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    Talibã um ano depois: como retomada de poder pôs credibilidade dos EUA em xeque

    A retirada das tropas americanas do território afegão completa um ano nesta segunda-feira (15)

    Lourival Sant’Annada CNN

    Um ano depois da tomada de Cabul pelo Talibã, duas realidades se consolidam, dentro e fora do Afeganistão: o movimento fundamentalista se agarra solidamente ao poder, apesar das dificuldades econômicas e das pressões externas, e os Estados Unidos põem em prática sua nova estratégia de projeção de poder sobre o mundo.

    As reservas do governo afegão no exterior foram congeladas pelos Estados Unidos e a Europa. Isso, combinado com a gestão amadora da economia, resulta em que 90% da população consome quantidade insuficiente de comida, segundo a ONU. Os preços de produtos básicos, como óleo diesel, farinha, arroz e açúcar aumentaram 50% nesse ano, de acordo com o Banco Mundial.

    As mulheres, impedidas de trabalhar, são as mais sacrificadas no presente. As meninas, proibidas de estudar a partir do sexto ano, as mais prejudicadas, no futuro. Exatamente como no primeiro período em que o Talibã governou, entre 1996 e 2001, professoras incrivelmente corajosas acolhem meninas em suas casas, para lhes dar aulas.

    A caótica retirada americana e o retorno do Taliban ao poder resultaram em perda de credibilidade e de percepção de capacidade estratégica e militar dos Estados Unidos. A decisão de retirada foi unilateral, ignorando a presença dos aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A coesão da aliança se esgarçou.

    Essa constatação representou um incentivo para a Rússia invadir a Ucrânia, seis meses depois. A invasão, no entanto, funcionou precisamente para reforçar e ampliar a aliança, com a entrada da Suécia e da Finlândia.

    A volta do Talibã ao poder significou a reinstalação de sua aliada Al-Qaeda. Foi essa parceria que levou à invasão do Afeganistão e derrocada do Talibã, em 2001, depois do atentado contra as Torres Gêmeas e a recusa do Taliban de entregar Osama bin Laden aos Estados Unidos.

    Um ano depois da retirada atabalhoada, um ataque americano com mísseis disparados por drone matou em Cabul o líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri. Com isso, o governo de Joe Biden procurou provar que é capaz de garantir a segurança dos americanos no que diz respeito ao Afeganistão: a contenção do terrorismo.

    A retirada do Afeganistão encerrou um ciclo na política de defesa americana: o das intervenções militares maciças. De 2008 para cá, todos os presidentes americanos, dois democratas e um republicano, elegeram-se com base na promessa de se retirar do Iraque e do Afeganistão e não se engajar mais em aventuras militares: Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden.

    Esse é o maior consenso na sociedade americana, hoje. Diante dessa premissa, a invasão da Ucrânia desencadeou uma guerra por procuração, na qual os Estados Unidos e seus aliados da Europa, da Ásia e do Indo-Pacífico participam fornecendo armas, inteligência, treinamento e assistência econômica. Exatamente como eles e a então União Soviética faziam na guerra fria.

    Do sucesso da contenção da Rússia na Europa depende o futuro de Taiwan como nação independente. A China aguarda o resultado dessa guerra por procuração para definir seus próximos passos rumo à anexação da ilha. Diferentemente do que aconteceu no Afeganistão, em que os EUA marcaram data para sua retirada, e na Ucrânia, em que descartaram de antemão um envolvimento direto na guerra, o governo Biden mantém a chamada ambiguidade estratégica com relação a Taiwan — deixando a China na dúvida sobre se teria de enfrentar as Forças Armadas americanas ou não.

    Quanto ao terrorismo, EUA, Europa e Ásia aperfeiçoaram seus sistemas de contenção, a ponto de a Al-Qaeda não ter conseguido realizar mais ataques de repercussão. As franquias filiadas ao grupo concentram seus esforços na África, sobretudo Somália, Etiópia, Quênia, Moçambique e Sahel — a região intermediária entre o Deserto do Saara e a Savana. A instabilidade trazida pela atuação dessas células levou a 6 golpes de estado em 18 meses na África Ocidental: 3 no Mali e um no Chade, Guiné e Burkina Faso. Esses golpes levaram a França a retirar suas forças de estabilização do Mali, enquanto os Estados Unidos e o Reino Unido intensificavam o seu desengajamento. A ausência do Ocidente, assim como aconteceu no Oriente Médio, está sendo preenchida pela Rússia. O grupo mercenário Wagner, ligado informalmente ao Kremlin, foi contratado pelas ditaduras africanas para conter os jihadistas.

    São mudanças substanciais, para um período tão curto da história.

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