Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Veteranos dos EUA estão decepcionados com a atual situação no Afeganistão

    Militares que atuaram durante anos no país demonstraram frustração com a rápida ascensão do Talibã; eles estão preocupados com aliados afegãos que estão no país

    Dakin Andone, CNN

    Com a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, o mundo assistiu à rápida retomada do controle do país pelo Talibã, que tomou em Cabul neste domingo (15), enquanto o então presidente afegão, Ashraf Ghani, fugia do país e os Estados Unidos evacuavam sua embaixada usando helicópteros.

    Agora, muitos veteranos dos EUA estão expressando frustração e desapontamento com a rapidez com que o Talibã se consolidou após quase 20 anos de guerra. “Estou sentado aqui há 20 anos, quase desde o evento que me impeliu para o serviço militar, que foram os ataques de 11 de setembro”, disse Matt Zeller, veterano do Afeganistão e presidente do conselho consultivo da Associação dos Aliados em Tempo de Guerra.

    “E agora estou me perguntando se os últimos 20 anos foram completamente inúteis e em vão”, disse ele à CNN. “Todos os amigos que perdi no Afeganistão… para que serviram suas mortes? Para que o sacrifício se este foi o desfecho?”. “Não acho que fiz nada de valor neste momento”, completou.

    Mas para veteranos como Zeller, o modo como a guerra mais longa da América chegou ao fim é apenas parte do sentimento: eles também estão preocupados com os intérpretes, tradutores afegãos e pessoal de apoio que passaram anos trabalhando com os Estados Unidos mesmo correndo grande risco.

    Zeller foi enviado ao Afeganistão em 2008 e serviu como conselheiro de combate integrado às forças de segurança afegãs. Em seu 14º dia no país, o intérprete afegão de Zeller, Janis Shinwari, salvou sua vida, matando dois combatentes talibãs que estavam prestes a matá-lo.

    Para pagar o que considerou sua “dívida de vida”, Zeller ajudou Shinwari a conseguir um visto e vir para os Estados Unidos. Percebendo como o processo era difícil, Zeller e Shinwari fundaram a “No One Left Behind”, uma organização que ajuda a trazer intérpretes que trabalharam com as tropas americanas para a América.

    Zeller dedicou anos a esse trabalho e, durante os últimos meses, pede às autoridades americanas a garantia de que os aliados afegãos dos Estados Unidos sejam evacuados com segurança.

    No entanto, ao ver o Afeganistão cair nas mãos do Taleban enquanto milhares de aliados afegãos lutam por uma saída, Zeller diz: “Eu me sinto um fracasso total”.

    Tropas norte-americanas se retiram gradualmente do Afeganistão
    Tropas norte-americanas se retiram gradualmente do Afeganistão (06.jul.2021)
    Foto: Reprodução / CNN

    Famílias questionam sacríficio de seus entes queridos diante dos desdobramentos no Afeganistão

    Há uma ampla gama de opiniões entre os veteranos da guerra do Afeganistão sobre a retirada, disse Tom Porter, um veterano do Afeganistão e vice-presidente executivo para relações governamentais no Iraque e parte dos Veteranos do Afeganistão da América (IAVA). 

    Salientando que ele não fala por todos, Porter disse que alguns veteranos acham que a retirada já deveria ter ocorrido, enquanto outros acreditam que os Estados Unidos deveriam ter ficado para evitar qualquer tipo de violência.

    “Mas a grande maioria dos veteranos que tenho ouvido tem sentido grande preocupação com os outros veteranos que se sacrificaram tanto e as famílias que perderam seus filhos e maridos e seus pais e mães entre outros membros nos últimos 20 anos “, disse Porter. “Eles estão se perguntando se o serviço de seus entes queridos valeu a pena?”, relatou. 

    As imagens que saem do Afeganistão estão rapidamente construindo uma narrativa, disse ele, que moldará as opiniões dos veteranos sobre os últimos 20 anos.

    “Isso vai colorir a forma como os veteranos e membros do serviço pensam sobre o fim de seu serviço, o resultado dele”, disse Porter. “Todos na comunidade vão olhar para ver como a história vai se lembrar do que fizemos lá?.”

    O ex-combatente no Afeganistão, Gerald Keen, disse a Pamela Brown, da CNN, que sabia que essa hora chegaria. Mas ele discorda da forma como a retirada se desenrolou, acreditando que os soldados americanos não deveriam ser mandados de volta para fazer um trabalho que ele acha que deveria ter sido feito antes do fechamento do campo de aviação de Bagram.

    Centenas de afegão tentaram embarcar à força em avião americano
    Centenas de afegão tentaram embarcar à força em avião americano em fuga desesperada da capital Cabul após invasão do Talibã
    Foto: Reprodução/CNN Brasil (16.ago.2021)

    O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, aprovou o envio de mais mil soldados americanos para o Afeganistão, disse um oficial de defesa à CNN neste domingo – com isso, o total de soltados no país sobe para 6 mil.

    “Agora temos que enviar soldados de volta ao perigo para ajudar a evacuar as embaixadas e esses intérpretes que lutavam lado a lado conosco todos os dias”, disse Keen.

