Coleção de arte do cofundador da Microsoft bate recorde em leilão de US$ 1,5 bi
Abrangendo 500 anos de história da arte, receitas serão revertidas para causas filantrópicas
As obras de arte da coleção privada de Paul G. Allen, falecido cofundador da Microsoft, arrecadou mais de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 7,7 bilhões) na quarta-feira (9) e se tornou a maior venda de um único proprietário na história dos leilões.
Obras de Georges Seurat, Paul Cézanne, Vincent van Gogh, Paul Gauguin e Gustav Klimt foram negociadas por mais de US$ 100 milhões (cerca de R$ 518 milhões) numa noite estrelada para a casa de leilões Christie’s, em Nova York.
Abrangendo 500 anos de história da arte, a coleção de Allen está sendo oferecida ao longo de duas noites, com todas as receitas indo para causas filantrópicas. A Christie’s tinha inicialmente estimado que as mais de 150 obras alcançariam US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,18 bilhões), mas a soma recorde foi ultrapassada antes mesmo da conclusão do primeiro dia.
Obras de artistas contemporâneos como Jasper Johns e Lucian Freud também estavam entre as que bateram recorde. Pinturas de Edward Hopper, Georgia O’Keeffe e Jackson Pollock estão entre dezenas previstas para serem leiloadas na noite desta quinta-feira (10).
O maior valor da noite foi conquistado por “Les Poseuses, Ensemble (versão Petite)” de Seurat, vendida por US$ 149,2 milhões (cerca de R$ 774 milhões), quase cinco vezes o recorde anterior para um trabalho do artista francês.
Por sua vez, “La Montagne Sainte-Victoire”, óleo sobre tela de Cézanne, com mais de 30 vistas de uma cadeia montanhosa francesa, foi vendido por quase US$ 137,8 milhões (cerca de R$ 714 milhões). Allen adquiriu o quadro com a famosa cena montanhosa em 2001 por US$ 35 milhões (cerca de R$ 185 milhões), então o segundo preço mais elevado pago por um Cézanne em leilão, de acordo com Max Carter, vice-presidente de arte dos séculos 20 e 21 da Christie’s.
Apenas cinco das obras do tipo do pintor de Sainte-Victoire estão em coleções particulares, acrescentou Carter. “Cada uma tem um ponto de vista ligeiramente diferente. A maioria delas está um pouco mais para trás [na paisagem]”, contou Carter à CNN em uma entrevista antes do leilão. “Também é rara por não estar obscurecida por nenhuma árvore em frente à montanha”, adicionou.
Uma pintura de Van Gogh, “Verger avec ciprés”, entretanto, conseguiu quase US$ 117,2 milhões (cerca de R$ 620 milhões) e se tornou o trabalho mais caro do artista vendido em leilão. Pintada em Arles, França, dois anos antes da morte do pintor holandês, ela é “tão especial quanto qualquer Van Gogh que oferecemos em 30 anos”, segundo Carter.
Foi quando suas cores se desvincularam da realidade e passaram a ser ditadas pela imaginação”, explicou Carter. Fora a série pomar, “apenas cinco estão em mãos particulares. A grande maioria está em museus”, adicionou.
As duas outras obras de arte a atrair ofertas de nove dígitos foram a “Maternité II”, de Gauguin, vendida por US$ 105,7 milhões (cerca de R$ 559 milhões), e a “Birch Forest”, de Klimt, uma paisagem em grande escala levada por US$ 104,5 milhões (cerca de R$ 553 milhões).
Mostrando uma cena de floresta nos arredores de Viena, e pintada no romântico estilo art nouveau de Klimt, esta última obra de arte é “quase como um conto de fadas”. A venda estabeleceu um novo recorde de leilão para o artista austríaco uma década e meia após ter sido parte de uma venda marcante, que incluiu cinco obras-primas Klimt uma vez saqueadas por nazistas.
A pintura de Gauguin também atingiu um recorde de leilão para o trabalho do artista (embora um quadro negociado em uma venda privada em 2015 tenha supostamente arrecadado por US$ 300 milhões, ou cerca de R$ 1,58 bilhão). Allen comprou a tela, que tem ares religiosos e tons de terracota na sua composição mãe e filho em 2004 por um valor recorde de US$ 39 milhões (cerca de R$ 206 milhões).
