodrigues. No primeiro, feito com os outros acusados, o fazendeiro havia sido absolvido. Segundo investigações da Polícia Civil do Pará, Rodrigues havia comprado dois lotes de terra de dentro da PAE. Atualmente, existe um mandado de prisão expedido pela justiça, mas ele está pendente de cumprimento, porque Rodrigues está foragido. 

    “Eles estão soltos. Aqui no Pará você pode matar e ter a certeza da impunidade. Pistoleiro aqui anda batendo uns nos outros, porque são muitos. E eles têm proteção. Eu não saio de casa sem olhar as câmeras e sem fazer as minhas orações. É tensão o tempo todo. A última ameaça, eu recebi no final do ano passado. Alguém que coloca um bilhete na caixa de correios da sua mãe dizendo que vai matar o resto da família não está de brincadeira”, revela.

    Placa quebrada em homenagem a Zé Cláudio e Maria
    Placa quebrada em homenagem a Zé Cláudio e Maria
    Foto: Arquivo pessoal

    Como homenagem e memória ao casal assassinado, em 2012 uma placa de mármore foi colocada no local do crime na beira da estrada, mas, após ser alvo de tiros, restou apenas a base dela. “A gente conhece muito bem quando é marca de bala, era de revólver. Ela recebeu pelo menos cinco tiros. Há uns três anos, destruíram tudo com base no ódio”, revela a irmã de Zé Claudio.

    Todo esse medo foi transformado em coragem para lutar. Claudelice se tornou conhecida como ativista de direitos humanos e do meio ambiente em busca de justiça, sendo convidada a falar de sua luta e denúncias em organizações e universidades da Europa e Ásia. “A gente precisa dar apoio aos defensores ameaçados, dar suporte. Está havendo uma desmoralização através de narrativas criadas para desclassifar a dignidade humana. É claro que eu tenho medo, mas eu não posso me calar”, diz.

    Mineração, agronegócio e exploração de madeira

    Segundo a Global Witness, 50 ativistas foram mortos, no ano passado, por conta do setor de mineração, sendo mais da metade dessas vítimas pertencentes a comunidades na América Latina afetadas pela extração de minérios. 

    “O agronegócio, o setor de petróleo e gás e a mineração têm sido consistentemente os maiores impulsionadores dos ataques contra os defensores do meio ambiente e da terra – e são também as indústrias que nos empurram ainda mais para uma mudança climática desenfreada através do desmatamento e do aumento das emissões de carbono. Muitos dos piores abusos de direitos humanos e ambientais são causados pela exploração de recursos naturais e pela corrupção no sistema político e econômico global. Os defensores do meio ambiente e da terra são as pessoas que se posicionam contra isso”, explica Rachel Cox. 

    A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e aguarda um posicionamento.

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