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    Capa da Vogue Britânica fotografada por brasileiro gera revolta

    Fotografada por Rafael Pavarotti, imagem quer celebrar o sucesso das top models africanas, mas levanta discussões por ter manipulado a cor da pele das modelos

    Stephanie Busarida CNN

    “Amiga, você viu essa capa maravilhosa… é incrível”, uma amiga me escreveu em uma mensagem no Instagram. Era a capa da Vogue britânica de fevereiro de 2022, que apresenta um grupo de supermodelos africanas.

    Essa é uma das duas fotos de capa lançadas este mês (uma segunda imagem de capa mostra uma das estrelas do grupo, a supermodelo Adut Akech, posando sozinha) e, de acordo com o editor-chefe da Vogue da Grã Bretanha, o ganense britânico Edward Enninful, as imagens visam destacar a ascensão dos modelos africanos na indústria da moda.

    No entanto, fiquei com o coração partido quando vi a foto dos modelos. Eu queria amá-la, mas a imagem me deixou confusa e levantou dúvidas sobre a execução dessa importante capa.

    Por que as modelos são retratadas em um quadro sombrio e sinistro, a iluminação tão obscura a ponto de elas serem quase indistinguíveis em uma capa destinada a celebrar sua individualidade? Por que estavam todas vestidas de preto, dando um ar fúnebre e uma aparência quase macabra, de outro mundo?

    Por que elas usavam perucas estranhamente penteadas? Muitas dessas mulheres normalmente usam seus cabelos naturais e teria sido ótimo ver isso refletido em uma capa celebrando a beleza africana. Além disso, na capa, a cor da pele das modelos parecia ser vários tons mais escuros do que o tom de pele normal.

    As fotos foram tiradas pelo fotógrafo afro-brasileiro Rafael Pavarotti, e as imagens – publicadas em inúmeras revistas brilhantes ao longo dos anos – são consistentes com seu estilo visual de apresentar a pele negra de maneira ultra-escura.

    Iluminação, estilo e maquiagem teria exagerado os tons da pele dos modelos/ Divulgação

    “Esta é uma celebração das mulheres, do matriarcado e da beleza das mulheres negras”, disse Pavarotti sobre sua primeira capa da Vogue britânica, em um artigo que acompanha as fotos online. “Elas são o passado, o presente e o futuro”, acrescentou.

    Mas a iluminação, o estilo e a maquiagem, que propositalmente exageraram os tons de pele já escuros das modelos, reduziram seus diferenciais e apresentaram um visual homogeneizado. Foi essa a melhor maneira de celebrar a beleza negra? Não teria sido melhor deixar transparecer sua beleza natural e única?

    Pavarotti não respondeu aos pedidos de comentários e Enninful recusou o pedido de entrevista da CNN, enquanto a Vogue britânica não respondeu publicamente às críticas. Um vídeo dos bastidores do ensaio fotográfico foi lançado junto com as imagens da capa. Filmado com mais luz natural, antes de as mulheres estarem totalmente estilizadas, o clipe revela mais individualidade e uma variedade de tons de pele escuros, em um dramático contraste com o resultado final.

    Em um artigo publicado no site da Vogue, Enninful descreve as modelos (Adut Akech, Anok Yai, Majesty Amare, Amar Akway, Janet Jumbo, Maty Fall, Nyagua Ruea, Abény Nhial e Akon Changkou) como “um poderoso grupo de superestrelas emergentes que não apenas dominaram as passarelas e as campanhas publicitárias, mas mudaram as lentes pelas quais a moda é vista em todo o mundo”.

    Ele acrescentou: “Não é mais apenas uma ou duas garotas de pele escura misturadas nos bastidores, mas uma série de top models assumiu um lugar significativo, substancial e igual entre as mulheres mais bem-sucedidas que trabalham na moda hoje. Significa muito para mim ver isso”.

    “Nós nos queremos como somos”

    A supermodelo sul-sudanesa Adut Akech/ Divulgação

    Uma capa é o maior prêmio que uma revista pode dar a um assunto e, historicamente, as mulheres negras raramente receberam essa honra.

