Os designers que estão mudando o conceito de lingerie
Número crescente de marcas de lingerie está respondendo à insatisfação de consumidoras que querem ser mais bem representadas
Durante décadas, sutiãs de sustentação com bojo, bodies de renda e modelos esbeltas e voluptuosas da Victoria’s Secret definiram as percepções do público sobre o que seria um visual “sexy”. Mas um número crescente de marcas de lingerie está respondendo à insatisfação de consumidoras que querem ser mais bem representadas.
Desde a oferta de uma variedade maior de tamanhos e tons de “nude” até a comemoração da diversidade em campanhas e nas passarelas, as marcas de roupas íntimas estão comercializando mais do que apenas sutiãs. Estão vendendo inclusão também.
A lingerie se prepara para se tornar um mercado global de US$ 59 bilhões em 2024, acima dos US$ 38 bilhões registrados em 2017, de acordo com a Zion Market Research. E, à medida que as vendas crescem, os gostos parecem estar mudando também.
Os números publicados pela empresa de tecnologia de varejo, Edited, sugerem que consumidoras estão, cada vez, mais preferindo bralettes e sutiãs esportivos aos sutiãs de sustentação para decotes. A Victoria’s Secret ainda lidera o grupo, com uma participação de mercado de 24% nos EUA, mas anunciou, recentemente, planos de fechar mais de 50 lojas após vendas fracas na época de fim de ano.
Os fechamentos decorrem da crescente concorrência de marcas mais novas, muitas delas atendendo à busca pela diversidade. As consumidoras estão adotando lingerie que inclui formas alternativas de elementos sensuais e comprando, cada vez mais, de marcas que priorizam a positividade do corpo, o conforto e um caimento adequado.
Avaliando lacunas
Marcas independentes, como a startup americana ThirdLove, têm preenchido uma lacuna no mercado ao atender mulheres que se esforçam para encontrar sutiãs no tamanho certo. Quando Heidi Zak co-fundou a marca, em 2011, ela só queria oferecer sutiãs que tivessem um caimento melhor do que aqueles de sua loja anterior, a Victoria’s Secret.
Utilizando 600 milhões de pontos de dados em todas as métricas, incluindo formato do peito e dimensões de sutiã, a ThirdLove oferece tamanhos intermediários, conhecidos como “meio ponto”. Hoje, a marca on-line conta com 78 tamanhos diferentes – e tem um valor estimado de US $ 750 milhões, de acordo com a Forbes.
Mas oferecer mais tamanhos pode ser um esforço caro. A falta de flexibilidade da produção industrial dificulta o atendimento a todos, segundo Cora Harrington, autora do livro “In Intimate Detail: How to Choose, Wear, and Love Lingerie (“Em Detalhes Íntimos: Como Escolher, Usar e Amar lingerie”, em tradução livre).
“Há muitas peças em um sutiã, tamanhos e tipos de seios, tornando impossível para uma única marca atender adequadamente a cada cliente”, disse a escritora em entrevista por telefone.
Segundo Harrington, que também fundou o blog Lingerie Addict, um único sutiã pode ter pelo menos 20 componentes individuais, incluindo rendas, fechos e alças. Para uma peça de luxo, esse número pode aumentar para 40 ou 50, disse ela.
Acrescente a costura de precisão e a criação de padrões necessários para ajustar a tamanhos diferentes, junte todas as peças e podemos ter um produto que custa mais do que “o que as pessoas consideram justo pagar por um sutiã”.
“Para atender a uma gama variada de pessoas”, acrescentou Harrington, “você está falando de 50 a 60 tamanhos para começar. Isso está muito além do que a maioria dos designers independentes ou de novas marcas pode bancar.
“As expectativas dos consumidores não estão muito alinhadas com o design e desenvolvimento de produtos – as pessoas estão acostumadas aos ciclos de fast-fashion e a ver algo nas passarelas, para ver uma cópia disso duas semanas depois”.
