Renovação do Parlamento Europeu terá impactos no Brasil; entenda
Pesquisas de boca de urna apontam avanço da extrema-direita dentro do legislativo do bloco
Eleitores de toda a Europa foram às urnas ao longo desta semana para decidir qual será a formação da legislatura do Parlamento Europeu pelos próximos cinco anos. Políticos de cada um dos 27 países-membros tentaram garantir uma vaga no colegiado. E os principais temas da campanha foram: imigração, mudanças climáticas e a guerra na Ucrânia.
As relações com a América Latina como um todo, e com o Brasil especificamente, não estavam entre os temas mais quentes que ganharam a atenção dos candidatos. Ainda assim, o resultado do pleito vai impactar a forma como as duas regiões interagem.
Diplomacia europeia
O dia a dia da diplomacia europeia não faz parte das atribuições do Parlamento Europeu. Essa é uma função da Comissão Europeia, que é o braço executivo do bloco. O processo de escolha sobre quem será o responsável por liderar a Comissão é, entretanto, justamente de quem garantir maioria nas eleições do Parlamento Europeu, que acabaram neste domingo (9).
Os cidadãos de cada um dos 27 países elegeram nesta rodada um determinado número de legisladores que, depois, passarão a formar os grupos ideológicos transnacionais que dividem o parlamento. E é esse processo de escolha indireta que será determinante para as relações entre o Brasil e a União Europeia nos próximos cinco anos.
Até aqui, as pesquisas de boca de urna apontam que os ganhadores do pleito são os partidos que, hoje, formam os grupos centro-direita e da centro-esquerda. Hoje, os dois detêm maioria nas cadeiras do parlamento. E a coalizão entre eles foi responsável pela indicação da alemã conservadora Ursula Von Der Leyen na presidência da Comissão Europeia em 2019.
Ainda assim, os resultados mostram um crescimento acelerado dos partidos de extrema-direita. O que pode obrigar as legendas que orbitam o centro a se aliarem a eles para formar uma indicação à Comissão Europeia, levando à uma guinada nas posições diplomáticas do bloco. Inclusive com o Palácio do Itamaraty.
Agronegócio e mudança climática
O posicionamento histórico da União Europeia é de proteção aos agricultores locais, com subsídios e incentivos aos produtores do bloco. Ainda assim, há pressões internas para uma mudança nessa prática. E, numa característica dúbia, uma possível entrada dos partidos de extrema-direita na coalizão vencedora poderia tanto endurecer essa prática quanto abrir o mercado para fornecedores externos, o que beneficiaria o Brasil.
“Tudo vai depender de qual direita sair vitoriosa. Na Suécia, grupos conservadores são a favor de retirada de auxílios a agricultores. O que poderia beneficiar os produtores brasileiros. Agora, tem uma outra direita que fala que não. Que é necessário proteger o agricultor europeu, principalmente os grupos conservadores da França”, avalia Fernando Brancoli, professor de relações internacionais da UFRJ.
Em contrapartida, esses partidos tendem a achar consenso quando o assunto são as mudanças climáticas. Tanto os candidatos quanto os eleitores desses partidos costumam a questionar a influência dos seres humanos no aumento da temperatura média do planeta, contrariando as principais evidências globais sobre o tema.
Como isso pode influenciar a coalizão ganhadora do bloco, entretanto, ainda é uma incógnita. Principalmente porque não está claro se os partidos de extrema-direita estarão, juntos, numa mesma coalizão.
“O que a gente deve acompanhar nos próximos meses é um parlamento mais conservador, avesso à agenda progressista e à integração europeia. Esses partidos têm em comum um ceticismo em relação à crise climática. O que reverte algo que, até aqui, tem sido um ponto de aproximação entre Brasil e União Europeia”, afirma Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics.
Imigração
A política de imigração da União Europeia é um dos temas que deve ter mais atenção nos debates do Parlamento Europeu.
Oficialmente, cada Estado tem autonomia para decidir sua própria política de migração. Ainda assim, há uma pressão interna do bloco para mudar as políticas relacionadas à concessão de asilo e ao acolhimento dos imigrantes ilegais, avalia Pavese.
Ainda assim, essas são mudanças que vão impactar, principalmente, imigrantes ilegais vindos de países da África ou do Oriente Médio, e não os brasileiros.
Acordo Mercosul-UE
A regulamentação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul exige a aprovação de todos os Estados-membros e não depende, apenas, do Parlamento Europeu. Ainda assim, o resultado que se projeta para a nova formação do Parlamento Europeu indica que o bloco deve manter o tratado em banho-maria, sem que haja qualquer avanço sobre o tema.
“Esse novo parlamento é uma manifestação do fortalecimento da extrema-direita localmente e nacionalmente. E é nesses espaços em que esses grupos já faziam resistência ao acordo Mercosul-UE e vão continuar fazendo”, avalia Pavese.
Já Brancoli, da UFRJ, é mais categórico: “Qualquer avanço exigiria uma mudança muito grande no Parlamento Europeu e na política nacional dos países do bloco. O acordo do Mercosul com a UE já está enterrado”.
(Com informações da Reuters)