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    Relação da Rússia com Ocidente tem ex-espião envenenado, arma química e interferência em eleição

    Ações atribuídas a Moscou já provocaram crise diplomática e obstáculos nas relações com o resto do mundo

    Diego Pavãoda CNN , em São Paulo

    A história mostra que as relações da Rússia e do Ocidente são marcadas por tensões, crises diplomáticas, sanções e incidentes que abalaram a geopolítica do século XXI.

    Muitos desses episódios ajudaram a construir o clima cada vez mais tenso e hostil visto até hoje. Mesmo depois da guerra fria, crises continuaram dificultando diálogos entre o Kremlin e o mundo ocidental.

    Para Demetrius Pereira, professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes, ESPM e doutor em Ciência Política pela USP, houve de fato um momento de boas relações.

    “Após a guerra fria, a Rússia foi aderindo a instituições internacionais, como o FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, o G7 se transforma em G8, até se aproximando da própria Otan e União Europeia”. Segundo ele, o ponto de virada foi em 2014.

    Anexação da Crimeia em 2014

    Mapa da Ucrânia
    Mapa da Ucrânia com destaque para as regiões de Donetsk e Luhansk – em amarelo, aparece a Crimeia / Foto: CNN Brasil

    A Crimeia era uma república autônoma da Ucrânia, mas com fortes vínculos históricos e culturais com a Rússia.

    Uma parte significativa da população local tem origens do outro lado da fronteira e falam o idioma russo. Em 2014, a península foi invadida e anexada pelos russos em uma manobra duramente condenada pela comunidade internacional, principalmente entre países europeus.

    Moscou justificou a invasão com um plebiscito realizado na Crimeia, mas que nunca foi reconhecido internacionalmente. Além da questão cultural, o território representa um ponto estratégico em uma localização privilegiada próxima de rotas comerciais.

    A anexação, que aconteceu em meio a uma aproximação da Ucrânia com a União Europeia, elevou as tensões no Leste Europeu. De acordo com o professor Demetrius Pereira, a invasão representou um dos maiores retrocessos nas relações Rússia x Ocidente dos últimos anos.

    “Até este momento, após a guerra fria, houve mais aproximações do que distanciamentos”, diz Demetrius. Entre as maiores consequências da decisão de Putin, além de diversas sanções internacionais, está a saída da Rússia do G8, grupo das maiores potências mundiais, que se transformou em G7.

    Interferência na eleição dos EUA em 2016

    Donald Trump
    O ex-presidente dos EUA Donald Trump / Foto: Carlos Barria/Reuters (13.nov.2020)

    Em novembro de 2016, os norte-americanos foram às urnas para decidir quem seria o próximo presidente. Era a disputa entre Donald Trump e Hillary Clinton. À época, relatórios preliminares alertaram para uma possível interferência estrangeira no processo eleitoral.

    Comandada pelo ex-diretor do FBI, o procurador especial Robert Mueller, uma investigação que durou 674 dias – mais longa que a do escândalo Watergate – mostrou que russos interferiram na eleição de forma “arrebatadora” e “sistêmica”.

    O inquérito de 448 páginas terminou com 37 indivíduos indiciados, entre eles 13 cidadãos russos e seis pessoas que tiveram ligação com a campanha de Donald Trump. O relatório mencionou contatos da equipe republicana com Moscou e uma tentativa de Trump de demitir o próprio Mueller.

    Mesmo assim, a conclusão foi de que não houve provas suficientes para acusações formais de conspiração com a Rússia ou de que o então presidente tentou obstruir a investigação de alguma forma.

    Por fim, Robert Mueller deixou claro que não era possível isentar completamente a campanha nem o próprio republicano de culpa em conspiração ou obstrução de justiça.

    As palavras do procurador especial foram: “Embora este relatório não conclua que o presidente cometeu um crime, ele também não o isenta.” Mesmo com a declaração dúbia, Trump comemorou o resultado do inquérito, à época.

    Provada pelo relatório, a interferência unilateral da Rússia no processo eleitoral de 2016 foi decisiva para a vitória republicana.

    Por meio de desinformação na internet, ataque de hackers (inclusive, contra a própria democrata Hillary Clinton), atividade de perfis falsos em redes sociais, o objetivo dos russos foi sabotar a confiança dos americanos no próprio sistema eleitoral e ainda influenciar eleitores a escolherem Trump nas urnas.

    Para o professor de Relações Internacionais Demetrius Pereira, uma América governada por Trump ao invés de Clinton era mais interessante para o Kremlin.

    “Assim como em relação a outras organizações internacionais, Trump foi muito crítico da própria Otan, principalmente por causa das altas contribuições financeiras que os americanos faziam à aliança militar.”

