Visita de Lula à China levanta riscos de armadilha financeira do yuan e de “bandeira vermelha” para os EUA
Movimentos podem aumentar exposição e dependência do Brasil com relação à China, que hoje são consideráveis
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu nesta quinta-feira (13), em Xangai, a substituição do dólar pelo yuan nas transações entre China e Brasil e visitou a gigante de equipamentos de telefonia Huawei, banida ou restrita por países ocidentais.
São movimentos que aumentam a exposição e a dependência do Brasil com relação à China, que hoje são consideráveis.
Lula disse que “se pergunta todas as noites” por que o dólar é usado nas transações entre países, e desafiou: “Não podemos inovar?”. Por trás de uma moeda, existe todo um sistema institucional, que a torna mais ou menos confiável.
O Banco Central americano é independente e o sistema de Justiça, eficiente e eficaz. Foi por isso que o dólar se consolidou como moeda global.
Quando há uma crise de confiança, mesmo que ela tenha sido gerada nos próprios Estados Unidos, como foi o caso em 2008, os investidores correm para o dólar porque confiam nos fundamentos institucionais que sustentam a economia americana.
O fato de a China ser a segunda maior economia do mundo, e no futuro talvez a primeira, não muda o risco representado por ter yuans nas reservas, seja como dinheiro físico, seja digital ou qualquer tipo de ativo denominado na moeda chinesa.
O Banco Popular da China não é independente, e o renminbi, nome técnico da moeda chinesa, não flutua livremente, como o dólar, o euro, a libra ou o próprio real.
Como já aconteceu várias vezes, o governo chinês pode adotar medidas para desvalorizar a moeda, por exemplo, para aumentar as exportações ou para fazer frente ao déficit público interno.
Ele tem feito isso sem sequer anunciar ou assumir publicamente, deixando os agentes econômicos descobrirem sozinhos. Da noite para o dia, com uma canetada, as reservas do Brasil denominadas em yuan podem perder 5% ou 10% de seu valor.
Além disso, a moeda chinesa só serve para comprar produtos chineses, ou dos países que a aceitam, como viria a ser com os integrantes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), conforme a proposta de Lula. Isso tiraria a liberdade do Brasil de escolher seus fornecedores.
Hoje, nossa venda de soja, minério de ferro e carne para a China abastece os cofres do Banco Central do Brasil com dólares, que usamos para importar o que quisermos, pagar dívidas externas ou comprar reais para segurar o valor da nossa moeda.
Recebendo em renminbi, só poderíamos comprar produtos chineses ou desses outros países, que não são necessariamente os que produzem o que precisamos, com a qualidade e preço que desejamos. É uma armadilha financeira.
A Huawei foi banida pelos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia. A Alemanha estuda fazer a mesma coisa. Outros países adotaram restrições pontuais, de gerações de equipamentos ou para determinadas empresas, como foi o caso da TIM italiana.
A empresa chinesa alega que é privada. Entretanto, não há empresa chinesa grande que não tenha em seu conselho de administração funcionários do Partido Comunista Chinês.
Mesmo que o Brasil não compartilhe as preocupações desses países com o risco de invasão de privacidade e de controle dos cidadãos pelo governo chinês, há um segundo risco.
Os Estados Unidos estão cerceando o acesso de empresas chinesas e componentes de tecnologia estratégica, como semicondutores (chips).
Há o risco de descontinuidade na cadeia de valores dos produtos da Huawei, que poderia comprometer as operadoras de telefonia que os utilizam. Foi por isso que o lucro líquido da Huawei caiu 69% no ano passado.
Do ponto de vista político, a visita de Lula à Huawei tem toda a aparência de uma provocação. “A visita de Lula à Huawei ergue uma bandeira vermelha para os Estados Unidos”, disse Evan Medeiros, especialista em relações EUA-China da Universidade Georgetown, em Washington, em um webinar promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) nessa quinta-feira (13).
Medeiros, que foi o principal assessor da Casa Branca sobre Ásia-Pacífico no governo de Barack Obama, ponderou que a estratégia de extrair o máximo de vantagens das relações com os EUA e a China é compreensível, mas requer muita “sofisticação”.
Até porque, os governos dos dois países sabem que essa é a intenção brasileira, e podem não entregar o que o Brasil espera.
Ele também advertiu para o risco de o Brasil sair de uma situação de interdependência para a de “dependência assimétrica” com a China. E recomenda que o governo brasileiro se pergunte se realmente deseja se aliar a um regime que não defende a ordem internacional por meio das normas e dos direitos humanos, mas da lei do mais forte.