    Grande parte da ansiedade dos veteranos está ligada ao esforço de retirar aqueles que ajudaram os Estados Unidos, a vida deles e de suas famílias corre perigo, disse Jeremy Butler, presidente-executivo do IAVA.

    Cerca de 20 mil afegãos solicitaram visto aos EUA

    O Departamento de Estado dos EUA disse que há cerca de 20 mil afegãos que solicitaram um Visto Especial de Imigrante (SIV) para poderem entrar nos EUA.

    Na última sexta-feira (13), 1.200 afegãos e suas famílias foram evacuados para a América como parte da “Operação Refúgio dos Aliados” do governo, e funcionários do governo disseram que acelerariam os esforços para tirar os candidatos e suas famílias do Afeganistão e enviá-los aos Estados Unidos ou um terceiro país.

    Mesmo com o ritmo acelerado de realocação pormeio do SIV, há dezenas de milhares de outros afegãos que trabalharam ao lado dos Estados Unidos que não se qualificam para o programa e precisarão buscar outras saídas.

    Trata-se de cumprir as promessas feitas, disse Butler, não apenas pelo governo dos Estados Unidos, mas também pelos veteranos que, agora, estão de volta e que confirmaram estas promessa a seus colegas e aliados afegãos.

    Tradutor afegão que vive nos EUA luta para retirar sua família do Afeganistão

    Said Noor passou 17 anos servindo nos Estados Unidos como intérprete afegão. Ele emigrou do Afeganistão e se juntou ao Exército dos EUA e disse que está surpreso com a rapidez com que o Talibã ganhou terreno. Mas agora, o veterano do Exército está lutando para tirar sua própria família do Afeganistão. À CNN, Noor diz que seusa familiares estão ligando para ele em busca de ajuda.

    “Como eles vão sair do Afeganistão? Se tornarão o próximo alvo do Talibã?”, questiona o tradutor.  Até agora, no entanto, seu esforço tem sido em vão. Noor diz que se é tão difícil para ele, como cidadão americano, tirar sua família de lá, ele não consegue imaginar como seria para aqueles que não possuem o visto. 

    “Se eu me colocar no lugar dos outros intérpretes que não têm nenhum contato com os Estados Unidos, ou dos intérpretes locais no Afeganistão, a vida deles corre tanto perigo quanto a de minha família”, disse ele. “E eles não têm como sair do país.”

    ‘Estas são pessoas em quem confiamos’; veteranos trocam mensagens com aliados

    Kristen Rouse serviu no Afeganistão por três temporadas – passando, no total, 31 meses no país. Mas ao ser questionada se ela achava que os últimos 20 anos valeram a pena, Rouse, que é presidente da New York City Veterans Alliance, disse à CNN: “É uma pergunta realmente difícil de responder.”

    Ela disse que achava que as tropas deveriam ter sido trazidas para casa há muito tempo, mas comparou a forma como a retirada foi executada com os Estados Unidos a um puxão no tapete sob os pés de aliados afegãos.

    Um intérprete com quem ela trabalhou – marido e pai de cinco filhos – está atualmente escondido, disse Rouse, incapaz de superar as barreiras para a concessão de um visto pelos EUA.

    Rouse disse que ela é uma dos muitos veteranos que trocam mensagens com aliados afegãos que não conseguem sair. “É angustiante”, disse ela. “Essas são pessoas em quem confiamos, que prometemos não deixá-las para trás. E as abandonamos por causa da burocracia e por não termos um plano para tirá-las de lá. E estão sendo caçadas. Elas estão sendo caçadas e assassinadas.”

    Zeller disse à CNN que concordou com o fim da guerra, dizendo que era vergonhoso que este conflito tivesse durado tempo suficiente para que seus filhos pudessem ter lutado. Mas disse que está com o coração partido pelas pessoas que passou dez anos tentando ajudar.

     

    Temo que vamos deixar o Afeganistão da mesma forma que deixamos a cidade de Bagram: no meio da noite, sem contar aos nossos amigos afegãos

    Matt Zeller, veterano do Afeganistão

     

    Intérprete consegue refúgio no Canadá

    Gerald Keen se aproximou do intérprete afegão com quem trabalhava, Rahim Haidary, depois que se conheceram no Afeganistão em 2016. 

    Desde então, Gerald e sua esposa, Lynette, cultivam um relacionamento com Haidary e sua família. Eles pensam nele como um filho, e os filhos de Haidary consideram Lynette e Gerald como avós, disse o casal a Pamela Brown, da CNN.

    Eles têm trabalhado para levar Haidary e sua família aos Estados Unidos por meio do programa de visto SIV, com a ajuda da Associação de Aliados em Tempo de Guerra. Mas Lynette disse que o processo tem demorado anos.

    A família de Haidary, no entanto, conseguiu evacuar para o Canadá. Ele e sua família desembarcaram em Toronto neste domingo, onde cumprirão quarentena de duas semanas. Os Keen se sentiram aliviados com a notícia. 

    Jennifer Hansler, da CNN, contribuiu para esta reportagem. 

    (Este texto é uma tradução. Para ler o original, em inglês, clique aqui)