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    Após virar vilão durante pandemia, salto alto tenta se readaptar à nova realidade

    No segundo trimestre deste ano, a queda nas vendas de salto alto nos Estados Unidos chegou a 71% - agora o sapato, tão adorado entre as mulheres, quer se reinventar

    Cibele Macietcolaboração para a CNN , Paris

    Apesar de seus 1,80m de altura, a modelo e influencer Celina Locks sempre gostou de salto alto. No entanto, nos quase dois últimos anos, desde o início da pandemia, passou a maior parte do tempo de chinelos e sandálias flats.

    O motivo? Priorizar o conforto, claro. “Podia ser salto, mas ele precisava ser usável”, confessa.

    Essa mudança de comportamento refletiu – e muito – no mercado de calçados. Segundo o instituto de pesquisas NPD Group, as vendas de salto alto caíram 45% nos Estados Unidos em 2020. Já no segundo trimestre deste ano, a queda foi de estratosféricos 71%.

    Com o relaxamento das restrições e a vida voltando aos poucos ao normal, como anda o salto nessa história toda?

     

    Fazendo um paralelo com o Brasil, em 2020, durante o período de maiores restrições, existiu um grande aderência das mulheres à produtos flats.

    O mercado, de olho nesse filão, reagiu rapidamente. “A venda de sandálias rasteiras, mules e mocassins tiveram grande relevância nas vendas. Nesse cenário, lançamos uma coleção específica para atender às clientes que estavam em casa, o que foi um grande sucesso”, conta Luciana Wodzik, diretora geral do grupo Arezzo & Co.

    E o tênis, relegado somente à pratica de esportes, um verdadeiro inimigo das mulheres acostumadas ao salto alto, acabou ganhando seu sonhado lugar de destaque no guarda-roupa feminino. “Sentimos uma mudança de comportamento do consumidor, que durante a pandemia, priorizou o conforto e se voltou mais para peças do o dia a dia. Os tênis foram a tendência do ano, e eles vêm ganhando mais e mais espaço no closet da mulher brasileira e internacional”, explica Gabriela Silvarolli, coordenadora de marketing da Corello.

    Mas parece que a pandemia não afetou somente os pés das mulheres. A mudança foi num todo no consumo de moda. Celina também passou a comprar menos e melhor, movimento que vem ganhando mais e mais adeptos.

    “A pandemia me fez ficar mais consciente dos materiais e processos utilizados na confecção das peças. Consumir, mas sempre pensando em minimizar os impactos causados ao planeta. Essa é minha prioridade”, afirma.

    Celina Locks: desceu do salto e deixou de consumir como antes / Divulgação

    Salto alto, mas com precaução

    Voltando ao tema principal: há quem acredite que um bom salto alto transforma a postura da mulher, alongando suas pernas e a silhueta. Objeto erótico, de caráter fálico, tão retratado na literatura e no cinema, por exemplo, ele empodera e agrega segurança em momentos oportunos.

    Quem já não aderiu a eles para enfrentar uma reunião com um cliente difícil? Ou para impressionar seu alvo amoroso? Descer – literalmente – à categoria dos flats e tênis pode dar a impressão de perder uma certa impressão de poder. Até onde esse mito procede?

    “A mulher pode ter a sensação de seduzir menos quando está de sapato baixo. Reflexo da sociedade, que impõe essa imagem de superioridade, de objeto sexual à mulher que usa saltos mais avantajados”, explica Pascale Monduit, psicanalista francesa.

    Uma coisa é certa: com a reabertura dos shoppings e a volta ao trabalho presencial, elas quiseram retomar os velhos hábitos e suas figuras longilíneas. “Desde julho desse ano, com o retorno do mercado, voltamos a sentir uma busca pelos saltos. Vimos que as clientes queriam se arrumar e procuravam produtos diferentes. Por isso, pensando nessa retomada, estamos construindo a nossa coleção de inverno com meias patas e botas, além de uma cartela de cor atrativa com pontos de luz relevantes”, conta Luciana da Arezzo & Co.

    “Nossa última coleção foi como um teste pós-pandemia. Investimos em saltos altos, produtos glamurosos, focando muito no desejo. Foi melhor do que esperávamos. Os best sellers absolutos foram uma sandália de salto triangular branca e um escarpim lilás”, complementa Gabriela, da Corello.

    O astro Billy Porter, de “Pose”, recebendo prêmio no palco do Emmy, em 2019 / Getty Images

    O salto, um amor antigo

    A presença do salto alto, mais especificamente das plataformas, já existe há muito tempo na vida das mulheres. Desde o século 6 a.C., para ser mais preciso. No leste asiático e no sul da Europa eles vinham acompanhados de saltos de madeira, e a ideia era que eles aumentassem o comprimento dos tecidos dos vestidos.

    Depois de um período de esquecimento, eles voltaram com tudo nas décadas de 1930, 1970, 1990 e 2000. Por que especificamente nessas décadas? Boa pergunta. Segundo uma pesquisa de 2011 da IBM, as plataformas aumentam de tamanho conforme a evolução das crises sociais, ou seja, em épocas mais desafiadoras. Quase como um modo de fuga, de escapismo.

    Um outro fator é o uso do salto por reis e nobres durante os séculos passados. Somente a nobreza era autorizada a usar saltos (sobretudo os reis com a famosa sola vermelha, detalhe que foi sabiamente reutilizado pelo estilista Christian Louboutin séculos mais tarde). O salto como sinal de poder e de exclusividade. Naturalmente, depois de uma pandemia como a Covid-19, nada como um bom salto alto para sacudir a poeira acumulada nesses dois anos de reclusão.

    Entre os homens: eles aderem mais e mais às plataformas e saltos agulha. O influencer alemão Mark Bryan é o exemplo típico de homem branco, pai de três filhos, cisgênero, heterossexual, que se apresenta de blazer, saia lápis e salto agulha.

    Seu cotidiano é exatamente esse: engenheiro, gosta de falar que tem duas paixões, os carros Porsche e os saltos agulha. Resultado: ele acumula 604 mil seguidores no Instagram, onde reúne uma comunidade fiel de admiradores. E por que não? Sem esquecer do rapper Lil Nas X, que ostenta pares de salto alto extravagantes em seus shows, e do cantor Billy Porter, que adora aparecer nos red carpets com modelos altíssimos de plataforma.

    Efeito rebote

    Depois da tempestade, a bonança. Obrigatoriamente, após uma pandemia mundial, o jeito de se vestir e de consumir das pessoas se transforma. Os gestos mais simples e cotidianos sofrem uma modificação.

    “Me considero rápida nas decisões e composições de roupas e maquiagens na hora de sair, então vou naquilo que tenho vontade, de acordo o humor do dia”, conta Locks. “Mas uma coisa é certa. Tenho economizado muito no batom e no rímel e estou só no hidratante labial mesmo”, diz.

    E a tal “revenge party”, termo que ver ganhando espaço na mídia mundial para definir a vontade de se arrumar, maquiar e sair de casa depois de um longo tempo sem ver as pessoas? Ele pode ser atual, mas não muito. O desejo de se mostrar, de “ver e ser visto”, uma hora volta. Ele sempre vai existir.

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