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    Sobrevivente do Holocausto deixada em estação de trem quando bebê encontra família aos 80 anos

    Durante o isolamento social por causa da Covid-19, uma mulher na África do Sul decidiu investigar a genealogia da sua família e encontrou Alice Grusová

    Lianne KolirinIvana Kottasováda CNN

    Quando Alice Grusová era um bebê, seus pais a deixaram num banco de uma estação de trem, sem ideia do que se aconteceria com ela. Era junho de 1942. Foi o último ato desesperado de Marta e Alexandr Knapp para salvar sua filha e tentar escapar do desastre que se avizinhava da então Checoslováquia.

    Depois de deixar a menina na estação, o casal fugiu de Praga. Mas, quando o trem chegou a Pardubice, na Boêmia Oriental, soldados nazistas embarcaram em busca de judeus em fuga.

    Grusová (o sobrenome que adotou ao se casar) nunca viu os seus pais novamente. Eles foram presos e enviados para o campo de concentração de Theresienstadt, de onde foram posteriormente deportados para Auschwitz e assassinados. Seu meio irmão mais velho, René, fruto de um casamento anterior do pai, também morreu ali.

    Marta, mãe de Alice, foi assassinada em Auschwitz depois de ser detida pelos / Cortesia/Alice Grusová

    O destino da bebê poderia ter sido o mesmo, não fosse uma aposta de alto risco do casal ao deixa-lá ali e contar com a sorte. E deu certo. Em 2022, Alice Grusová celebrou o seu 81º aniversário – e também o 60º aniversário de casamento com o marido Miroslav. Vivendo em Praga, o casal tem três filhos, seis netos e três bisnetos.

    A mulher sempre sentiu que essa era a soma total da sua família. No entanto, no início deste ano a enfermeira pediátrica aposentada viajou para Israel, onde se reconectou com sua herança judaica e encontrou seu único primo sobrevivente – bem como uma família mais ampla que ela desconhecia.

    “Fiquei muito chocada quando descobri, aos 80 anos, que tinha uma família tão grande”, contou Alice numa videochamada emocionante com a CNN. “Estou triste por não ter ido mais cedo”, acrescentou a aposentada, que já sobreviveu a um câncer, uma hepatite e uma cirurgia na coluna vertebral.

    A reunião ocorreu graças aos esforços de uma curiosa mulher a 8 mil quilômetros de distância, na África do Sul, que resolveu investigar a genealogia da família durante o início da pandemia de coronavírus. A história incrível foi depois compartilhada pelo site de genealogia online MyHeritage.

    Com a vida em compasso de espera por conta da pandemia, a sul- africana Michalya Schonwald Moss mergulhou na sua história familiar no site MyHeritage. Ela sempre soube que sua família havia sido dizimada no Holocausto, mas nada a preparou para a descoberta de que 120 de seus parentes haviam sido assassinados em Auschwitz.

    No entanto, das trevas inimagináveis, surgiu um pequeno e inesperado raio de esperança. Com a ajuda de genealogistas profissionais tanto na República Checa como em Israel, ela descobriu a incrível história de um sobrevivente: Alice Grusová e suas conexões com outro parente.

    Os pais de Grusová com seu meio irmão René. Os três foram assassinados em Auschwitz / Cortesia/Alice Grusová

    Voltando no tempo, em 1942, depois de ser encontrada no banco da estação, a menina de um ano foi inicialmente colocada em um orfanato. Grusová, que não tem memória dos seus pais, foi mais tarde transferida para o campo de concentração de Theresienstadt, o mesmo para onde os pais haviam sido levados antes (mas nunca os encontrou).

    Ela contou: “Havia uma mulher agradável que cuidava de nós. Lembro-me apenas de vislumbres dessa época. E depois de quando adoeci com febre tifoide e os trabalhadores de lá tinham de me proteger dos alemães. Lembro-me de falavam para mim para que eu fizesse silêncio ou os alemães maus iriam nos matar”.

    Surpreendentemente, ela sobreviveu e, depois da guerra foi levada até a irmã mais nova da sua mãe, Edith (ou Editka, como ela a chama), que sobreviveu a Auschwitz depois de ser transferida para um campo de trabalho.

    Grusová ainda criança, com a irmã mais nova de sua mãe, Edith, que sobreviveu a Auschwitz / Cortesia/Alice Grusová

    A aposentada fica com a voz embargada de emoção ao lembrar da tia, que, tal como muitos sobreviventes dos campos nazistas, tinha seu número de identidade tatuado no braço. “Ela era tão bonita, magra, com aquela tatuagem. Mas eu não notava isso na época”.

    No início, as duas viveram juntas na Checoslováquia. Em 1947, a tia emigrou para o que era então a Palestina. Por razões que permanecem pouco claras, a sobrinha foi abandonada na Checoslováquia e colocada para adoção.

    “Eu tinha 6 anos quando a minha tia saiu da Checoslováquia e conheci meus novos pais”, explicou. “Como criança, fiquei muito triste quando minha tia me deixou. Não entendi por que eu não pude ir com ela”, contou. “Eu mantive contato com ela por um tempo, ela se casou e teve um filho, que eu vi pela última vez em uma foto quando ele tinha dois anos”, relatou. Mas a correspondência com Edith diminuiu e, em 1966, “nós nos desconectamos”.

    Grusová nunca soube o que aconteceu com a tia – até que seu filho Jan, que fala inglês, traduziu um email surpreendente que seus pais receberam da então desconhecida Schonwald Moss, enviado da África do Sul em 2021. A surpresa veio em boa hora: Jan e sua esposa passaram anos tentando rastrear o primo de sua mãe, do qual ela soube pela última vez quando ele tinha dois anos, sem sucesso.