    O projeto do republicano poderia sinalizar para uma Otan menos coesa e com menos investimentos militares vindos dos Estados Unidos, o que para Rússia poderia ser vantajoso.

    Ainda que nunca provada diretamente pelo governo britânico, a interferência russa no referendo do Brexit, em 2016, também foi sugerida por políticos do Reino Unido.

    Uma investigação independente de nove meses deixa em aberto a possibilidade de que russos, por meio da internet, fake news e manipulação de eleitores, também influenciaram o resultado da votação, que decidiu pela saída dos britânicos do bloco europeu.

    À época, o governo de Theresa May chegou a ser acusado de não fazer nada para impedir a suposta interferência. “Uma União Europeia mais fraca (sem o Reino Unido) seria uma ameaça menor à política externa da Rússia”, pontua o professor Demetrius.

    Relatórios mais recentes da inteligência americana também alertaram para uma nova tentativa russa de interferência na corrida eleitoral entre Joe Biden e Donald Trump, em 2020.

    Como vice de Obama, o democrata teve papel de destaque nas sanções aplicadas a Moscou após a anexação da Crimeia. Biden poderia, então, ser visto como não-amigável aos interesses russos. A Rússia sempre negou qualquer tentativa de interferência em processos de votação do Ocidente.

    Envenenamento de ex-espião em 2018

    A Catedral de Salisbury, no sul da Inglaterra
    A Catedral de Salisbury, no sul da Inglaterra / Foto: PA Images/Getty Images

    Em 4 de março de 2018, após um almoço de domingo, Serguei Skripal e a filha Yulia foram encontrados agonizando em um banco de praça em Salisbury, sul da Inglaterra. Ao receberem atendimento de paramédicos, foi levantada a possibilidade de uma overdose.

    Porém, ao descobrirem a identidade do idoso, um ex-espião russo, as autoridades passaram a considerar a tese de envenenamento. Análises de laboratório mostraram que pai e filha foram expostos a um agente nervoso, uma arma química, conhecida como Novichok, desenvolvida pela União Soviética.

    Especialistas classificam a substância como uma das mais letais e traiçoeiras já desenvolvidas pelo ser humano.

    Não tem cheiro, gosto, cor e pode ser facilmente transportada em aeroportos, por exemplo. Além disso, é extremamente difícil de ser rastreada, detectada, pode deixar resquícios por onde for aplicada e ainda ser “transmitida” por contato físico.

    A ação acontece no sistema nervoso central podendo levar a um sangramento cerebral e à morte em pouco tempo. Serguei e Yulia sobreviveram ao ataque após meses internados em estado grave, na Inglaterra.

    Ele foi um espião da inteligência russa, mas durante a guerra fria passou a ser um agente duplo, trabalhando também para o governo britânico.

    A traição o colocou na cadeia, mas após uma troca de prisioneiros, Skripal acabou livre no Reino Unido, onde se estabeleceu e, por décadas, viveu escondido. O envenenamento, direcionado ao ex-agente secreto, acabou gerando uma crise e muito medo na pequena cidade inglesa.

    Resquícios da arma química Novichok foram encontrados em diversos pontos de Salisbury, famosa por abrigar a Magna Carta britânica e pela proximidade com o monumento Stonehenge.

    Escondido em um frasco de perfume deixado pela dupla acusada da tentativa de assassinato, o veneno acabou matando uma mulher, o que trouxe ainda mais pânico na região.

    Comércios, casas e acessos públicos tiveram que ser interditados e a população passou a viver com medo de tocar em paredes, corrimãos ou mesmo sentar em bancos de praça.

    Os impactos na economia e no turismo foram duros, levando o governo britânico a socorrer a cidade financeiramente. Além das graves repercussões dentro do Reino Unido, o caso gerou uma crise diplomática com o Kremlin.

    O uso da arma química, proibida internacionalmente e que colocou uma cidade em risco, rendeu respostas rigorosas dos britânicos, que anunciaram a expulsão de diplomatas russos.

    Foi uma reação ao que chamaram de “ato de guerra” no país. O Ocidente acompanhou o Reino Unido, expulsou diplomatas e aplicou novas sanções à Rússia, que nega qualquer participação no caso.

    Os russos já foram acusados de envolvimento em incidentes similares no passado, como o que terminou com a morte do opositor de Putin e ex-oficial do serviço russo de segurança, Alexander Litvinenko, envenenado com Polônio (elemento radioativo) em um hotel de Londres, em 2006.

    O ataque em Salisbury abalou ainda mais as relações Rússia x Ocidente, já impactadas pela invasão da Crimeia, quatro anos antes, diz o professor Demetrius Pereira.

    “As respostas contra a Rússia, por causa do envenenamento, foram dadas por países de fora da Otan, da União Europeia, até por países considerados mais neutros”, ressalta Demetrius.

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