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    Russos compram botas e coletes para tropas enquanto Kremlin tenta resolver problemas de campanha

    Cidadãos do país estão promovendo financiamento coletivo para equipar soldados enviados à Ucrânia

    Bandeira russa sobre muro do Kremlin
    Bandeira russa sobre muro do Kremlin Getty Images

    Tim Lister e Katharina Krebsda CNN

    Crianças arrecadam dinheiro para meias, mães compram roupas de frio e sacos de dormir, grupos comunitários recolhem doações para coletes à prova de bala.

    Os cidadãos russos estão promovendo o “crowdfunding”, ou financiamento coletivo, para equipar os soldados enviados para a Ucrânia à medida que o inverno se aproxima nos campos de batalha. As tropas reclamaram da falta de equipamentos básicos – e a mensagem chegou a Vladimir Putin.

    O presidente russo e outras autoridades disseram que os problemas iniciais com o suprimento das tropas recém-enviadas para a Ucrânia estão sendo superados, em parte por conta de uma reorganização das cadeias de abastecimento. Mas o Kremlin também aumentou a pressão sobre aqueles que se atrevem a reclamar, e está cada vez mais interpretando a invasão da Ucrânia como uma causa patriótica e quase existencial.

    Na quarta-feira (21), Putin disse que os esforços de mobilização devem ser modernizados após a movimentação inicial apresentar problemas.

    “A mobilização parcial realizada revelou certos problemas, isso é bem conhecido por todos, e deve ser prontamente resolvido”, afirmou o presidente russo em uma reunião com os chefes de defesa do país.

    O próprio Putin realizou um encontro bem coreografado com as famílias de soldados no Kremlin no fim de novembro, dois meses após a tão criticada mobilização parcial. Mas os participantes foram cuidadosamente selecionados por sua expressão de apoio.

    Campanhas locais para arrecadar fundos para soldados estão em andamento na Rússia e na autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD), no leste da Ucrânia. Uma delas, chamada “Together is Warmer”, arrecadou 3 milhões de rublos (cerca de R$ 234 mil) para fornecer equipamentos básicos e roupas para os soldados russos.

    No mês passado, um canal do Telegram detalhou como um soldado de nome de guerra Kaluga, do 6º Batalhão de Infantaria Motorizado da RPD, pediu ajuda para sua equipe de 74 homens.

    “Quando já estávamos recolhendo tudo e nos preparando para partir, as pessoas chegaram ao nosso armazém em filas, carregando caixas e pacotes com as frases: ‘Isto é para Kaluga do 6º Batalhão de Infantaria Motorizado!’ Medicamentos, roupas, botas e até duas cadeiras de rodas, que os homens levaram para o hospital local”.

    O canal listou o que mais eles compraram: “Uniformes, roupas térmicas, meias, chapéus, balaclavas, blusas, boinas, um gerador, carregadores portáteis”.

    Um canal do Telegram na república russa da Buriácia, que envia mais recrutas do que deveria, afirmou: “Desde o início da mobilização parcial dos soldados do segundo exército do mundo para a guerra, eles foram equipados pelo povo”.

    Na região da Chuváchia, onde alguns dos mobilizados realizaram protestos durante o outono local, os canais do Telegram disseram que as famílias haviam contraído dívidas com a compra de equipamentos. “Das autoridades de lá, tudo o que eles receberam foram palavras de despedida e três sacos de batatas”, contou uma pessoa.

    Da mesma forma, um canal do Telegram em Altai, no sul da Sibéria, postou: “O inverno está quase chegando, o que significa que é hora de coletar o que é mais quente para os mobilizados. Os voluntários no território de Altai anunciaram a arrecadação de botas de feltro, blusas de lã, luvas e lenços para serem enviados para o front”.

    Em Tambov, na Rússia central, alunos do 8º ano também arrecadaram dinheiro para comprar meias para as tropas.

    Muitos apelos são para a prevenção da hipotermia de soldados que lutam sem roupas adequadas ou abrigo em temperaturas abaixo de zero. Mas alguns também tentam conseguir câmeras de imagem térmica, rádios bidirecionais, coletes à prova de bala e até drones.

    Um canal do Telegram postou: “Continuamos arrecadando coletes à prova de bala”, informando que havia testado coletes feitos na China. “Queremos comprar até 50 conjuntos. Precisamos arrecadar 1 milhão de rublos”.

    Maxim Samorukov, membro do think tank “Carnegie Endowment for International Peace”, escreveu na semana passada na revista Foreign Policy: “Espera-se que os cidadãos russos comuns ajudem seus amigos e parentes que tiveram a infelicidade de serem recrutados. Na verdade, eles não têm outra opção a não ser cobrir as deficiências das provisões do Estado com dinheiro do próprio bolso, simplesmente para proteger seus entes queridos”.

    “Só eu sou confiável”

    Equipar as novas tropas (o Kremlin diz que cerca de 150 mil já foram enviadas) tem sido um desafio para as cadeias de abastecimento russas, que nunca foram das melhores.

    No início deste mês, a repórter russa Vera Desyatova, da rádio Vesti FM, perguntou a Putin sobre essa escassez em uma coletiva de imprensa.

    “As mensagens dos combatentes na linha de frente não param de chegar, os apelos são aos militares, aos voluntários” por uniformes, medicamentos e outros kits, afirmou a repórter.

    “Em quem acreditar?” ela perguntou. “Nos relatórios do Ministério da Defesa ou nos combatentes da linha de frente?”.

