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    Acúmulo de gelo fez ATR perder controle durante voo na Bahia em 2013

    Modelo é semelhante ao que caiu em Vinhedo (SP) na semana passada; na ocasião, não houve feridos

    Fábio Munhozda CNN em São Paulo

    O acúmulo de gelo provocou um incidente grave em um voo da extinta Trip Linhas Aéreas em 2013, levando a tripulação a perder o controle do avião. A aeronave era um ATR 72-212A, prefixo PP-PTU, modelo semelhante ao da Voepass que caiu na última sexta-feira (9) em Vinhedo (SP).

    De acordo com relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), o incidente ocorreu por volta das 19h do dia 26 de julho de 2013. O avião fazia um voo entre Maceió (AL) e Salvador (BA). Ao todo, 62 pessoas estavam a bordo (sendo 58 passageiros e quatro tripulantes). Ninguém se feriu e não houve danos à aeronave.

    O relatório indica que o avião voava a uma atitude de 16 mil pés (o equivalente a pouco mais de 4.800 metros) com o sistema de-ice desativado. Esse mecanismo serve para remover o gelo que se formou e está acumulado na estrutura da aeronave. “Houve degradação do seu desempenho”, levando a uma redução da velocidade indicada.

    Veja aqui a íntegra do relatório.

    “Após forte vibração, a tripulação reduziu a potência de ambos os motores para 20% de torque, fazendo com que a velocidade caísse para 10 kt [pouco mais de 18 km/h] abaixo da velocidade mínima em condições de gelo. O piloto assumiu o controle manual e o ângulo de ataque aumentou consideravelmente, acarretando a ativação dos sistemas de proteção contra stall [perda de sustentação]”, diz o documento do Cenipa.

    O relatório acrescenta que “o copiloto solicitou descida imediata ao APP-SV [Controle de Aproximação de Salvador], sendo autorizado a descer até 2.000 ft [cerca de 600 metros]. Ao cotejar a informação, o copiloto declarou condição de socorro (mayday)”.

    A caixa-preta da aeronave indica que a aeronave teve “uma rápida variação de velocidade seguida de uma perda de 5.000 ft [cerca de 1.500 metros] de altitude”.

    A situação de emergência durou pouco mais de um minuto. Por volta de 19h01 e 30 segundos, “a vibração cessou e a tripulação retomou o controle e o gerenciamento do voo”, diz o Cenipa.

    O Controle de Aproximação de Salvador foi informado pelo comandante sobre a normalização das condições de voo e o pouso foi feito normalmente na capital baiana.

    Conclusões da investigação

    Análise feita pelos técnicos do Cenipa no âmbito da investigação do incidente com o ATR da Trip Linhas Aéreas aponta possíveis falhas da tripulação ao lidar com o acúmulo de gelo. Os nomes do piloto e do copiloto que fizeram esse voo não foram divulgados.

    “Segundo o áudio do CVR [gravador de voz da caixa-preta], verificou-se que a tripulação percebeu a presença de ice accretion (acúmulo de gelo). No entanto, os sistemas de-icing do motor, asas e fuselagem não foram acionados, conforme previsto no manual de voo.”

    O relatório cita que, durante o voo, a aeronave apresentava indicativos de que pudesse estar enfrentando problemas relacionados ao gelo, como:

    • “Água respingando e escorrendo no para-brisa”;
    • “Gelo extensamente acumulado em áreas da estrutura, onde normalmente não eram observados”;
    • “Acúmulo de gelo na parte dianteira da superfície inferior da asa em áreas protegidas”; e
    • “Acúmulo de gelo no spinner da hélice, mais à frente do que normalmente observado”

    “Embora as condições de ice accretion [acúmulo de gelo] tenham sido identificadas, não houve uma percepção adequada de como tais condições poderiam afetar a operação aérea. Esse fato indicou um nível de consciência situacional rebaixado, o que favoreceu que a tripulação mantivesse o voo em condições desfavoráveis e deixasse de aplicar as ações corretivas previstas para o gerenciamento da situação”, diz o relatório.

