Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Revolução Sandinista completa 44 anos na Nicarágua com um de seus líderes governando o país com mão de ferro

    Movimento popular de esquerda que derrubou a ditadura dos Somoza, de direita e ligada aos Estados Unidos, ascendeu Daniel Ortega, que, atualmente, está em seu quinto mandato e é comparado aos tiranos que derrubou

    Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, em discurso na 62ª Assembleia Geral da ONU
    Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, em discurso na 62ª Assembleia Geral da ONU Foto: Spencer Platt/Getty Images

    Pedro Jordãoda CNN

    São Paulo

    A Revolução Sandinista (1979-1990), que libertou a Nicarágua da ditadura de direita dos Somoza, completa 44 anos nesta quarta-feira (19). No entanto, o país não deve ter celebrações muito grandes, como as que ocorriam no passado. Isso porque o presidente Daniel Ortega, de 77 anos, líder político que ascendeu ao poder a partir do sandinismo, governa o país com mão de ferro atualmente.

    “A celebração dessa data servia para reafirmar a força de Ortega. Mas, agora, nem ele mesmo e a esposa participam mais”, explica Paulo Velasco, professor de Política Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Segundo Velasco, neste ano, são previstos eventos limitados na Praça da Revolução, espaço que tradicionalmente sedia o aniversário da data. “Será algo quase fechado, com poucos convidados”.

    Segundo o pesquisador, isso ocorre por uma intensa perda de aprovação da população diante do endurecimento do governo, das perseguições políticas e do uso da força militar para lidar com opositores — alguns chegaram a ser exilados.

    Velasco explica ainda que o movimento feito por Ortega nos últimos anos é de distanciamento dos ideais da Revolução Sandinista, inclusive com perseguições a antigos aliados, como aquela que foi considerada o “número dois” da guerrilha, Dora María Téllez, de 67 anos, que chegou a ficar 400 dias presa no país a partir de 2021.

    Criticado por movimentos sociais e organizações internacionais, Ortega — que foi o primeiro presidente da Nicarágua após a ditadura dos Somoza, em 1985 — é comparado atualmente aos tiranos que ajudou a derrubar no século passado.

    Ônibus público com imagem de Daniel Ortega pichado na Nicarágua
    Ônibus público com imagem de Daniel Ortega pichado na Nicarágua / Photo by Getty Images/Getty Images

    Nicarágua no contexto internacional

    A situação da Nicarágua vem sendo criticada por diversos países do mundo, como os Estados Unidos e os membros da União Europeia (UE). Na América Latina, no entanto, líderes de esquerda ficam aquém do esperado de democratas.

    “Brasil e Argentina não se posicionam fortemente. Falta a Lula uma resposta mais dura. Fernandez costuma fica calado sobre o que ocorre na Nicarágua. [Gustavo] Petro [presidente da Colômbia] até critica, mas de forma branda; o México oscila; o Gabriel Boric [presidente do Chile] é o único que se posiciona com firmeza, ele representa uma esquerda arejada”, diz o professor da UERJ.

    Ainda assim, a Nicarágua não tem forte influência na América Latina — como ocorre com o Brasil, por exemplo —, e encontra respaldo apenas junto a países com democracias frágeis, como a Venezuela.

    Daniel Ortega e Nicolás Maduro na cúpula da Celac em 2015, na Costa Rica
    Daniel Ortega e Nicolás Maduro na cúpula da Celac em 2015, na Costa Rica / Foto: Arnoldo Robert/LatinContent via Getty Images

    Isolada, resta à Nicarágua manter relações com a China e com a Rússia, por exemplo. O país se mostra historicamente alinhado a Moscou e, desde que teve início o conflito bélico na Ucrânia, já até votou junto dos russos na Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU).

    Nesta semana, durante a cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) com a União Europeia (UE), os 60 países que participaram do encontro lançaram um documento final do encontro citando a guerra na Ucrânia, mas sem termos hostis à Rússia. A Nicarágua não endossou o parágrafo.

    História da Revolução Sandinista

    O movimento e a guerrilha armada Sandinista nasceu fazendo referência à luta de Augusto César Sandino que, entre as décadas de 1920 e 1930, combateu a influência dos Estados Unidos na Nicarágua. Ele defendia ideais de esquerda e ligados à reforma agrária para o país.

    Segundo Velasco, o movimento sandinista nasce no começo do século passado como oposição à influência norte-americana na Nicarágua. “Era um movimento de bases, não era isolado, e bases fortemente nacionalistas e anti-Estados Unidos. Antes dos Somoza, era algo contra a influência norte-americana na Nicarágua”, explica.

