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    Tensão envolvendo Taiwan marca viagem de Lula à China

    Situação semelhante ocorreu no ano passado, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi à Rússia às vésperas da invasão da Ucrânia

    Tanques de guerra enfileirados em praia de Taiwan que fica próxima do território chinês
    Tanques de guerra enfileirados em praia de Taiwan que fica próxima do território chinês Chris McGrath/Getty Images

    Lourival Sant'Anna

    Em fevereiro do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou Vladimir Putin quando mais de 100 mil soldados russos preparavam a invasão da Ucrânia, iniciada oito dias depois do encontro.

    Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita Xi Jinping um dia depois do encerramento de exercícios militares chineses que servem de treinamento e ameaça de invasão de Taiwan.

    Parece que temos um padrão.

    As manobras chinesas assediaram, por ar e mar, os flancos norte, leste e sul da Ilha de Formosa. O motivo circunstancial foi responder ao encontro entre a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Kevin McCarthy, na Califórnia.

    McCarthy se tornou a autoridade americana de mais alto nível a se reunir com governante de Taiwan em território americano desde que os EUA passaram a reconhecer diplomaticamente a China continental e comunista, em 1979.

    Dessa vez, os chineses não dispararam mísseis por sobre a ilha, atingindo o Mar do Japão, como fizeram em agosto, quando Nancy Pelosi, a antecessora de McCarthy, visitou Taipé.

    Também não foi bloqueada a navegação no Mar do Leste da China, o que sugere que o regime comunista teme o impacto econômico disso, diante da desaceleração da economia chinesa.

    Por outro lado, pela primeira vez os exercícios incluíram um porta-aviões, Shangong. Os aviões chineses fizeram dezenas de incursões na zona de identificação aérea delimitada por Taiwan. Isso, no entanto, já é parte da rotina diária dos taiwaneses.

    “Esta é uma advertência séria contra as provocações dos separatistas da ‘independência de Taiwan’ em conluio com forças estrangeiras, e uma ação necessária para defender a soberania e a integridade territorial da nação”, afirmou comunicado do Comando do Teatro Oriental das Forças Armadas chinesas.

    A crise coincidiu também com a visita a Taipé do deputado Michael McCaul, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA. McCaul defendeu, no Parlamento taiwanês, acesso o mais rápido possível a armas, não só dos EUA, mas de outros fornecedores também: “Sobre a questão das armas, eu assino essas entregas e estamos fazendo tudo ao nosso alcance para agilizar isso”.

    O governo de Taiwan tem reclamado de atrasos nas entregas de armas dos EUA, como mísseis antiaéreos Stinger. Esses atrasos se devem, em parte, ao envio de armas para a Ucrânia, que tem tido prioridade do Ocidente.

    Xi Jinping tem afirmado que seu sucessor não herdará o “problema” de Taiwan, que tentará anexar por meio de negociação, mas, se isso não for possível, não descarta o uso da força. O presidente Joe Biden se reuniu com Xi em novembro e diz ter saído com a impressão de que uma ação militar chinesa contra Taiwan não é iminente.

    Biden tem dado a entender que os EUA reagiriam militarmente a uma tomada da ilha à força. Taiwan é o maior fabricante de semicondutores, ou chips, do mundo. O governo americano adotou no ano passado medidas que cerceiam o acesso da China a softwares de desenho de máquinas que fabricam os chips.

    A China, em princípio, não se sente pronta para um possível confronto com os EUA e, potencialmente, Japão e Coreia do Sul, caso avançasse sobre Taiwan. Por outro lado, a asfixia tecnológica poderia precipitar a ação, para se apropriar do sofisticado parque industrial taiwanês.

    Como parte dessa estratégia, Biden aprovou no Congresso uma política industrial de US$ 369 bilhões destinada a atrair fábricas de produtos estratégicos, como chips e baterias para veículos elétricos, para o território americano.

    Isso acabou ferindo os interesses europeus. A União Europeia contava alcançar autossuficiência dessas baterias em 2027, mas projetos no continente europeu estão sendo cancelados e deslocados para os EUA.

    Isso irrita governantes como Emmanuel Macron, que acaba de visitar Xi em Pequim. O presidente francês disse que a Europa reagiu com grande agilidade para criar a sua própria política industrial, incentivar o desenvolvimento de tecnologia verde e a produção de matéria-prima necessária para isso.

    Nesse contexto, Macron defendeu a “autonomia” europeia frente ao embate entre EUA e China.

    “Temos interesse em acelerar a questão de Taiwan?”, perguntou Macron em entrevista ao jornal francês Les Echos. “Não. Não teremos tempo nem os meios para financiar nossa autonomia estratégica e nos tornaremos vassalos, ao passo que poderíamos nos tornar o terceiro pólo se tivermos alguns anos para desenvolver isso.”

    As declarações causaram preocupação em outros países europeus, além dos Estados Unidos, ainda mais no quadro do esforço do Ocidente em ajudar a Ucrânia a enfrentar a Rússia, que se beneficia do aumento de 30% do comércio com a China para compensar as sanções europeias.

    Entretanto, Macron garantiu que as conversas com Xi foram úteis para confrontar a “complacência da China em relação à Rússia”, e “consolidar abordagens comuns” sobre a guerra na Ucrânia.

    É nesse emaranhado de interesses que Lula chega à China, com o objetivo de estreitar relações e de formar um grupo de países para mediar a paz entre Rússia e Ucrânia.

    Entretanto, a China não é vista como isenta nessa questão, e dará espaço para essa conversa só se considerar que pode ajudá-la a manter sua aparência de ambivalência estratégica, cada dia menos convincente.