Venezuela: entenda a lei “antifascista” proposta pelo governo de Maduro
Projeto de lei visa regular redes sociais e ONGs
O projeto de “Lei contra o fascismo, o neofascismo e expressões similares” promovido pelo governo de Nicolás Maduro terá mais um capítulo nesta terça-feira (13) num debate anunciado pela Assembleia Nacional da Venezuela, em meio à incerteza pós-eleitoral e às reclamações internacionais sobre prisões arbitrárias e violações dos direitos humanos.
O projeto de lei – composto por 30 artigos – contempla diversas sanções para quem praticar atos que as autoridades considerem fascistas, neofascistas ou similares. Estas sanções podem ser criminais (anos de prisão), administrativas (multas) ou envolver a dissolução de organizações.
O que argumenta o governo?
Na exposição de motivos, o governo salienta que esta lei é necessária por causa de setores sociais que frequentemente “recorrem à violência como forma de ação política, contrariando abertamente os postulados constitucionais que, entre outras coisas, incluem proteger o exercício democrático da vontade popular”.
“Este projeto de lei procura estabelecer os meios e mecanismos para preservar a coexistência pacífica, a tranquilidade pública, o exercício democrático da vontade popular, o reconhecimento da diversidade, da tolerância e do respeito mútuo, face às expressões de ordem fascista, neofascista ou similar que podem surgir no território da República Bolivariana da Venezuela”, diz o documento.
Como a lei define o fascismo?
O projeto de lei define o fascismo (artigo 4º) como a posição ideológica que, baseada numa alegada superioridade moral, étnica, social ou nacional, “assume a violência como método de ação política”, ataca a democracia e as suas instituições e promove a supressão dos direitos dos cidadãos e de alguns setores em favor de outros.
“O racismo, o chauvinismo, o classismo, o conservadorismo moral, o neoliberalismo, a misoginia e todos os tipos de preconceito contra o ser humano e o seu direito à não discriminação e à diversidade são características comuns desta posição”, aponta.
O projeto parece redefinir o que é o fascismo, pelo menos na Venezuela. Nos círculos acadêmicos e políticos de muitos países, o fascismo é reconhecido como a “ideologia política e movimento de massas que dominou muitas partes da Europa Central, Meridional e Oriental entre 1919 e 1945 e que também teve seguidores na Europa Ocidental, nos Estados Unidos, na África do Sul , Japão, América Latina e Oriente Médio”, segundo a Enciclopédia Britânica.
Embora os partidos e movimentos fascistas difiram significativamente entre si ao longo da história, eles têm “muitas características em comum, incluindo o nacionalismo militarista extremo, o desdém pela democracia eleitoral e pelo liberalismo político e cultural, a crença na hierarquia social natural e no domínio das elites, e a desejo de criar uma Volksgemeinschaft (alemão: ‘comunidade popular’), na qual os interesses individuais estariam subordinados ao bem da nação”, acrescenta a Enciclopédia.
Historicamente, Benito Mussolini, o primeiro líder fascista da Europa, e Adolf Hitler, líder da Alemanha nazista, são usados como referências para essa ideologia.
Mas o projeto venezuelano parece referir-se a outra coisa.
Que tipo de sanções o projeto inclui?
O projeto de lei propõe proibir reuniões ou manifestações que defendam o que o governo considera fascismo, neofascismo ou expressões similares (artigo 12), bem como estabelecer que os tribunais civis de primeira instância tenham o poder de dissolver organizações sociais que difundam essas ideologias (artigo 14 ).
O projeto de lei indica que caberá ao Ministério Público ordenar e dirigir a investigação criminal desses crimes.
No âmbito político, prevê que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) possa cancelar o registro de partidos que promovam “atos fascistas” (artigo 15), e que a Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça possa ordenar a dissolução desses partidos por proposta do Ministério Público (artigo 16).
O instrumento em discussão considera “atos fascistas” aqueles em que uma pessoa “solicita, invoca, promove ou executa ações violentas como meio ou meio para o exercício de direitos políticos”.
Quem recorrer à violência para fins políticos será punido com pena de 8 a 12 anos de prisão e inabilitação política (artigo 22.º). Para quem defende o “fascismo”, é proposta pena de 6 a 10 anos de prisão e inabilitação política (artigo 23).
Para quem financia atividades “fascistas”, estão previstas multas em bolívares que equivalem a entre 50.000 e 100.000 vezes a maior taxa de câmbio em relação ao dólar publicada pelo Banco Central da Venezuela (artigo 27).
Da mesma forma, o documento inclui sanções para os meios de comunicação. Neste caso, está prevista a revogação da concessão para canais de televisão ou estações de rádio que transmitam mensagens “fascistas”, na opinião das autoridades (artigo 28.º).
Qual é o contexto do projeto de lei?
A lei promovida pelo governo foi discutida na Assembleia Nacional – com maioria pró-governo – em maio, quando faltavam alguns meses para as eleições presidenciais de 28 de julho e enquanto cresciam as tensões entre o Executivo e a oposição. Agora, ela volta à mesa do debate pós-eleitoral, quando tanto o partido no poder como a oposição reivindicam vitória.
Uma ideia questionada
O projeto de lei “tem definições conceituais abertas e interpretação arbitrária” e pode ser usado como um “instrumento de censura e limitação extrema à liberdade de expressão e informação”, alertou a Organização Laboratório para a Paz na Venezuela, que se dedica a pesquisar questões de democracia, direitos humanos e não-violência.
A aprovação da medida “significaria avanços na construção de um modelo de governo totalitário no país, agravando ainda mais as garantias de usufruto dos direitos humanos da população e distanciando-nos da possibilidade de abrir caminho para uma transição para a democracia”, a organização alerta em sua análise.
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