Veja como a arte da tatuagem mudou desde o século 18
Artista holandês mostra em livro coleção com cerca de 40 mil objetos e obras de arte relacionadas a tattoo, uma das maiores do mundo.
A arte da tatuagem pode ser rastreada há mais de 5 mil anos até um humano naturalmente mumificado chamado Ötzi, cujas 61 marcações incisas a carvão são consideradas as tatuagens mais antigas do mundo. A prática de pintar a pele de alguém tem uma história complexa e, como outras formas de arte, seu próprio conjunto de tradições culturais e efêmeras, incluindo ferramentas antigas, pinturas históricas e fotografias etnográficas e, mais recentemente, ilustrações de designs – chamadas de “flash sheets” (catálogos com desenhos ou imagens) – por famosos artistas vivos.E, como as belas artes, a tatuagem tem seu próprio mercado para esses objetos, assim como seus próprios museus.
O Museu Daredevil, na cidade de Nova York, e o Museu e Studio Lyle Tuttle Tattoo, de São Francisco, – batizado em homenagem ao lendário tatuador e favorito das celebridades, que em sua época tatuou em famosos como Cher e Janis Joplin – são apenasalguns exemplos. O tatuador holandês Henk Schiffmacher, cujos clientes anteriores incluem Lady Gaga, Kurt Cobain e Keith Haring, disse recentemente em uma entrevista que a internet criou um novo público para a tatuagem.“
“Todo mundo de repente quer fazer um pequeno museu […] ou está mergulhando na história da tatuagem”, disse Schiffmacher, cuja coleção pessoal de cerca de 40 mil objetos e obras de arte relacionadas a tatuagens, uma das maiores do mundo, é destaque no novo livro “Tatoo. 1730-1970. Coleção particular de Henk Schiffmacher”.
A coleção inclui imagens em xilogravura japonesas de personagens Kabuki tatuados do século 19; cinzéis de tatuagem feitos de madeira e ossos do início dos anos de 1900; pôsteres e fotografias em preto e branco de mulheres tatuadas em carnavais itinerantes; e um número infinito de designs ao longo dos séculos. “Existem muitos colecionadores sérios agora”, disse Schiffmacher, que faz tatuagem desde os anos 1970.
“E isso é uma parte boa da Internet – que somos capazes de ver o que outras pessoas têm. Isso se tornou um jogo muito diferente”. Schiffmacher abrigou brevemente sua coleção – o Schiffmacher Tattoo Heritage – no Museu de Tatuagem de Amsterdã, antes do fechamento por razões financeiras.
A casa que ele divide com a esposa e sócia nos negócios, Louise van Teylingen, agora está repleta de tesouros de diferentes pontos da história, incluindo sobre o surgimento da tatuagem durante o período Edo do Japão, as tatuagens tribais do século 19 dos índiosMaori e a proliferação de salões modernos de tattoo no Ocidente após a Segunda Guerra Mundial.
“Eu sou o que chamo de Rembrandt do homem pobre. (Tatuar) é a arte do homem comum”, disse ele. “Não é um tipo de coisa altamente intelectual. Émuito fácil de ler e tem símbolos para você. Uma simples tatuagem – uma pessoa com uma âncora, com um coração ou uma rosa – é comunicação”.
Colecionador de longa data
Schiffmacher, cujo pai era açougueiro, se interessou por colecionar arte relacionada à tatuagem antes se tonar um artista. Como lembra em seu livro, ele se considerava uma espécie de “colecionador indiscriminado” desde a infância, quando juntava pedrinhas, pontas de flechas e ovos de pássaros e pendurava uma placa na porta de seu quarto, dizendo: “Meu Museu”. Nascido em 1952 na pequena cidade holandesa de Harderwijk, aos 20 anos Schiffmacher viajou para Amsterdã, onde fez amizade com o renomado artista Tattoo Peter.
Ao mesmo tempo, ele nutria um novo interesse pela fotografia, particularmente os retratos em preto e branco de Diane Arbus, dos chamados “excêntricos”, que incluíam pessoas muito tatuadas. Schiffmacher começou a procurar estranhos para fotografar, e um homem em particular, que passava as noites em bares locais, chamou sua atenção.“Ele estava realmente bêbado demais”, disse Sciffmacher.
