Xi e Putin querem nova ordem mundial e invasão da Ucrânia pode estragar planos
Análise da CNN comenta evolução do cenário mundial desde a última vez que líder chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, se encontraram e declararam amizade "sem limites"
A última vez que o líder chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, se sentaram frente a frente, eles declararam triunfantes a chegada de uma “nova era” nas relações internacionais.
Em meio a um boicote diplomático ocidental aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim e uma crise iminente na Ucrânia, os dois autocratas mais poderosos do mundo compartilharam suas visões de uma nova ordem mundial: acomodaria melhor os interesses de suas nações e não seria mais dominada pelo Ocidente.
Em uma declaração conjunta de 5.000 palavras, os dois líderes declararam uma amizade “sem limites” e expressaram suas queixas compartilhadas em relação aos Estados Unidos e seus aliados.
“O mundo está passando por mudanças importantes”, disseram na declaração conjunta, observando a “transformação da arquitetura de governança global e da ordem mundial”.
Mais de 200 dias depois, Xi e Putin se encontraram novamente em uma cúpula regional na cidade de Samarcanda, no sudeste do Uzbequistão. Muita coisa mudou, mas não necessariamente da maneira que a China ou a Rússia poderiam ter previsto.
Três semanas depois de se encontrar com Xi Jinping, em Pequim –e apenas alguns dias após o término das Olimpíadas de Inverno–, Putin lançou uma invasão em grande escala à Ucrânia. Ele esperava uma vitória rápida, mas, sete meses depois, a Rússia está longe de vencer. Suas forças estão exaustas, desmoralizadas e fugindo dos territórios que ocupam há meses.
E isso está deixando a China nervosa. Tendo se aproximado cada vez mais de Moscou sob Xi, Pequim tem uma participação direta no resultado da guerra. Uma Rússia derrotada fortalecerá o Ocidente e se tornará um ativo menos útil e confiável na grande rivalidade da China com os Estados Unidos. Uma Moscou enfraquecida também pode ser uma distração menor para os EUA, permitindo, assim, que Washington se concentre mais diretamente em Pequim.
Xi tem uma linha tênue a trilhar. Se ele se inclinar demais para ajudar a Rússia, corre o risco de expor a China a sanções ocidentais e golpes diplomáticos que prejudicariam seus próprios interesses. A reação também ocorreria em um momento delicado para Xi, que está a apenas algumas semanas de buscar um terceiro mandato no 20º Congresso do Partido.
Até agora, as duas potências autoritárias não chegaram nem perto de moldar a ordem mundial a seu favor –se alguma coisa, especialistas dizem que a guerra da Rússia contra a Ucrânia serviu para fortalecer a determinação ocidental.
Alto risco
Para Putin, invadir a Ucrânia foi provavelmente o primeiro passo para remover a Rússia da ordem internacional pós-Segunda Guerra Mundial –e pós-Guerra Fria.
Uma tomada rápida da Ucrânia teria sido um golpe doloroso para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), expandido a esfera de influência de Moscou e mudado significativamente o equilíbrio de poder na Europa, em favor da Rússia.
Uma vitória russa também pode ter estabelecido um precedente perigoso em relação à China, que prometeu “unificar-se” com a democracia autônoma de Taiwan –à força, se necessário.
Sob Xi, Pequim já está intensificando a atividade militar próxima à ilha. Uma vitória fácil para Putin teria aprofundado ainda mais a crença de Xi de que o Ocidente está em declínio e fornecido um modelo para um ataque a Taiwan –um evento de enorme consequências que poderia redefinir o equilíbrio global de poder.
Mas a Ucrânia reagiu e, em vez de sabotar a ordem liderada pelos EUA, a invasão revigorou a Otan, fortaleceu os laços transatlânticos e uniu o Ocidente.
Enquanto isso, o encontro de Putin com Xi não poderia ter ocorrido em pior momento. As forças russas estão recuando em massa no nordeste da Ucrânia, perdendo mais território em uma semana do que capturaram em cinco meses.
Embora ainda seja muito cedo para prever o resultado, mesmo a perspectiva de a Rússia perder a guerra é suficiente para deixar Pequim ansiosa.
