Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Vindo da esquerda, Daniel Ortega tem histórico de terror político e perseguição na Nicarágua

    Em meio a expulsões de embaixadores, a CNN ouviu especialistas sobre qual é o cenário hoje do governo do país

    Elizabeth Matravolgyida CNN

    Em meio a expulsões de embaixadores, a CNN ouviu especialistas sobre qual é o cenário hoje do governo da Nicarágua. O país da América Central expulsou o embaixador brasileiro Brano de Souza e, em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu, nesta quinta-feira (8), também expulsar a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu.

    As disputas diplomáticas revelam o enfraquecimento da relação entre o presidente Lula e Ortega.

    Figuras antigas na política latino-americana estão afastados desde um pedido do papa Francisco para que Lula intercedesse a favor de bispos e padres sequestrados na Nicarágua.

    Ortega teria ignorado, mais de uma vez, as tentativas de contato do petista.

    Mas afinal, quem é Daniel Ortega e como podemos classificar o governo da Nicarágua?

    Para isso, precisamos voltar à história.

    Daniel Ortega chegou ao poder após a Revolução Sandinista, que deu fim a uma ditadura de direita em 1979. Antes disso, o país era alvo de forte influência dos Estados Unidos, que queriam construir um canal que liga os dois oceanos (Atlântico e Pacífico).

    Ortega foi eleito com 60% dos votos e assumiu a presidência em 1985. “Daniel Ortega vem do movimento Sandinista, que foi um movimento revolucionário da Nicarágua muito importante. Foi presidente lá atrás nos anos 80, com esse caráter do Sandinismo. Hoje a coisa é muito mais complexa”, afirma Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

    O Sandinismo é um movimento que nasceu no início do século 20, contra a interferência americana no país. Ele foi encabeçado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) contra a ditadura da família Somoza.

    “Daniel Ortega vem da esquerda. Ele foi a liderança principal do movimento Sandinista nos anos 80, quando representava claramente a uma alternativa de esquerda à longa ditadura da família Somoza”, disse Rafael Ioris professor de história latino-americana da Universidade de Denver.

    O Sandinismo era fundado em princípios que caracterizam movimentos de esquerda como ideias anti-imperialistas, populista e sociais.

    Ortega era visto como um líder de esquerda na época e ficou no poder até 1990, quando perdeu as eleições para Violeta Barrios de Chamorro, dando fim ao poder dos Sandinistas na Nicarágua.

    O político perdeu outras duas eleições, em 1996 e 2001 e só voltou ao poder em 2007, durante eleições democráticas.

    Ortega volta diferente

    “No início do século 21, Ortega volta ao poder já com uma liderança muito diferente do que foi o Sandinismo clássico”, complementa Ioris.

    Os especialistas concordam ao dizer que Ortega aos poucos foi minando qualquer instituição democrática para se manter no poder. “Governos que são eleitos democraticamente, mas para se perpetuar no poder vão rompendo gradativamente com as instituições democráticas, eles vão rasgando as regras dos jogos democráticos”, afirma Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da UNIFESP.

    No primeiro mandato, Ortega retirou os impeditivos para reeleição no país e por meio disso ele concorreu a mais três eleições, onde venceu todas.

    Em 2012, a vitória veio aliada de denúncias de fraude eleitoral. Em 2016, o líder barrou todos os opositores e foi duramente criticado pela comunidade internacional.

    Em 2018, protestos contra o governo Ortega sofreram forte repressão e mais de 300 pessoas morreram nas ruas. A mais recente votação, em 2021, foi rodeada por denúncias da oposição de que possíveis adversários políticos foram presos dias antes do dia da eleição.

    Para Pedroso a “Nicarágua de Daniel Ortega de 2024 não é a mesma Nicarágua do Ortega dos anos 80. Hoje a repressão do governo Ortega é muito mais dura contra sua própria dissidência do que contra os opositores de “direita”, os opositores tradicionais”.

    Os especialistas ressaltam que a administração atual de Ortega é menos ideológica e mais autoritária. Por isso, os pesquisadores têm dificuldade de classificar a orientação política do regime da Nicarágua: “É uma autocracia dele com a mulher dele. É o regime Ortega-Murillo.”

    Perseguição a Igreja Católica

    Os especialistas ressaltam que além de perseguir a oposição e a população, Ortega tenta a todo custo expulsar a Igreja Católica. Fato curioso para quem estuda história, pois a igreja foi essencial e um dos locais de resistência do movimento Sandinista, liderados por Ortega no passado.

    “Ortega, hoje, se sustenta nos movimentos neopentecostais, nas igrejas neopentecostais, que é conservadora nos costumes. Quem também sustenta o regime são os evangélicos”, afirma Pedroso.

    Nos últimos anos, Ortega expulsou 18 freiras, prendeu padres e bispos, além de queimar imagens de Santos nas igrejas e nos centros religiosos.

    A igreja foi inclusive um dos fatores que levaram ao esfriamento ainda maior das relações entre Ortega e o presidente Lula.

    Brasil – Nicarágua: uma relação que nunca foi próxima

    Apesar de Lula e Ortega estarem inseridos no mesmo contexto da ascensão da esquerda na América Latina, nos anos 2000, a relação dos dois nunca foi muito próxima.

    “Os dois têm histórico nos anos 80, onde eram lideranças de esquerda claras. Mas desde a volta do Ortega em 2007, não acho que tenha tido uma relação entre os dois”, afirma Ioris.

    As recentes rupturas entre os governos colocam o Brasil em uma posição complicada, uma vez que Lula quer assumir o papel de liderança da América Latina. “Com a Nicarágua, o Lula, apesar de reconhecer que Ortega ‘pisou na bola’ com a democracia, ele mantém um canal aberto até ontem, até o momento em que se expulsa a representação diplomática. A meu ver, o Brasil vai tentar revidar o menos possível. O Brasil não revidou Javier Milei e nem Maduro. Seguindo essa lógica o Brasil não vai revidar. Vai esperar passar a calmaria para tentar reconstruir a relação”, afirma Bressan.

    Tópicos