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    Sem trabalho, venezuelanos transportam corpos de vítimas da Covid-19 no Peru

    Imigrantes recebem US$ 500 (cerca de R$ 2,5 mil) por mês para coletar corpos em casas dos bairros mais pobres de Lima

    Guillermo Galdos e Gena Somra, da CNN

    “Morte, morte, aqui está”, cantam Néstor Vargas e Luis José Cerpa acompanhando a música no rádio enquanto usam máscaras faciais e circulam com sua van pelas ruas de Lima, no Peru.

    Vestidos da cabeça aos pés com roupas de proteção, os dois retiram corpos de pessoas que morreram de Covid-19 em Lima, capital do país. É um trabalho que poucos desejam devido à possível exposição ao vírus, mas esses dois imigrantes venezuelanos estão assumindo o risco.

    “Estamos com medo de ser infectados e levar [a doença] para casa, onde moro com minha esposa, filhos e minha mãe”, disse Vargas. Ele usa uma capa em seu telefone celular, que tem uma foto da mulher e dos filhos como protetor de tela, para tentar evitar contaminação.

    Como dezenas de milhares de outros venezuelanos, Vargas e Cerpa migraram ao Peru para escapar da economia em colapso em seu país. Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), quase 5 milhões de pessoas fugiram da Venezuela desde 2016 e pelo menos 870 mil acabaram no Peru, trabalhando em empregos com baixos salários para sobreviver ou enviar dinheiro para os membros da família que não saíram do país.

    Cerpa, de 21 anos, era um estudante de design gráfico antes de fugir para o Peru, onde trabalhou como bartender e garçom. Vargas, de 38 anos, trabalhava no ramo de funerais na Venezuela e, quando chegou ao Peru, tinha conseguido uma vaga como motorista em uma empresa de gás.

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    “Estávamos sem trabalhar há três meses, precisávamos comer, pagar aluguel e enviar dinheiro para casa, na Venezuela”, disse Vargas. “Este trabalho é realmente difícil, mas temos um ditado que diz ‘a necessidade faz o homem’.”

    Ele e Cerpa agora recebem US$ 500 (cerca de R$ 2,5 mil) por mês por esse trabalho, quase o dobro do salário mínimo no Peru. Trabalham até 19 horas por dia, sete dias por semana.

    Apesar de o Peru ter tomado ações rápidas para conter a pandemia, o novo coronavírus se espalhou pelo país. Mais de 353 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença até o momento.

    Em todas as casas, Cerpa e Vargas se deparam com o mesmo som: famílias chorando pela perda de uma pessoa amada. Eles tentam entrar e sair das casas da forma mais respeitosa e rápida possível.

    A maioria dos corpos que eles retiram são em bairros pobres, de casas onde as pessoas não têm condições de contratar um serviço funerário para lidar com o enterro. 

    Crematório de cemitério no Peru funciona sem parar em razão das vítimas de Covid
    Fornos do crematório do cemitério municipal El Angel, em Lima, funcionam sem parar em razão do alto número de vítimas da Covid-19 no país
    Foto: CNN

    O Peru já tem mais de 13 mil mortos pela Covid-19 e o sistema de saúde pública do país está em colapso por causa da crise. O que resta aos pobres é uma morte com pouca dignidade.

    A família de Raul Oliveras, de 63 anos, chamou uma ambulância quando ele apresentou os primeiros dos sintomas de Covid-19. Mas o socorro nunca chegou e eles o viram morrer em casa. Naquela noite, Vargas e Cerpa entraram e agarraram os cobertores da cama para tirar o corpo da cama.

    Enquanto os cães da vizinhança latiam e a família lamentava na rua escura, Vargas e Cerpa colocaram o corpo de Oliveras em uma saco para cadáver e o arrastaram até a traseira da van para a viagem ao crematório.

    No crematório do cemitério municipal El Angel, muitos funcionários também são venezuelanos.

    “Os peruanos não fazem esse serviço. É difícil”, disse Orlando Arteaga, que trabalha sete dias por semana, ganhando o dinheiro necessário para sustentar três crianças na Venezuela e uma filha de dois anos em Lima. 

    Ele diz que nunca imaginou que veria tanta morte, mas que alguém tem que fazer essa função – “e precisamos trabalhar”.

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    Arteaga, de 40 anos, é responsável pelos fornos, que operam constantemente. Uma pilha de caixões de papelão é empilhada aleatoriamente nas proximidades.

    “Estes nem sequer são todos os corpos. Existem corpos em outros lugares, porque não há espaço e não podemos deixá-los expostos”, disse ele. “Eu não desejaria esse trabalho ao meu pior inimigo.”

    Até o fim do dia, Vargas e Cerpa tinham coletado e entregue mais de uma dúzia de corpos. Eles estavam cansados, mas seu trabalho não estava finalizado. Por volta das 23h, a última ligação do dia veio do Hospital Villa Maria del Triunfo. A equipe pediu aos homens para coletar mais 13 corpos porque o necrotério estava lotado.

    Os dois chegaram ao hospital e esperaram pela liberação da documentação dos mortos. Sem máscara e luvas, eles descansaram alguns minutos e comeram frango de uma marmita. Foi a primeira vez em horas que eles tiveram uma pausa.

    Estes dias cansativos se tornaram a regra para eles. “Às vezes chegamos em casa às 2 ou 3 da manhã. Depois de tomar banho e comer, já são 4 da manhã”, disse Cerpa. “Estamos de pé e temos que sair às 8h. Depois, tudo acontece novamente até o dia seguinte.”

    Seus dias de preparar coquetéis para turistas felizes podem estar a uma vida inteira de distância. Ainda assim, ele disse que aprendeu algo importante sobre a vida, depois de estar cercado pela morte: “Agora vivo simplesmente o dia a dia… vivo todos os dias como se fosse o meu último.”

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)

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