    “Adicionalmente, verificou-se que a tripulação tinha dúvidas sobre o correto ajuste do range e do ângulo da antena do RADAR meteorológico da aeronave. O seu uso correto poderia ter auxiliado a tripulação a evitar as formações meteorológicas “mais pesadas”, complementa.

    O documento aponta a ausência de um mecanismo no velocímetro que “tinha a função de indicar a velocidade mínima para voo em condições de gelo severo ao comandante da aeronave”. Esse problema “pode ter contribuído para que o comandante não percebesse que a velocidade, aos poucos, se aproximava do limite mínimo para o voo naquelas condições”.

    “A tripulação não aplicou o procedimento de recuperação de stall, conforme previsto em manual”, diz o Cenipa.

    O relatório cita que, pouco tempo antes do incidente, em janeiro de 2013, um outro ATR da mesma companhia havia tido um problema de “forte vibração nas hélices”. “A tripulação considerou que aquela condição se tratava da mesma anormalidade e, desse modo, tentou efetuar o corte dos motores.”

    “É possível que a ciência de um problema anterior com outra aeronave da companhia aérea tenha influenciado o processo decisório da tripulação e prejudicado o reconhecimento do baixo nível de energia da aeronave.”

    O Cenipa aponta que “verificou-se que houve ineficiência no aproveitamento dos recursos humanos disponíveis para operação da aeronave, em virtude de gerenciamento inadequado das tarefas afetas a cada tripulante por confusão na comunicação, haja vista a interpretação equivocada com relação à necessidade do corte dos motores durante a ocorrência”.

    “Durante o voo, houve uma percepção imprecisa do impacto das condições de ice accretion (acúmulo de gelo) na operação aérea, o que concorreu para que a tripulação
    mantivesse o voo em condições desfavoráveis e não percebesse a ocorrência do stall [perda de sustentação] provocado pelo acúmulo de gelo.”

    Ainda segundo o Cenipa, “houve uma avaliação inadequada acerca dos fatores que impactaram no desempenho da aeronave, o que prejudicou o reconhecimento da condição de severe icing (gelo severo) e resultou na adoção de medidas equivocadas para o gerenciamento daquela situação adversa”.

    Recomendações e providências

    Para evitar que outras ocorrências desse tipo ocorressem, o relatório recomendou à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que atuasse “junto aos operadores de aeronaves ATR, a fim de que estes garantam que os treinamentos teóricos, simulados e práticos sejam suficientes para que as tripulações adquiram o conhecimento e desenvolvam as habilidades necessárias para reconhecer e realizar as ações adequadas em um voo sob condições de formação de gelo”.

    O documento do Cenipa diz que, após o incidente grave, a Trip Linhas Aéreas “emitiu um alerta para os tripulantes sobre a necessidade de estarem atentos aos parâmetros de voo da aeronave e para que os procedimentos previstos em caso de ice accretion fossem rigorosamente seguidos”. A companhia informou à Anac que o “treinamento periódico dos pilotos foi reformulado, dando-se maior ênfase ao gerenciamento do voo em condições de formação de gelo na aeronave”.

    Em relação ao fabricante do equipamento, o relatório diz que “os procedimentos da ATR associados à condição de formação de gelo, incluindo procedimentos normais e de emergência do AFM (gelo severo e operação em condição de congelamento) foram amplamente retrabalhados”.

    “Com a contribuição de diferentes especialistas e com base na experiência em serviço, a ATR identificou áreas de melhoria em termos de redação, formatação e apresentação para facilitar a tomada de decisão da tripulação e a recuperação de informações essenciais durante o voo”, finaliza o documento do Cenipa.

    Acidente da Voepass

    No dia 9 de agosto de 2024, um ATR 72-500 da Voepass caiu em Vinhedo (SP), matando todas as 62 pessoas que estavam a bordo (sendo 58 passageiros e quatro tripulantes).

    O avião fazia o voo 2283, que decolou de Cascavel (PR) e tinha o aeroporto de Guarulhos (SP) como destino. A queda ocorreu cerca de uma hora e meia após a decolagem.

    Uma das possibilidades que está sendo investigada é de que o turbohélice da Voepass tenha perdido o controle por causa do acúmulo de gelo nas asas.

    Acidente em Vinhedo (SP) é o 5º pior da história envolvendo ATR 72

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