    “Não se pode confiar em ninguém. Só eu sou confiável”, respondeu Putin, acrescentando: “Realmente houve problemas, e a julgar pelo que você diz, eles continuam acontecendo. Mas eu tenho certeza que eles estão ficando cada vez menores em volume”.

    Isso pode estar acontecendo porque o Kremlin reorganizou as cadeias de suprimentos a fim de lidar com as críticas públicas.

    Em outubro, o governo instituiu um Conselho de Coordenação com amplos poderes para melhorar a logística, liderado pelo primeiro-ministro tecnocrata Mikhail Mishustin. De acordo com Mishustin, o trabalho do conselho é identificar “as principais tarefas para o fornecimento de armas e equipamentos, financiamento, preços, seleção de fornecedores, terceiros e a criação de infraestrutura especializada”.

    “Todos os nossos soldados na linha de frente, na retaguarda e nos campos de treinamento devem estar equipados com tudo o que precisam o mais rápido possível”, afirmou o primeiro-ministro.

    Há muitas evidências de que as unidades na linha de frente ainda precisam de ajuda.

    Em um vídeo postado recentemente, um soldado russo cercado por cinco colegas declarou: “Vivemos em péssimas condições… Não temos apoio material, nada. Viemos defender a nossa pátria”.

    “Não temos barracas, nada”, acrescentou, antes de apelar para a cidade natal da unidade, Serpukhov, ao sul de Moscou.

    Outro grupo de homens recentemente mobilizados de Tomsk, na Sibéria, reclamou em um vídeo publicado no YouTube que eles haviam sido recategorizados como “stormtroopers” em vez de defesa territorial. “Nunca seguramos uma metralhadora nas mãos. Só viemos hoje ao campo de treinamento para lançar granadas, mas não conseguimos porque não tem granadas”.

    Contendo as críticas

    O Kremlin começou a dar a entender que as queixas de famílias e soldados não são patrióticas.

    No fim de novembro, Putin encontrou mães de soldados em sua residência fora de Moscou, mas as conversas deixaram claro que elas foram cuidadosamente selecionadas. Não houve nenhuma discordância. Uma mãe até falou com orgulho da morte do filho na linha de frente.

    A certa altura, Putin observou: “Quanto às roupas, fiquei feliz em saber que a situação dos suprimentos e alimentos melhorou”. O presidente russo também falou sobre enviar mais drones para as linhas de frente.

    Putin concentrou sua fala no heroísmo dos soldados da linha de frente e na nobreza do sacrifício. A morte nas trincheiras era melhor do que a morte por vodca, Putin disse às mulheres. “Um soldado que faz tal sacrifício não morreu em vão”, afirmou.

    Putin também comentou sobre a formação de um grupo para representar as famílias dos soldados. Mas um grupo de base – o Conselho de Mães e Esposas – claramente não foi convidado para a reunião.

    Segundo a líder do grupo, Olga Tsukanova, “as mães presentes farão perguntas ‘corretas’ que foram previamente combinadas”.

    Uma semana após o encontro, Tsukanova foi detida pela polícia e revistada por drogas. Uma jornalista que a acompanhava, Svetlana Belova, foi multada em 3 mil rublos (cerca de R$ 234) por divulgar “materiais extremistas”. O canal do grupo na rede social VKontakte foi suspenso.

    Ao mesmo tempo, blogueiros militares influentes e muitas vezes críticos, alguns dos quais com milhares de seguidores, ficaram extremamente quietos.

    Andrei Soldatov, um jornalista russo independente e autor de diversos livros sobre a Rússia de Putin, contou que um dos blogueiros, Alexander Kots, foi nomeado para o Conselho Oficial de Direitos Humanos “para melhorar o acesso direto de Putin aos soldados”.

    Semen Pegov, outro blogueiro, alegou em outubro que autoridades do Ministério da Defesa criaram uma lista negra de pessoas “que não estão motivadas o suficiente” – uma lista que incluía seu nome. Um mês depois, após ser ferido nas linhas de frente, Pegov recebeu a “Ordem da Coragem” de Putin.

    “O Kremlin está usando meios tradicionais para controlar mensagens, mas também tentando lidar com a questão do Telegram, com o objetivo de cooptar vozes”, disse Soldatov à CNN.

    Em termos práticos, o governo russo está implementando esforços coordenados para melhorar as linhas de abastecimento e ao mesmo tempo sufocar a dissidência. Para tanto, o artigo 207.3 do Código Penal Russo, aprovado em março, foi utilizado contra as pessoas acusadas de espalhar “fake news” sobre os militares.

    Mas o Kremlin também está reformulando os motivos da guerra, explicou Soldatov. “A narrativa está ficando mais apocalíptica, é quase uma guerra santa agora, e os sacerdotes mortos recentemente nos campos de batalha viraram grandes heróis nos canais pró-Rússia do Telegram”.

    Além disso, as iniciativas de financiamento coletivo podem ser entendidas como mais um componente desse movimento “de toda a sociedade”.

    Em um artigo na revista Foreign Affairs, Soldatov escreveu que, apesar dos fracassos e reveses dos últimos 10 meses, Putin ampliou seu alcance sobre a sociedade e a economia.

    “Os cidadãos russos comuns não querem pensar muito sobre uma possível segunda onda de mobilização”, afirmou Soldatov à CNN.

    “A primeira foi a principal fonte de insatisfação pública e levou a colapso total do controle de informações online pelo Kremlin. Agora estão tentando encontrar uma maneira de se adaptar… Eles podem parecer menos entusiasmados com a guerra, mas isso não quer dizer que enxerguem uma chance real de mudança”.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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