A obra foi pintada durante os 10 anos que Gauguin viveu na Polinésia Francesa, um período repleto de controvérsia (ele teve um filho com uma adolescente), mas que produziu pinturas que ainda são altamente procuradas.
“A maioria das pinturas ou desenhos que chegam para a venda tendem a ser de épocas posteriores de sua vida”, contou Carter.
Mestres contemporâneos
Depois de passar várias décadas reunindo sua coleção, o cofundador da Microsoft emprestou obras a museus de todo o mundo, incluindo as britânicas National Gallery e Royal Academy of Arts e o Metropolitan, de Nova York.
A exposição “Seeing Nature”, baseada em sua coleção, fez uma turnê pelos EUA em 2016 e 2017, com paradas no Seattle Museum of Art e Minneapolis Institute of Arts, entre outros. Allen morreu em 2018, aos 65 anos, devido ao linfoma não-Hodgkin.
“Allen continuou colecionando até o ano de sua morte”, lembrou Johanna Flaum, vice-presidente da arte dos séculos 20 e 21 da Christie’s.
Embora a maioria das peças mais caras vendidas no dia 9 sejam do século 20, obras-primas contemporâneas também atraíram somas recorde.
Um quadro da década de 1980 do pintor britânico Lucian Freud, “Large Interior, W11 (after Watteau)”, foi leiloada por US$ 86 milhões (cerca de R$ 455 milhões), superando o recorde anterior do artista, que era de US$ 56,2 milhões (cerca de R$ 297 milhões). Allen adquiriu a pintura em 1998 por US$ 5,8 milhões (cerca de R$ 30 milhões), cerca de 15 anos após a conclusão da obra por Freud.
Muito exposta em todo o mundo, a pintura levou dois anos ser concluída. Freud a modelou segundo as figuras do artista francês Jean-Antoine Watteau em “Les Jaloux” do início do século 18. Mas o britânico povoou a sua cena usando seus próprios familiares.
“Desde o momento em que foi pintado, o quadro tem sido amplamente considerado o melhor de Freud”, disse Flaum.
“A pintura inclui uma compilação daqueles que eram os mais próximos de Freud: uma namorada atual, ex-namorada, (seus) filhos”, explicou. “O seu mundo está encapsulado nas figuras, por isso é bastante pessoal”, destacou.
Em outro lugar, um total de seis obras de Jasper Johns, o prolífico artista norte-americano que montou uma retrospectiva de duas cidades em Nova York e Filadélfia no ano passado, foram oferecidas para venda nas duas noites de leilão.
Na quarta-feira, “Small False Start” foi vendida por mais de US$ 55,3 milhões (cerca de R$ 292 milhões).
Além de criar um recorde em leilões para o artista de 92 anos, ela está agora entre as obras mais caras de um artista vivo a ser leiloada.
“Uma das coisas interessantes sobre o mercado de Johns é que poucas obras chegam a leilão mesmo com tantos trabalhos significativos”, disse Flaum. “Preços muito bons foram negociados em privado. O mercado do leilão tem apetite para o trabalho de superior qualidade de Johns”.
A diversidade de trabalhos na coleção de Allen inclui não somente períodos diferentes, mas também meios variados. Esculturas de Alberto Giacometti e Louise Bourgeois também estão presentes na toda a venda de dois dias, juntamente com um móvel suspenso de Alexander Calder, um vaso de cerâmica de barro de Pablo Picasso e um neon do artista norte-americano Bruce Nauman.
“É difícil dizer que há um princípio unificador para uma coleção que abrange 500 anos das maiores obras de arte ocidental”, opinou Carter. “Mas eu acho que, em certa medida, ele estava buscando artistas que olharam para o mundo de uma maneira diferente, e que estavam olhando para o futuro”, complementou.
A irmã do cofundador da Microsoft, Jody Allen, declarou antes da venda que, para seu irmão, a arte era “analítica e emocional”.
“Ele acreditava que a arte expressava uma visão única da realidade – combinando o estado interior do artista e o olhar interior – de uma forma que nos inspirasse a todos. Sua coleção reflete a diversidade dos seus interesses, com a sua própria mística e beleza”, pontuou.