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    SPFW: diversidade de corpos e tecnologias deu o tom do evento

    Nesta edição “phygital”, com desfiles presenciais e digitais, marcas mostraram que estão cada vez mais focadas em aproximar o consumidor final das coleções

    Modelos desfilam criações da grife João Pimenta durante o terceiro dia da SPFW
    Modelos desfilam criações da grife João Pimenta durante o terceiro dia da SPFW Vinicius Nunes/ Agência F8/ Estadão Conteúdo

    Felipe Carvalhocolaboração para a CNN

    Diversidade, tecnologia, universo dos games e uma moda que misturou conforto e glamour foram os grandes destaques da 52ª edição da São Paulo Fashion Week, que chegou ao fim neste domingo (21). Intitulado “Regeneração”, o evento foi realizado de forma física e virtual, com desfiles presenciais no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Ibirapuera.

    Na maioria das apresentações, seja digital ou física, um dos grandes destaques foi a presença de modelos com corpos diversos, de todos os tamanhos, cores e gêneros, que transformaram a passarela em um Brasil mais realista, como conta Thaís Carla, ativista contra a gordofobia e que experimentou, pela primeira vez, pisar na passarela de uma semana de moda.

    “Me senti em um Brasil real. As pessoas vivem em uma bolha e não entendem que existem milhares de tipo de pessoas: gordas menores, maiores, muito magras, não tão magras, negras, com vitiligo, cadeirantes. Uma infinidade de belezas. O Brasil é isso, é diverso. Eu me senti feliz porque é assim que a gente é. Todos lá nos sentimos reis e rainhas”, contou à CNN.

    Quem levou Thaís, ex-bailarina da cantora Anitta, para o desfile foram Céu e Junior Rocha, irmãos e criadores da Meninos Rei, marca que nasceu em Salvador e que fez sua estreia fisicamente no evento.

    “É de extrema importância ter o corpo gordo, uma travesti, uma cantora trans, um cadeirante e a militante gorda Thais Carla na passarela. A nossa marca quer falar sobre isso, corpos, ancestralidade, raça. Queremos fortalecer cada vez mais esses temas”, avisa Junior Rocha.

    “Quando a gente apresenta um casting real é porque queremos falar que as pessoas não suportam mais alimentar esse regime que a moda instaurou no mercado, de que o aceitável é ser magro e branco, referências que não são nossas”, explica Céu. “O Brasil precisa beber do Brasil, gostar da sua cultura, respeitar o povo, respeitar os corpos, que são realmente corpos reais. A gente sai dessa São Paulo Fashion Week com a sensação de dever cumprido”, completa.

    Rafaella Santos, mulher negra, influencer e irmã mais nova do jogador de futebol Neymar Jr, também desfilou pela primeira vez, como convidada da Baška, e revela que estava nervosa antes de pisar na passarela. À CNN, conta que sentiu uma energia muito diferente de tudo que já viveu, e salienta a força que um casting mais heterogêneo tem em uma semana de moda.

    “Acho incrível essa diversidade, temos que vivenciar mais isso. Eu esperava muito que essa mudança acontecesse”, comemora.

    Para Dani Rudz, especialista em moda e mercado plus size, acredita que a moda brasileira esteja passando por uma ‘verdadeira democratização’ mas ainda falta um caminho longo a ser percorrido para que a diversidade esteja realmente inserida neste universo.

    “Não acredito que aos poucos olharemos com mais carinho para pessoas gordas. Senti falta de marcas que produzem exclusivamente para esse público. Senti falta de especialistas em moda e mercado plus size nas mentorias e capacitações, além dos debates e apresentações, senti falta de modelos gordas de fato nas passarelas. Ainda somos cota. E uma cota tímida. As marcas insistem que inserir apenas modelos ‘curvy size’ nas passarelas é promover inclusão. E não é.”

    A especialista ainda destaca que, enquanto nos bastidores, entre o staff e frequentadores existe uma diversidade e variedade grande de corpos diversos, de numerações de manequim desde o 44 até o 62, o espaço na passarela precisa crescer e muito.

    “Essas pessoas estão presentes no evento, sedentas por moda, trabalhando para a moda e não sendo contemplados nos desfiles”, reclama. “Nunca vi tanta presença gorda entre os frequentadores em uma edição da Fashion Week. Não podemos ir na contramão do apelo desse público”.

    Tendências

    O apresentador, escritor e consultor de imagem e moda Arlindo Grund acompanhou da primeira fila cada um dos desfiles dessa edição. De um lugar privilegiado, ele acredita que o evento continua sendo reflexo do comportamento da sociedade, mas que vivemos um período de adaptação a esses novos tempos, com roupas para serem usadas em qualquer lugar. O especialista indica que a moda funcional, não apenas confortável e criativa, com tecidos tecnológicos e modelagens modernas, são a tendência das próximas estações.