O revés da Rússia na Ucrânia já está começando a provocar uma considerável reação política dentro de Moscou, e uma derrota completa poderia criar instabilidade política no Kremlin –e sérias dores de cabeça para a China.
Embora os laços crescentes entre a China e a Rússia sejam incentivados principalmente por suas tensões com o Ocidente, eles também são parcialmente impulsionados pelo relacionamento pessoal próximo entre Xi e Putin. Durante sua década no poder, Xi se encontrou com Putin 38 vezes –mais que o dobro de vezes que encontrou com qualquer outro líder mundial.
Não há garantia de que uma Rússia sem um Putin forte estaria tão interessada em buscar uma amizade “sem limites” com Pequim; na pior das hipóteses, pode até se tornar mais amigável com o Ocidente, aumentando os temores de longa data dos chineses sobre o cerco geopolítico pelos EUA.
Cálculo de interesse próprio
A questão, então, é até que ponto Pequim está disposta a ir para garantir que Putin permaneça no controle e que a Rússia continue sendo um poderoso parceiro estratégico e de segurança para contrabalançar os Estados Unidos.
Por sua vez, a China se absteve de votar contra a Rússia nas Nações Unidas. O país culpou a Otan e os EUA pela guerra e condenou as sanções ocidentais a Moscou. Também intensificou a assistência econômica ao seu vizinho, impulsionando o comércio bilateral para níveis recordes.
“A China está disposta a dar à Rússia algum apoio tácito politicamente, diplomaticamente e, até certo ponto, economicamente, mas o ponto principal é que não vai sair do seu caminho e prejudicar seus outros objetivos estratégicos para apoio a Rússia”, disse Brian Hart, bolsista do China Power Project no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Até agora, Pequim evitou cuidadosamente ações que poderiam violar as sanções ocidentais, como fornecer ajuda militar direta a Moscou. O acesso ao mercado global é crucial para a China, especialmente quando sua economia já está assolada por problemas graves –desde a desaceleração do crescimento, o aumento vertiginoso do desemprego entre os jovens até o colapso do mercado imobiliário.
Uma área a ser observada, disse Hart, é a venda de armas. A China tem sido um dos maiores compradores de armas da Rússia. “Eu me pergunto se a própria indústria de defesa da Rússia está sobrecarregada, ela compraria armas da China”, disse ele.
Mas, mesmo assim, a China provavelmente procuraria enviar peças de reposição ou itens que não estão na lista de sanções, ou enviá-los por rotas complicadas que são difíceis de rastrear.
“[Pequim e Moscou] disseram repetidamente que não pretendem criar uma aliança formal que os una de maneira que vá contra seus interesses. Isso não funcionou para eles durante a aliança sino-soviética na década de 1950, e acho que eles realmente veem isso como uma lição de história”, disse Hart.
“Acho que a China só continuará a fortalecer as relações com a Rússia na medida em que realmente for do interesse geral deles.”
Desconforto crescente
Mas mesmo antes dos problemas do campo de batalha da Rússia, sua agressão militar à Ucrânia –e o apoio tácito de Pequim a Moscou– já havia alienado alguns países fora da órbita ocidental.
Quando Xi e Putin se encontrarem com outros líderes da Organização de Cooperação de Xangai de oito nações no Uzbequistão na quinta (15) e sexta-feira (16), a guerra na Ucrânia será o elefante na sala.
Tendo visto os tanques russos entrarem na Ucrânia, uma ex-república soviética, os líderes da Ásia Central dos antigos territórios soviéticos estão preocupados que a Rússia também possa invadir suas terras.
O Cazaquistão, em particular, se recusou a seguir a linha de Moscou. Enviou ajuda humanitária para a Ucrânia, e seu presidente, Kassym-Jomart Tokayev, se recusou publicamente a reconhecer as regiões separatistas apoiadas pela Rússia no leste da Ucrânia, enfurecendo algumas autoridades do Kremlin.
A recusa da China em condenar a Rússia causou desconforto entre os países da Ásia Central, disse Niva Yau, pesquisadora sênior da Academia OSCE, um think tank de política externa no Quirguistão.
