Por que a colcha da sua avó se tornou item básico da moda de luxo atual
Com peça volumosa e multicolorida, A$AP Rocky desbancou até Rihanna no Met Gala; outros designers pegaram carona na tendência e estão criando roupas únicas com reutilização de colchas
Quando o rapper A$AP Rocky chegou ao Met Gala em setembro passado, ele conquistou o que poucos conseguiram: enfrentar Rihanna no tapete vermelho.
Sua parceira ícone de estilo estava, como sempre, entre as mais bem vestidas da noite. Mas o rapper chamou a atenção com sua própria declaração de moda: uma colcha volumosa e multicolorida.
A peça foi feita sob medida pelo designer Eli Russell Linnetz e pelo “quilter” (do inglês “quilt”, para colcha) Zak Foster, e foi baseada em um cobertor encontrado em um brechó da Califórnia. Uma mulher mais tarde identificou a colcha original como uma que sua bisavó havia costurado à mão, postando uma imagem da colcha no Instagram.
A aparição da peça na maior noite da moda foi apenas o exemplo mais recente do renascimento moderno do artesanato, que está transformando colchas de herança de família em produtos de luxo. Elas apareceram nas principais passarelas e em coleções de inverno carregadas de nostalgia, à medida que as marcas se voltam cada vez mais para tecidos reaproveitados como evidência de suas credenciais ambientais.
Para os entusiastas das peças ao longo da vida, como a ex-editora-chefe da revista Quiltfolk, Mary Fons, vê-las se tornarem populares é emocionante. “O fato é que colchas são legais. São atemporais”, disse ela por e-mail. “Quando você as vê nos tapetes vermelhos, isso é reforçado e, como ‘quilters’, estamos aqui para isso”.
Nova Americana
Embora marcas de luxo como Norma Kamali e Moschino tenham incorporado recentemente detalhes das colchas em suas coleções, marcas independentes como Stan Los Angeles passaram a usar a técnica como base de seu trabalho.
Colchas reutilizadas aparecem com destaque nas coleções de surfwear da grife da Califórnia. Uma camiseta, criada a partir de uma colcha feita à mão na Pensilvânia em 1870, custa US$ 2.250 (pouco mais de R$ 12.455).
O fundador da marca, Tristan Detwiler, se interessou pela reutilização de colchas quando transformou sua velha colcha de bebê em uma jaqueta – a primeira peça que ele fez “do zero”, contou por videochamada.
Mais tarde, ele conheceu a costureira de colchas Claire McKarns, agora com 80 anos, que o levou para seu armazém cheio de “centenas e centenas de colchas feitas à mão”, acrescentou. Ela fez um convite para participar de seu grupo de artesanato, e Detwiler se conectou com fabricantes de colchas mais veteranos.
A história dos têxteis individuais é central para a abordagem criativa de Detwiler, que também se vê reutilizando uma variedade de outras peças passadas de geração em geração – incluindo um casaco com estampa de sol costurado à mão por sua tataravó nos anos 1800.
As roupas que ele produz vêm com etiquetas explicando suas histórias. “A energia da família, das gerações e da história obviamente ativa a emoção”, disse ele.
Dois anos e meio desde o lançamento de sua marca, o designer agora se concentra em criações pontuais – duas das quais estão atualmente em exibição na exposição “In America: A Lexicon of Fashion”, do Met Costume Institute.
Explorando a história da moda do país, a mostra apresenta um conjunto de jaqueta e calça que Detwiler fez a partir de uma colcha do século 19. Uma das 12 peças feitas com colcha da exposição, fica ao lado de uma roupa de patchwork da Ralph Lauren, costurada com tecidos antigos na década de 1980.
Mary Fons acrescenta que a tendência ressurge “a cada 30 anos mais ou menos”: “Adolfo fez isso no final dos anos 1960, Ralph Lauren fez isso nos anos 1980, e então Calvin Klein e designers como Emily Bode começaram novamente por volta de 2017”.
Costurando colchas por gerações
As colchas tem raízes profundas na América, com Fons descrevendo o processo de fazê-las como uma “arte democrática”, praticada por pessoas de todas as origens financeiras, raciais e religiosas ao longo da história do país.
Os estilos regionais também evoluíram, desde as colchas de mosaico, de inspiração inglesa feitas por artesãos predominantemente brancos da Nova Inglaterra, até os desenhos geométricos coloridos de Gee’s Bend, Alabama, cuja comunidade escravizada costurou para “sobrevivência”, disse o artista Michael C. Thorpe – que trabalha no meio -, com mulheres reaproveitando roupas e sacos de ração para manter suas famílias aquecidas.