Alguns fabricantes de lingerie, no entanto, encontraram maneiras de ampliar, de forma lucrativa, suas variações de manequim, contribuindo para o que Harrington chama de “guerra do tamanho de sutiã”. A Savage X Fenty, da Rihanna, por exemplo, produz lingerie plus-size, além dos tamanhos padrão, com outras marcas chegando a variações ainda maiores.
Clientes alternativos
O crescente mercado de lingerie está oferecendo mais opções a outro grupo de clientes que tradicionalmente não atende: o público trans.
A Origami Customs, com sede em Montreal, oferece lingerie de afirmação de gênero a clientes trans, entre outros. Com a visibilidade desse público chegando aos mais altos níveis, a marca dobrou as vendas nos últimos quatro anos, de acordo com a fundadora Rae Hill.
A marca recentemente expandiu sua linha de binders, uma peça usada para achatar o peito, feita para clientes trans masculinos. Gaffs, um modelol de lingerie usada para esconder as partes íntimas, compõe quase metade dos produtos que a Origami Customs vende.
“Senti uma manifestação de gratidão dos meus clientes, especialmente mulheres trans”, disse Hill em uma entrevista por e-mail. “Eu dedico um tempo para trabalhar com cada cliente, individualmente, e, realmente, sinto que isso cria um nível de segurança e intimidade que não existe no mercado convencional. Ser sexy é tão diferente quanto cada um de nós”, completou Hill.
A diversidade racial também é uma força crescente no mercado de lingerie. Veja a marca da Rihanna acima, que foi elogiada por produzir uma variedade de tons de “nude” para diferentes cores de pele. Da mesma forma, a recente linha de sutiãs T-Shirt da ThirdLove oferece nove tons de peças “cor da pele”.
Antes de qualquer um deles, a inovadora Nubian Skin, de Londres, tornou-se uma das primeiras marcas a oferecer tons de nude para mulheres negras quando foi lançada em 2014.
“Vimos muitas marcas lançando seus próprios tons de nude nos anos logo após o lançamento do Nubian Skin”, disse Harrington. “Desde então, algumas dessas marcas retiraram a linha de circulação, porque não as comercializaram muito bem: se você vai vender sutiãs em tons de nude mais escuros, seria bom usar modelos negras.
“Espero que, para essas empresas (novas marcas como a ThirdLove e a Savage X) isso não seja uma tendência, (mas) algo que elas planejem manter”.
Uma questão de representação
Inclusão não é apenas vender lingerie a clientes alternativos – é fazer isso de forma visível. Isso significa usar modelos de todas as formas, tamanhos e cores em desfiles e campanhas de moda.
Veja a Lonely Lingerie, por exemplo, que afirma retratar as mulheres de uma maneira realista, recusando-se a usar o Photoshop. A empresa exclui até mesmo cabeleireiros e maquiadores dos bastidores de suas campanhas. As modelos da marca incluem mulheres de diversas origens e com 35 tamanhos diferentes de sutiã.
A fundadora Helene Morris disse que, quando começou a marca em 2009, “não havia realmente ninguém no mundo da lingerie que falasse de uma forma com a qual pudéssemos nos identificar”. O projeto “Lonely Girls” de sua marca contou com modelos maduras, mães em fase de amamentação, mulheres grávidas e mulheres com deficiência, todas fotografadas sob luz natural.
“Nós realmente queríamos dar o poder à pessoa sendo fotografada. Como ela quer ser fotografada, como se sente mais confortável? O objetivo era responder a essas perguntas e envolver a mulher nesse processo”, disse Morris em entrevista por telefone.
A marca de produtos plus-size Curvy Couture também vê o uso de modelos alternativas como um passo importante para a inclusão, segundo a gerente de marketing de mídia social, Summer Rose.
“Temos um número enorme de modelos que vem para cá – com tamanhos diferentes, idades diferentes, mães que estão amamentando – só para garantir que haja um bom caimento”, disse ela em entrevista por telefone. “Não importa em que estágio da vida ela esteja, queremos garantir que se sinta o melhor.”