“A China está em desacordo com os países da região porque ainda está olhando para a guerra da Rússia na Ucrânia a partir dessa narrativa antiocidente –como se estivesse prestes a derrubar a hegemonia ocidental”, disse ela.
Isso corre o risco de prejudicar os esforços da China para construir laços mais fortes com seus vizinhos da Ásia Central, um esforço em que a China investiu pesadamente por duas décadas, segundo Yau.
Durante a visita de Estado de Xi ao Cazaquistão na quarta-feira (14) –sua primeira viagem ao exterior em quase 1.000 dias– o líder chinês procurou aliviar essas preocupações.
“A China sempre apoiará o Cazaquistão na manutenção da independência nacional, soberania e integridade territorial”, disse Xi a Tokayev, o presidente cazaque, segundo a mídia estatal chinesa.
Uma ordem mundial contra o Ocidente
A viagem de Xi Jinping à Ásia Central não se trata apenas de mostrar apoio a Putin. Trata-se também de fortalecer os laços na periferia da China e reafirmar a influência global de Pequim.
Fundada pela China em 2001 para combater o terrorismo e promover a segurança nas fronteiras, a Organização de Cooperação de Xangai esteve envolta em relativa obscuridade por anos. Sob Xi, expandiu-se em tamanho e perfil, concedendo adesão à Índia e ao Paquistão em 2017. Depois de anos na lista de espera como observador, o Irã está programado para se tornar um membro pleno desta cúpula, segundo relatos da mídia estatal chinesa.
O Afeganistão também é um observador, e o Talibã –que assumiu Cabul após uma retirada caótica dos EUA no ano passado– está enviando uma delegação a Samarcanda.
Mas é o Irã que alarmou o Ocidente. Desde 2019, Irã, Rússia e China realizaram três exercícios navais conjuntos em meio ao aprofundamento dos laços. Agora, a esperada inclusão do Irã na Organização de Cooperação de Xangai está alimentando temores há muito mantidos por alguns observadores de que o grupo está emergindo como um bloco anti-Ocidente.
Mas alguns especialistas dizem que em seu estado atual, a organização não é realmente a plataforma ideal para a China e a Rússia impulsionarem essa ordem mundial contra o Ocidente.
Como uma organização multilateral, a Organização de Cooperação de Xangai é um bloco regional muito mais fraco em comparação com a União Europeia ou a Associação das Nações do Sudeste Asiático.
“Na verdade, às vezes houve alguma tensão dentro da Organização de Cooperação de Xangai. A Rússia tentou promover alguns de seus interesses que nem sempre estão alinhados com os da China na região. Não acho que esteja perfeitamente configurado para ser esse tipo de plataforma para moldar uma nova ordem mundial”, disse Hart, do CSIS.
Também para complicar o quadro está a presença da Índia, que tem fortes laços com a Rússia desde a Guerra Fria. Mas Delhi também viu as relações com Pequim despencarem devido a conflitos ao longo de sua fronteira e se aproximou de Washington e seus aliados no Indo-Pacífico.
A Índia é membro do Diálogo de Segurança Quadrilátero ao lado dos EUA, Japão e Austrália, um grupo que se aproxima das ameaças da China.
No entanto, Xi usará a cúpula da organização para mostrar tanto à torcida local quanto ao mundo que, apesar de estar diplomaticamente isolada pelo Ocidente, a China ainda tem amigos e parceiros e está pronta para assumir mais liderança no cenário mundial.
Mas se a guerra na Ucrânia acabar sendo um importante ponto de inflexão para o enfraquecimento da Rússia, isso poderá representar um revés para os planos de Xi.
“A China realmente não tem outros grandes parceiros poderosos da mesma forma que os Estados Unidos têm muitos aliados europeus e do indo-pacíficos nos quais podem contar. Portanto, a Rússia é de longe o estado mais poderoso que está um pouco alinhado com a China”, disse Hart.
“Acho que isso é algo com que Pequim se preocupa –que a Rússia vai se estender demais e isso pode minar seus esforços coletivos para moldar a ordem mundial”.