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O líder dos direitos civis, Rev. Jesse Jackson, até se referiu ao ofício em um famoso discurso na Convenção Nacional Democrata, de 1984, – uma metáfora que ele revisitou em seu famoso discurso “colcha de retalhos”, de 1988, – descrevendo a América como uma colcha de “muitos remendos, muitos peças, muitas cores, muitos tamanhos, todas tecidas e unidas por um fio comum”.
A citação abre a exposição do Costume Institute, com a curadora assistente Amanda Garfinkel dizendo que está alinhada com a “ênfase na inclusão e na diversidade” da mostra. As pessoas “respondem emocionalmente” às exposições de projetos com colchas, acrescentou Garfinkel, devido às “narrativas pessoais e históricas que carregam”.
Mary fala que o amor contínuo pelos trabalhos com colchas é “evidência material” dos valores americanos. “É claro que nosso país nem sempre exibe esses valores, mas as colchas ainda são vistas como ícones”.
Em vez de olhar para estilos históricos, artistas como Thorpe estão incorporando outros aspectos do design em seus trabalhos. Thorpe, que recentemente colaborou com a Nike em colchas inspiradas no passado e no futuro da NBA, dá vida à história negra, suas próprias experiências birraciais e sonhos de infância através de retratos têxteis.
Mas, apesar de sua abordagem contemporânea, as pessoas na recente exposição do artista em Miami ainda se lembraram de suas próprias avós ao olhar para o trabalho, disse ele. “As colchas fazem as pessoas sentirem algo”, acrescentou. “É como uma reação instintiva de (laços) familiares. Acho que é isso que as pessoas estão buscando”.
Conectando os pedaços
Ironicamente, ao refazer a moda com colchas antigas, os designers americanos também podem estar colocando em risco o ofício, diz Mary. “Corremos um grande risco de perder grande parte da história americana, particularmente a história das mulheres e comunidades marginalizadas, já que essas são as pessoas que mais fizeram colchas na história de nossa nação”, explicou ela.
As habilidades tradicionais de costura à mão também são muito menos comuns hoje em dia. As colchas geralmente são feitas costurando pedaços de tecido, à mão ou com uma máquina, antes de colocar uma camada de tecido embutido entre as peças decorativas da frente e do verso do tecido (dando-lhes uma inflada distinta e isolamento para o calor).
Mas enquanto as máquinas de costura elétricas – que podem costurar nos eixos x e y – mudaram radicalmente o ofício nas últimas décadas, alguns artistas e designers de colchas agora estão trazendo de volta “peças e colchas feitas à mão” e estão “conectando-se com […] a herança da colcha novamente”.
O renascimento da costura de colchas pode, acrescenta Mary, refletir um desejo de “autenticidade” em meio à rápida digitalização e produção em massa do fast fashion. Enquanto isso, Garfinkel aponta para “o senso de comunidade e preservação associado à produção de colchas à mão, especialmente em contraste com a velocidade acelerada da vida contemporânea, o anonimato da produção industrial e a efemeridade da cultura digital”.
Thorpe diz ainda que as pessoas estão experimentando um “esgotamento extremo da tecnologia”. “Acho que as pessoas agora estão mais interessadas em coisas que demoram um pouco mais, como o artesanato […] A ideia do muito lento (artesanal) e de algo para se fazer em comunidade”.
Uma nova geração
Mary, que ainda trabalha como consultora editorial da Quiltfolk, diz que a média de idade da audiência da revista é de “cerca de 50 anos”, mas ela viu um aumento de interesse entre as gerações mais jovens. Ao longo da pandemia, ela conversou com fabricantes de colchas de primeira viagem e pessoas que “começaram durante o lockdown”.
Embora existam algumas barreiras à entrada, incluindo o custo das máquinas, tecido e preenchimento para acolchoar as colchas, os usuários do TikTok com mentalidade do “faça você mesmo” estão usando suas novas habilidades para economizar dinheiro em roupas.
@wandythemaker knocked out a custom quilt hoodie & tote bag order. #sewing #upcycling #fashion #diy ♬ rowdy rebel x 1sis – 1sis
Wandy the Maker, por exemplo, compartilha tutoriais de colchas para incentivar a geração Z a pensar de forma mais sustentável sobre seus guarda-roupas. Outros, como @samrhymeswithhamm, conquistaram sucesso na plataforma através da hashtag #quilttok, com um vídeo dela fazendo uma colcha com tema de cactos, acumulando 2,4 milhões de visualizações.
Mary afirma que há um “elemento de fetichismo” no amor dos Estados Unidos por colchas. “No fundo, o desejo por coisas feitas à mão, artesanato e processos ‘lentos’ faz sentido. A vida moderna se move muito rápido e pode ser meio assustadora”.
“Para muitas pessoas, uma colcha é um ícone de ‘tempos mais simples’, mesmo que seja uma falsa equivalência”.
“É um ótimo momento para ser costureiro de colchas”, acrescentou.