“Ele tinha todas essas tatuagens fantásticas. E embora não tivesse uma boa comunicação por causa do seu problema com o álcool, ele se comunicou muito quando euolhei para os pequenos slides das fotos (que eu tinha tirado dele) e vi todas essas tatuagens. As tatuagens contam um pouco da vida desse homem”. Identificar pessoas com tatuagens pesadas no mundo era uma raridade décadas atrás, disse Schiffmacher.
Nos últimos anos, a popularidade da artedisparou. Em 2019, a Ipsos (empresa de pesquisa de mercado e consultoria)descobriu que quase um terço dos americanos tem pelo menos uma tatuagem, um aumento de 21% em sete anos.“No início dos anos 70, tatuagem na Holanda era algo excepcional, especialmente (para) pessoas com muitas tatuagens. Você não as veria muito”, disse Schiffmacher.
“Não é como hoje; o mundo inteiro está tatuado agora. Mas naquela época, você realmente precisava conhecer a pessoa para tentar encontrá-la”.Schiffmacher passou a se corresponder com outros artistas, trocando suas fotografias por seus desenhos. Quando ele começou a tatuar, pouco depois, ele viajou para outros países extensivamente para ser tatuado por seus contemporâneos.
Ele visitou suas lojas, negociou arte e vasculhou antiquários locais em busca de novas descobertas. À medida que sua reputação como artista e colecionador de recordações de tatuagens crescia, obras raras, objetos e dicas começaram a chegar até ele. (Durante a entrevista com Schiffmacher, van Teylingen se juntou para mostrar uma nova embalagem que acabaram de receber com desenhos de tatuagem de um artista desconhecido).
De lojas a museus
Os museus também pediram emprestadas partes da coleção de Schiffmacher, incluindo o Tropenmuseum de Amsterdã e o Museu de História Natural de Los Angeles. Alguns de seus objetos viajaram com a exposição que estreou como “Tatoueurs, Tatoués” (“Tatuadores, Tatuados”)no Musée du Quai Branly Jacques Chirac em Paris, em 2015, que pousou no Royal Ontario Museum em Toronto e no Museu The Field Chicago, entre outros.
Semelhante às recentes controvérsias envolvendo museus de arte e histórianatural a respeito de artefatos que foram roubados de terras colonizadas, o mundo da tatuagem teve sua própria contribuição em como alguns objetos foram adquiridos. A pele tatuada foi trocada e exibida, e Schiffmacher diz que não é incomum que algumas pessoas doem sua própria pele tatuada para exibição após sua morte.
No entanto, nem todos esses artefatos foram fornecidos voluntariamente. Durante a última década, por exemplo, instituições como o Museu Americano de História Natural e o Smithsonian repatriaram partes de suas coleções de restos humanos Maori, incluindo cabeças preservadas, ou “mokomokai”, que apresentam extensas tatuagens faciais.
De acordo com seu livro, o próprio Schiffmacher acompanhou o tatuador Gordon Toi e o ator Cliff Curtis, ambos descendentes Maori, no início dos anos 2000 para recuperar um mokomokai de um negociante de arte parisiense.Ele chamou isso de “uma experiência intensa”. (De acordo com Schiffmacher, a cabeça já foi devolvida à Nova Zelândia e está alojada no museu nacional, conhecido como “Te Papa”).
“Tatuagens se comunicam da mesma forma, você esteja vivo ou morto, então, para muitos Maori, ser confrontado com uma dessas cabeças é como ter um ancestral falando com eles”, explicou.Hoje, Schiffmacher ainda considera suas tatuagens uma forma de comunicação que lhe deu o acesso que ele nunca teria de outra forma.“É um passaporte para diferentes culturas”, disse ele. “Já estive em todos os tipos de situações no mundo (onde minhas tatuagens) fizeram a apresentação. E isso é o que as tatuagens são: um convite para se comunicar com outra pessoa”, acrescentou ele.
O livro “Tattoo. 1730-1970” já está disponível na loja online Taschen.