    Com a ajuda de investigadores profissionais, Schonwald Moss não só tinha descoberto a história incrível de Grusová, mas também tinha encontrado o tal primo: o filho de Edith, Yossi Weiss, tinha agora com 67 anos e vivia na cidade israelita de Haifa. Weiss e Grusová “se encontraram” online no ano passado, juntamente com outros membros da árvore da família recém- descoberta.

    Weiss não sabia nada de sua prima e a sua própria vida tinha sido abalada por tragédias – tendo perdido tanto a sua mãe (Edith) como o seu filho para o suicídio. Durante o verão, Grusová voou para Israel com o marido, o filho Jan e a nora Petra para se encontrar com Weiss e com membros da sua família mais ampla, incluindo Schonwald Moss, que fizera a conexão entre eles e viajara da África do Sul para a ocasião.

    Grusová contou à CNN: “Eles queriam me encontrar e me visitar, mas meu primo está com câncer e não pode viajar. Já eu temia uma viagem longa na minha idade, mas estou tão feliz por ter ido. Pena que essa descoberta não aconteceu mais cedo. Ao mesmo tempo, se não fosse a Covid, nunca teria descoberto que tenho uma família tão grande”.

    A aposentada checa – que não fala nem hebraico nem inglês – se comunicou com os seus parentes “novos” através de um intérprete. Juntos, eles visitaram o túmulo da sua falecida tia Edith, o museu Theresienstadt e o Centro Mundial de Memória do Holocausto em Yad Vashem, onde ela gravou seu testemunho pessoal e também foi filmada para um canal de notícias israelita.

    Simmy Allen, chefe dos meios de comunicação internacionais em Yad Vashem, estava lá no dia. Para a CNN, ele contou que foi uma “reunião muito emocionante”, acrescentando: “A família se uniu e os diferentes lados estavam descobriram suas raízes e visitaram Yad Vashem para solidificar isso, para que os seus antepassados tenham um lugar que os recordasse perpetuamente”.

    A enfermeira aposentada disse: “A minha família aumentou muito em tamanho. E Michalya continua encontrando cada vez mais parentes”.

    O israelense Weiss disse que pouco sabia sobre a vida anterior da sua mãe e que não sabia por que ela havia deixado sua prima ao se mudar para o que era então a Palestina.

    “Do pouco que ela me disse, soube que trabalhara numa fábrica e que ela voltara à cidade após a guerra pois teve a sorte de sobreviver”, contou. “Eu sabia que ela havia sido casada antes e que seu marido morrera no front russo, mas não sabia do capítulo do encontro de Alice”.

    Sobre a reunião deles, o israelense disse: “Eu procurei ter um tempo só com Alice. Falamos da questão da minha mãe vir a Israel e Alice ser abandonada e concordarmos que as coisas eram complicadas”.

    A pergunta permanecerá para sempre sem resposta, embora Weiss tenha racionalizado o tema. “Minha mãe era uma sobrevivente do Holocausto que voltou dos campos aos 25 anos e tinha acabado de perder o marido. Alice tinha 5 anos. Minha mãe não podia dar casa, escola, comida e tudo que era necessário”, explicou.

    Talvez ela tenha avaliado que a menina ficaria melhor com pais adotivos, acrescentou. “Isso me machuca num nível pessoal porque às vezes eu tenho fantasias na linha do ‘e se’”, confessou.

    Grusová se sentiu da mesma forma: “Claro que eu pensei sobre como minha vida teria sido [com a tia]. Como criança, fiquei muito triste quando ela foi embora. Não entendi por que ela não me levou junto”. “Meu primo tentou explicar. Ela era jovem, sua vida foi salva por um milagre. Não a culpo por nada”.

    Da reunião com a prima Alice Grusová, Weiss disse: “Ela queria muito ver o túmulo da minha mãe. Foi muito importante para ela e foi como encerrar um capítulo”.

    O primo estava em Yad Vashem com Grusová quando ela gravou seu testemunho tristíssimo. “Foi muito comovente e nada fácil para ninguém”.

    (Da esq. para dir.) Miroslav Grus (marido de Alice), Jan Grus (filho de Alice), Michalya Schonwald Moss, Petra Grusová (esposa de Jan), Alice Grusová, Yossi Weiss / Cortesia/Michalya Schonwald Moss

    A sul-africana Schonwald Moss concordou. “Foi uma das experiências mais extraordinárias, íntimas e emocionalmente terapêuticas da minha vida”, contou à CNN.

    A família está agora em conversações com a Fundação USC Shoah, de Steven Spielberg, que planeja gravar em vídeo o depoimento de Alice no ano que vem.

    “Descobrir que um membro da família havia sobrevivido sem que nunca soubéssemos e que ainda estava vivo e vivendo em Praga foi como ter encontrado um fantasma em vida. E depois descobrir sua história foi especialmente desolador”, relatou Schonwald Moss.

    “Tê-la novamente em nossas vidas nos mostrou como é viver. Todos os dias vivemos uma reparação em nossa família. E, graças a Alice e ao brilho em seus olhos e ao amor que ela emana, tornamo-nos uma família novamente”.

    Roi Mandel, diretor de pesquisa da MyHeritage, ficou feliz com o resultado para Alice Grusová e sua família. “A história de Alice é a história de muitos que sobreviveram à guerra e partiram do princípio de que estavam sozinhos no mundo, sem saber que havia outro ramo que sobrevivera”, explicou.

    “Décadas de desconexão como resultado da Cortina de Ferro no Leste Europeu chegaram ao fim graças à tecnologia que permite ligar partes de um quebra-cabeças que parecia sem solução”, comparou

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