    Em vigor nos EUA desde 1823, a Doutrina Monroe, instituída pelo presidente James Monroe, estabelecia a não interferência europeia nas Américas, apoiando as independências das antigas colônias e se estabelecendo como um líder político e econômico para a região. A partir disso, a projeção norte-americana em países como Nicarágua, Cuba, Porto Rico, Colômbia, definindo inclusive os rumos políticos dessas nações, era muito grande.

    Quando Anastasio Somoza García realiza um golpe de Estado na Nicarágua, em 1936, ele se filia aos ideais dos Estados Unidos e, assim, torna-se inimigo dos sandinistas, que passam a formar uma guerrilha armada para combater o regime militar de direita.

    “Os Somoza eram marionetes a serviço dos Estados Unidos”, classifica Velasco. O professor compara a situação ao regime de Fulgêncio Batista em Cuba, que também sofria influência direta dos EUA e seria retirado do poder pela Revolução Cubana.

    No caso da Nicarágua, a luta armada do Movimento Sandinista derruba os Somoza e coloca Daniel Ortega no poder, em 1985. “Naquele momento, não era possível falar em democracia. Foi um período muito conturbado. E houve uma espécie de contra-revolução bancada pelos EUA. A luta armada era central no momento”, explica.

    Ortega termina seu primeiro mandato em 1990, finalizando o período chamado de Revolução Sandinista e sendo substituído por Violeta Barrios de Chamorro, mais associada ao neoliberalismo. Na Nicarágua, Ortega volta a ascender em 2006, desta vez a partir do voto e não mais da luta armada.

    Desde então, Ortega não saiu mais do poder, tendo sido reeleito em 2011, 2016 e 2021. “Em 2006, houve uma época relativamente positiva. Coincidia com o boom dos commodities. Mas, diante da acentuação da crise socioeconômica do país, a figura mítica de Ortega passa a ser questionada pelo povo, como também ocorreu no Brasil em 2013 com [protestos contra] Dilma Rousseff”, compara Velasco. “Era o fim da chamada Maré Rosa dos governantes de esquerda na América Latina”.

    A diferença para o professor é que, sendo Ortega um líder político forte, ele passou a realizar ações antidemocráticas para se manter no poder. Nesse sentido, a situação vem piorando desde 2017 na Nicarágua.

    Em 2018, fortes protestos populares sinalizaram insatisfação com o comando de Ortega e receberam respostas duras das Forças Armadas. No mesmo ano, líderes católicos passaram a ser perseguidos por se posicionarem contra o regime ditatorial.

    Nas eleições de 2021, a comunidade internacional fez diversas denúncias sobre a prisão de opositores e casos de violência policial.

    Daniel Ortega e sua esposa Rosario Murillo na Nicarágua, em 26 de junho de 1990
    Daniel Ortega e sua esposa Rosario Murillo na Nicarágua, em 26 de junho de 1990 / Foto: Scott Wallace/Getty Images

    Distante da democracia

    Yader Parajon é um militante político nicaraguense que vive exilado em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Em entrevista à CNN, ele conta que foi expulso do país pelo governo de Ortega em 2021 após intensificar sua luta contra o regime ditatorial de Ortega. No momento, ele passou a fazer parte de uma caravana informativa por outros países, como o Brasil, na qual falava sobre as violações de direitos em seu país.

    “O meu irmão estava protestando em uma universidade contra o regime de Ortega e foi assassinado com um tiro no peito. Desde então, entrei mais fortemente na oposição. Não é um governo democrático. É um regime machista e homofóbico. Fui violentado com golpes físicos por ser homossexual. É um governo que se distancia da democracia, dos direitos humanos e das minorias”, declarou o militante.

    Segundo Parajon, esta quarta-feira é uma data que perdeu o sentido de ser celebrada. “Ortega tem perdido o respaldo popular. É uma ditadura que se refugia no braço militar. Muitas pessoas que acreditaram na revolução sandinista já não apoiam mais [o Daniel Ortega]. O que ele faz mancha e entristece a revolução de 1979. Hoje, não há nada para ser celebrado. Só quem vai celebrar é um grupo armado e reduzido”, diz o militante político.

    Yader Parajon, que vive sob asilo político há dois anos nos EUA, conta que foi preso duas vezes antes de sair do país: uma em 2018, após participar dos protestos nacionais contra o regime de Ortega. Depois, em 2019, também por causa de manifestações.

    “Tem uma nova revolução vindo aí. A população se posiciona e não quer mais armas, mais guerra. É uma revolução pacífica, sem armas. A data de 19 de abril de 2018 se sobrepõe a 19 de julho de 1979. O povo está cansado”, declara.