    “São roupas que permitem que você tenha conforto ao usar uma peça, mas ao mesmo tempo consiga ter o retrato da sua personalidade por meio dela e comunicar aquilo que você deseja”, afirma. “O Weider Silveiro, por exemplo, fez uma coleção com malha e moletom e silhueta bem-marcada. Ao mesmo, apresentou casacos e blazers que pareciam roupões e que também traziam essa coisa do aconchego. Foi muito interessante”, elogia.

    Sobre essas mudanças durante a pandemia, Dani Rudz acredita que a moda não tenha ficado adormecida e sim se transformado em uma ferramenta de escape para suportar esse período difícil. A especialista acompanhou os desfiles físicos e digitais e concorda que repensar sobre o conforto das roupas foi um dos pontos chave na escolha dos elementos que chegaram à São Paulo Fashion Week.

    “Tecidos como malhas foram trabalhadas com estrutura e glamour. Shapes mais confortáveis inundaram os desfiles, trazendo não só beleza, mas funcionalidade. Para mim, a principal mudança se deu nos calçados. Eles estão criativos e no chão. Quase sem saltos ou com saltos largos, estruturados e baixos, chinelos, papetes, tênis, flats, rasteiras. Ressignificamos nosso olhar e agora escolhemos a dedo as batalhas do dia que queremos comprar. Uma verdadeira libertação”, detalha.

    Grund também salienta que os dois extremos estiveram bem presentes nas passarelas: roupas sensuais que revelam pele, justas ao corpo, ao mesmo tempo em que foi mostrado alfaiataria mais solta, desconstruída, oversize. “Eu acho que os comprimentos opostos estão bem presentes nessa temporada. Tecidos naturais também, com linho, uma cartela de cor bacana que vai do neon até os queimados”, opina.

    Outra tendência da moda pós-pandemia é aproximar cada vez mais o que é mostrado em uma passarela para o consumidor final. É o que acredita o estilista João Pimenta. Ele, que já vestiu celebridades internacionais como Apl.de.ap, vocalista do The Black Eyed Peas, diz que suas coleções sempre retrataram o que é visto nas ruas mas que, desta vez, precisou investir ainda mais nesse conceito.

    “Eu quis fazer essa ponte da passarela para a loja, com a criação de roupas mais reais, até mesmo para que as pessoas saibam que essa roupa existe dentro da minha marca”, diz. “Com as redes sociais e a repercussão do desfile, a procura das peças está alta nas lojas. É muito bacana pensar que, no outro dia, as pessoas já estão querendo comprar”, comemora.

    Games e conceito phygital

    Um dos assuntos mais comentados desde o anúncio das marcas da 52ª edição da semana de moda de São Paulo foi, sem dúvida, a mistura de realidade e ficção na passarela. Em uma parceria do stylist Daniel Ueda e o estilista Alexandre Herchcovitch, os fãs do jogo Free Fire e o grande público assistiram a um desfile de 20 skins (aparência dos personagens) personalizados.

    “Aproximar diversas culturas de consumo e comportamento por meio das roupas é uma função social e essa interação também acontece no universo dos games. Nas referências, o destaque ficou para as cores vibrantes, tons de neon e inspirações utilitárias e esportivas. Jaquetas de nylon, cintos e suspensórios dão o tom dessa moda que mescla real e virtual. Um trabalho incrível feito pela dupla”, elogia Grund.

    Por conta das restrições de público durante os desfiles, algumas marcas optaram por trazer as tendências de forma híbrida entre o digital e o físico, que ficou conhecida como phygital. João Pimenta conhece bem esse “novo normal” – essa foi a terceira vez que ele realizou um desfile virtual. Para ele, o melhor dessa modalidade é poder dirigir o olhar da plateia para onde ele deseja que seja o foco.

    “É uma maneira de mostrar o trabalho inteiro, mas sem dúvida nenhuma o presencial faz muita diferença, é uma energia muito grande ver a fila montada no backstage”.

    Para Dani Rudz, esse formato é funcional e democrático porque promove a moda em diferentes canais de comunicação. “Democratiza a participação das marcas e possibilita que mais profissionais da moda sejam inseridos”, afirma.

    “Assim, o universo da moda pode criar novas e potentes narrativas e caminhar rumo a essa transformação, que vimos nascer com a pandemia, possibilitando essa globalização”, detalha .

    Essa nova forma de assistir e acompanhar a moda também dá mais voz para marcas antes desconhecidas e que agora têm oportunidade de mostrar sua essência, tal como a Meninos Rei, que saiu de Salvador, fez o primeiro desfile virtualmente na última edição e agora pôde pisar na SPFW ao lado de grifes já consolidadas no mercado.

    “Estamos passando por um momento de transformação, de renovação de tudo o que diz respeito ao nosso trabalho. Surgiu um reconhecimento geral, principalmente aqui no Sudeste.

    “Acredito que, enquanto marca preta, estamos conseguindo alcançar os lugares que eram negados”, encerra Junior Rocha.