    A ex-editora-chefe da Vogue britânica, Alexandra Shulman, contou em uma entrevista de 2017 para o jornal “The Guardian” que mulheres negras desconhecidas na capa venderam menos cópias das revistas.

    Então, quando as mulheres negras aparecem na capa de revistas globais como a Vogue, essas imagens circulam amplamente; nos sentimos vistas, celebradas e reconhecidas. É por isso que para muitas mulheres negras, particularmente as de pele escura como eu, essa capa da Vogue parece pessoal.

    Quando a edição de fevereiro foi lançada na semana passada, vi muitas pessoas, como minha amiga, dizendo o quão impressionante e bonito era. Então, eu perguntei no Twitter para ver se os outros estavam tão confusos quanto eu. Centenas de pessoas responderam ao meu tweet dizendo que acharam as imagens uma representação pobre de mulheres negras.

    O que descobri é que muitos de nós querem amar essas imagens, mas não conseguem se livrar de um sentimento de inquietação que está enraizado em questões mais profundas em torno dos padrões de beleza que nos excluíram por tanto tempo.

    Muitos críticos on-line sentiram que as imagens eram “fetichizadas” e favorecendo um olhar do ponto de visto dos brancos, o que é irônico, considerando que a equipe editorial por trás delas consistia quase inteiramente de pessoas de ascendência africana.

    A escritora ganesa Natasha Akua me escreveu em uma mensagem privada no Instagram: “Quando vi, fiquei imediatamente chocada […] sinto que sei qual declaração ele estava tentando fazer visualmente, mas transformando essas modelos negras em um estranho quadro tirado direto de um filme de terror parecia instintivamente errado”.

    “Por que escurecer a pele delas para além do reconhecimento?”, ela perguntou. “Para fazer alguma declaração sobre ser negro sem remorso? Negro sem remorso significa ser quem você é e não requer esse tipo de hipérbole”.

    “Acho a iluminação e os tons lindos”, escreveu Daniel Emuna. “Mas minha reclamação pessoal é que as publicações e as marcas estão constantemente comunicando que o tom mais escuro da pele representa a verdadeira essência da negritude ou mesmo da africanidade. Isso é claramente uma marca do olhar branco”.

    Enquanto o comediante e comentarista social do Sudão do Sul, Akau Jambo, escreveu: “Isso não é arte, isso é pornô de pele negra. Fetiche negro. Clareamento reverso”.

    “Esta imagem é pura manipulação”, ele me disse durante uma conversa por telefone. “Isso é o que eles fazem com modelos do Sudão do Sul para contar uma história sobre a África, e as pessoas estão dizendo que não entendemos a perspectiva do artista, mas você pode contar uma história e estar projetando uma narrativa falsa”.

    “Nós não queremos que nos façam o negro que vocês querem. Nós nos queremos como somos”.

    É inegável que Enninful e sua equipe fizeram excelentes progressos na defesa da diversidade desde que ele substituiu Shulman como editor-chefe da Vogue britânica. Sua primeira capa foi da modelo mestiça Adwoa Aboah e ele também colocou Dame Judi Dench, que aos 85 anos foi a estrela mais velha a estar na capa da revista.

    Ele dedicou a capa da edição de setembro de 2020 a 20 ativistas, incluindo o jogador de futebol do Manchester United e defensor da merenda escolar gratuita Marcus Rashford, fotografado por Misan Harriman – o primeiro negro a fotografar uma capa da Vogue britânica.

    Muitas das pessoas que me contataram não queriam criticar a capa de fevereiro por causa desse trabalho que a Enninful fez na Vogue, mas não devemos ter medo de responsabilizar até mesmo nossos irmãos e irmãs africanos quando necessário.

    A mudança não acontece da noite para o dia, mas conversas e debates abertos são essenciais à medida que avançamos para alcançar a representação que todos nós queremos ver.

    *Nota do editor: Stephanie Busari é editora supervisora da CNN para a África, com sede em Lagos, na Nigéria. Todas as opiniões expressas neste artigo são da própria autora.

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