Ação de “justiceiros” em Copacabana pode configurar crime, dizem especialistas
Com a escalada da criminalidade no bairro, moradores da zona sul do Rio se organizam nas redes sociais para combater assaltantes
A organização de grupos civis para combater a criminalidade com as próprias mãos também pode configurar crime, de acordo com especialistas ouvidos pela CNN.
Ao longo da semana, moradores da região de Copacabana, área nobre do Rio de Janeiro, começaram a se mobilizar pelas redes sociais para montar uma espécie de “força-tarefa” com o objetivo de combater praticantes de furtos e roubos no bairro. Em um dos grupos a que a CNN teve acesso, um participante diz: “Só acho que tem que ser com pau! Porrete mesmo.”
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em políticas de direitos humanos e presidente de honra do grupo Tortura Nunca Mais explica que “a Constituição proíbe a existência de grupos paramilitares como esses”.
“Não existe justiça com as próprias mãos. A justiça só pode ocorrer com atuação de agentes do Estado, com a prisão de suspeitos e com julgamentos que garantam a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal diante do Poder Judiciário”, explica.
Para Castro Alves, esse tipo de reação é consequência da “falta de credibilidade [da população] nas instituições oficiais de governo, segurança pública e Justiça”. Mesmo assim, ele adverte que a organização desses grupos “pode gerar a verdadeira barbárie, com ampliação da atuação de verdadeiras milícias” “Podem até surgir grupos de extermínio pagos por comerciantes, agredindo, torturando e até executando jovens negros e pobres em situação de rua”.
O especialista acrescenta que “esses grupos de extermínio eram muito comuns nas décadas de 70, 80 e 90 em várias capitais e regiões metropolitanas do Brasil, com policiais, ex-policiais e seguranças privados pagos pra torturar e exterminar ‘suspeitos de crimes’.” “As vítimas costumavam ser meninos e adultos moradores de rua.”
Para o professor Robson Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a organização da sociedade em grupos de combate aos criminosos “tem certa explicação em virtude dos acontecimentos” recentes.
“Todos [estão] envolvidos em um ambiente em que as notícias e os fatos levam a toda uma percepção de fragilidade do Estado e das forças de segurança para prover a segurança dessas pessoas. Esse estado de coisas é muito perigoso, porque pode ensejar atitudes desse tipo. E são atitudes criminosas”, diz Rodrigues.
O pesquisador destaca que a sensação de insegurança é amplificada nas mídias sociais. “Estamos em um momento de hiperconexão. Essa estrutura ajuda a ampliar esse estado emocional, de modo que essa violência pode ser escalada e as pessoas chegam a tomar atitudes que não são interessantes.”
“Fazer justiça com as próprias mãos é crime. Afinal, quem detém o monopólio da força legítima, pelo menos em tese, é o Estado. Então, quando há alguma insinuação de que a violência vai fazer esse justiçamento privado, isso está afrontando não só a democracia como as próprias estruturas do Estado”, comenta o professor da Uerj.
Nesse caso, complementa Rodrigues, “é interessante que essas estruturas comecem a funcionar para evitar primeiro essa justificação, essa busca por uma legitimação de uma ação criminosa, que não é bom isso”. “Ao mesmo tempo, o Estado tem que mostrar que é capaz, ele mesmo, de fazer jus ao monopólio da força que ele adquiriu.”
Na avaliação de Rodrigues, ainda não é possível associar a formação desses grupos com as milícias. “Querer jogar tudo no mesmo saco, não me parece ser. É preciso uma investigação, mas não me parece ser.”
“Isso é um sentimento de insatisfação. Mas esse sentimento de insatisfação tem que ser aplacado pelo Estado, para que não escale uma violência desnecessária e também tão criminosa quanto a ação desses criminosos que estão se valendo da fragilidade do sistema de segurança para praticar seus roubos e furtos na região.”
O coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro e analista em segurança pública diz que “só o Estado pode perseguir o infrator penal, que é apurar pela apuração penal e pela apuração processual”. “Após a apuração, feita em julgamento, só o Estado pode julgar e punir. O uso da força deve ser legal, técnico e feito pelo agente capaz. O uso da força tem que ser legal e só pode ser em oposição a força contrária, contra agente ou terceiros.”
O que diz a lei
O artigo 288-A do Código penal estabelece que “constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código” é crime, com pena de quatro a oito anos de prisão.
Entenda o caso
Diante da escalada da violência em Copacabana, com casos que ganharam repercussão nacional nos últimos dias, moradores do bairro começaram a se organizar pela internet para combater os criminosos. O grupo de “justiceiros” combina estratégias nas redes sociais e prevê até o uso de armas brancas
Um dos líderes gravou um vídeo convocando a população a enfrentar os criminosos: “E aí, rapaziada de Copacabana, qual vai ser? Vamos deixar os caras fazer o que querem aqui no nosso bairro mesmo? Cadê a nossa rapaziada de 2015 que botou esses caras pra correr? E aí? Vai esperar ser o nosso pai, o nosso avô, teu pai, alguém da tua família tomar um soco na cara e ficar por isso mesmo, ninguém fazer nada? Polícia não pode fazer nada, prende e solta.”
A iniciativa surgiu depois que o comerciante Marcelo Benchimol, 67 anos, foi nocauteado no último sábado (2) após defender uma mulher que estava sendo assaltada. Ele levou um soco no rosco e, mesmo desacordado e caído ao chão, teve os itens levados por criminosos.
(Com informações de Rafaela Cascardo, da CNN)